terça-feira, 30 de setembro de 2008

A “estatização” das empresas americanas

Semana de 15 a 21 de setembro de 2008



Até pouco tempo atrás, ninguém sequer imaginava que o Governo dos Estados Unidos da América passaria a intervir de maneira tão direta e contundente no rumo de sua economia, violando todos os princípios do liberalismo econômico e transformando a sagrada propriedade privada em propriedade estatal. Pois é, apesar de ser impensável há menos de um ano, é exatamente o que está ocorrendo agora.
A operação de salvamento da seguradora American International Group (AIG) é mais um exemplo disto. Na terça feira, dia 16, as ações da referida empresa caíram 61%, e, após o encerramento dos negócios, o Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) comprou 80% da seguradora por US$ 85 bilhões. Isto para não falar no resgate das companhias hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mack, no qual cada uma custou US$ 100 bilhões aos cofres públicos do país, e na ajuda financeira concedida aos credores do banco Bear Stearns, que atingiu a cifra de US$ 29 bilhões.
Segundo analistas de mercado, desde o início da atual crise financeira, o Federal Reserve já gastou entre US$ 900 bilhões e US$ 1,5 trilhão, o que representa cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano. Assim, de operação em operação, o Fed tenta salvar instituições financeiras falidas, injetando dinheiro nos mercados e socializando os prejuízos destas empresas com todos os contribuintes dos países envolvidos, que, mais cedo ou mais tarde, arcarão com o custo fiscal de tais medidas.
Resta-nos saber, porém, qual é o tamanho das reservas do Fed e da sua capacidade de socorrer as empresas que estão em processo de falência. Por enquanto, surpreende, até certo ponto, a inovação e a utilização de ações inéditas, como a efetuada na quarta feira, dia 17, quando o Departamento do Tesouro anunciou que passará a vender títulos públicos para ajudar o Fed a recompor os recursos gastos para socorrer instituições financeiras em. Estaria então o Fed ficando sem dinheiro? Em comunicado, o Tesouro afirma que não, e que se trata apenas de uma forma de o Governo administrar melhor as suas necessidades. O fato é que, na primeira emissão, foram negociados US$ 40 bilhões em títulos com prazo de vencimento de 35 dias. No primeiro dia de operações, o retorno desses papéis não ultrapassou sequer a marca de 0,4%, o que demonstra o elevado grau de desespero dos investidores, que em épocas de crise, procuram aplicar o seu dinheiro em ativos mais “seguros”, mesmo que estes lhes proporcionem muito pouco, ou quase nenhum rendimento.
Mas, todo esse esforço por parte do Governo e da autoridade monetária do país não foi capaz de evitar a quebradeira generalizada de alguns dos principais bancos de investimentos do mercado norteamericano. Dos cinco maiores bancos de investimentos do país, três já sucumbiram em meio à crise. O Bear Stearns, que era o quinto no ranking, foi vendido, em março, para o JP Morgan. O Merrill Lynch, terceiro maior banco, foi vendido para o Bank of America. Já Lehman Brothers, quarto no ranking, entrou com pedido de recuperação judicial. O mais impressionante é que este último banco havia registrado faturamento e lucro recordes em 2006 pelo terceiro ano consecutivo, sendo eleita a corretora número 1 da bolsa de Londres em volume negociado e escolhido pela revista Forbes como a empresa mais admirada em 2007.
Os dois gigantes que conseguiram sobreviver, Goldman Sachs e JP Morgan, tentam se reestruturar, agindo com mais cautela nos empréstimos, para não terem o mesmo destino que os seus pares. Em meio a este cenário de elevada incerteza e alto grau de instabilidade, parece que a derrocada dos paradigmas do capitalismo financeiro, declarada simbolicamente neste setembro de 2008, abalou ainda mais o mundo do que os ataques às torres gêmeas ocorridos em setembro de 2001, provocando não só a desconfiança com relação ao futuro, mas colocando abaixo, ou pelo menos em xeque, as velhas concepções acerca daeconomia de mercado e a sua capacidade de organização da sociedade.
Enquanto isto acontece, no Brasil, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, continuou a afirmar que a situação no país está sob controle e que “o Brasil já estaria de quatro” se a crise internacional ocorresse em anos anteriores, voltando a ressaltar os fundamentos macroeconômicos mais sólidos e usando como exemplo, como sempre, as reservas cambiais na casa de US$ 200 bilhões.
Entretanto, começa-se a observar um aumento da saída de capitais do mercado brasileiro. Desde junho, os “investidores” têm vendido ações nos pregões da Bovespa, que, de lá para cá, já despencou 38%, passando de 73.516 pontos para 45.908 pontos. Somente neste ano, a saída de capital externo do mercado acionário brasileiro já alcança a marca de R$ 17,02 bilhões, o que faz de 2008 o pior ano da história nesse quesito.
Do lado real da economia, o setor exportador já vislumbra um déficit comercial no próximo ano. A probabilidade de que isto ocorra é cada vez maior, com os preços das commodities em queda e o agravamento do quadro de recessão econômica, que terá como conseqüência a redução da demanda por produtos em todo o mundo.Isto significa que, com o aprofundamento da crise mundial em marcha, este quadro de saída de capitais do país e de transição de uma balança comercial superavitária para uma balança comercial deficitária pode, de uma hora pra outra, dissolver os R$ 200 bilhões de reservas que o Brasil possui, fragilizando, assim, um fundamento que nunca esteve sólido, ou, em outras palavras, solidificando a fragilidade da economia brasileira.

Texto escrito por:
Diego Mendes Lyra: Mestrando em economia, Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Ainda não há luz no fundo do túnel

Semana de 08 a 15 de setembro de 2008



Continua a repercutir a grande operação de salvamento do casal Fannie-Freddie. E as dimensões do caso tornam-se cada vez mais visíveis. Para se ter uma idéia, as duas empresas Fannie Mãe e Freddie Mac, que atuam no setor imobiliário americano, são responsáveis por 68% do mercado, o que significa algo como US$ 5,3 trilhões de dólares em garantias a empréstimos concedidos para a aquisição de imóveis. Este montante representa mais de quatro vezes o valor do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro (somatório de toda a riqueza produzida no país) que foi estimado em US$ 1,3 trilhão de dólares em 2007. Isto quer dizer que, somados, Fannie e Freddie valem mais de quatro Brasis.
Mas não é só isso. Os US$ 200 bilhões de dólares que foram injetados apenas nas duas empresas (US$ 100 bilhões para cada uma) equivalem ao total das reservas do Brasil que tão orgulhosamente o ministro Guido Mantega exibe como prova da nossa superioridade. No entanto, este montante é considerado por todos como insuficiente. Além disso, parece evidente que ele não resolverá a crise e que novas intervenções serão necessárias. O secretário do tesouro dos EUA, Henry Paulson, que assumiu o comando da intervenção, justificou as medidas afirmando que a quebra de qualquer uma das agências “causaria grande turbulência ao redor do mundo”. A situação, no entanto,continua se agravando, pois a inadimplência e as execuções de hipotecas nos EUA continuam, ultrapassando os valores máximos atingidos nos últimos 29 anos.
Mas a crise ultrapassa em muito os limites do mercado imobiliário. Já afirmamos, em análises anteriores, que o estouro financeiro era apenas a ponta do iceberg. O pior ainda está vindo por aí. O rastilho de pólvora já atingiu outros paióis. Repercute agora a notícia de que o banco de investimentos Lehman Brothres, o quarto maior dos Estados Unidos, e que atuava há 158 anos, se declarou em quebra. As tentativas para salvá-lo estão em marcha, pois, desta vez, o Federal Reserve (Fed), banco central americano, resolveu não dar cobertura às operações de salvamento. Varias instituições financeiras do porte do Bank of América, Barclay, Citibank, Credit Suisse, Deutsche Bank, J.P.Morgan, UBS e Morgan Stanley, entre outros, reuniram-se para tentar inutilmente uma solução. Mais sorte teve o Merrill Lynch, que, diante da ameaça de falência, conseguiu ser comprado pelo Bank of América por cerca de US$ 50 bilhões de dólares, consolidando ainda mais sua posição de gigante, reforçada já por uma série de compras anteriores que incluem o banco hipotecário Countrywide Financial.
O estouro em cadeia, porém, não dá tréguas e se estende para as seguradoras. Agora foi a AIG que solicitou, ao Fed, um empréstimo de US$ 40 bilhões de dólares.
Observando as repercussões em cascata para toda a economia, Gary Thayer, economista sênior do Wachovia Securities, afirmou que “a economia está claramente se deteriorando”. O presidente do Conference Board, empresa especializada em pesquisa sobre confiança do consumidor, Gail Fosler, comentou que “a economia dos Estados Unidos está estagnada” e deve desacelerar significativamente nos próximos trimestres. Com efeito, a crise se expande ao mercado de trabalho. A taxa de desemprego nos EUA subiu para 6,1% em agosto, o maior nível desde setembro de 2003. O departamento de trabalho informou que, neste mês, foram eliminados 84 mil postos de trabalho, além dos 60 mil, em julho, e os 100 mil, em junho.
As explosivas notícias da semana não podiam deixar de repercutir nas bolsas de valores de todo o mundo. Assistiu-se a quebradeira geral e a nossa Bovespa, apesar dos sólidos fundamentos da economia, não ficou imune. Se, em todo o mês de agosto, ela caiu 6,4%, só no dia 10 de setembro o Ibovespa (índice que mede as atividades da bolsa) caiu 4,5% e no mês de setembro as perdas acumuladas atingiram 13%. No total do ano, as perdas já são de 24,18%. Com isto, o valor de mercado das empresas brasileiras, de maio até agora, caiu 30,8%, o que significa a perda de US$ 432 bilhões de dólares. As ações de empresas como a Vale e a Petrobrás perderam 33,74% e 34,45% de seu valor, respectivamente.
Agora se apressam os analistas a declarar que não são partidários da tese do “descolamento” dos emergentes. O economista Ramón Aracena, especialista em Brasil do Instituto de Finanças Internacionais, por exemplo, declarou que “nunca acreditei na tese do descolamento” e que, apesar dos bons fundamentos, o país “não está imune”.
E cada vez mais o efeito manada empurra os especuladores na direção de maior segurança. Os capitais estrangeiros fogem do país e os pequenos “investidores”, desencantados com o emudecimento da sereia, procuram salvar o que podem. A bolsa oscila e continuará no sobe e desce ao sabor das notícias sobre falências que certamente virão.
Isto é apenas o começo. Quem tinha ações da Petrobrás, por exemplo, já perdeu 34,45% do valor. Somados os prejuízos, a destruição de capitais já está em marcha e pode ser estimada em trilhões de dólares. Continuamos ainda em direção ao fundo do poço.
Mas, imune a tudo isto, como um gigantesco avestruz que esconde a cabeça no solo diante do perigo, o Banco Central do Brasil decidiu aumentar a taxa básica de juros (Selic) em 0,75%, mais uma vez garantindo a rentabilidade do capital financeiro sob a alegação da ameaça da inflação que parece só existir na cabeça do Henrique Meirelles, seu presidente.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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quinta-feira, 25 de setembro de 2008

E o poço parece sem fundo

Semana de 01 a 07 de setembro de 2008

A cirurgia foi confirmada: o Federal Reserve (Fed), Banco Central americano, abriu a tesouraria e transplantou US$ 200 bilhões (US$ 100 bilhões para cada um) para salvar os agonizantes enfermos Fannie e Freddie. Como se sabe, Fannie Mae e Freddie Mac, apesar de terem nomes de gente, são duas gigantescas empresas privadas que operam no mercado de crédito hipotecário nos EUA e são responsáveis pelo financiamento de quase US$ 6 trilhões do total de US$ 12 trilhões do mercado americano de hipotecas. Há meses que estes dois monstros se arrastavam em lenta agonia e já tinham sido alvo de pequenas cirurgias paliativas de apoio, por parte do Fed. Agora o perigo iminente de morte levou-os à intervenção total: foram estatizados. Para espanto geral, isso ocorre no coração do neoliberalismo.
A capacidade do Fed de socorrer instituições financeiras falidas, porém, não é infinita. Já se fala que a metade das suas reservas estão comprometidas com títulos podres. A situação vem se agravando e as principais fontes de receitas da instituição continuam as mesmas: o dinheiro dos contribuintes e a máquina de produzir dinheiro, ambos em situação precária. A desculpa apresentada é notável: o Fed está agindo para salvar o país e a economia mundial das conseqüências catastróficas que resultariam da falência do Freddie e da Fannie.
A situação é tão escandalosa que, na terça feira, dia 9, dois dias a seguir da semana objeto desta análise, a Senadora Ideli Salvati, líder do PT, apresentou na sessão ordinária do Senado uma “comunicação inadiável”, transmitida pela TV Senado. A Senadora, com razão, mostrou o jogo de dois pesos e duas medidas dos neoliberais, que criticam a intervenção do estado, quando é em defesa dos pobres, mas o utilizam descaradamente quando é para salvar capitalistas. Mas, no seu discurso, ela apontou o estouro do setor imobiliário dos EUA como o causador da crise financeira mundial. Tudo indicaque a sua assessoria econômica ainda não aprendeu o que significa crise cíclica de superprodução ou ciclo econômico e por isso não sabe que o fenômeno que assistimos representa a fase de crise do ciclo econômico mundial. O mercado imobiliário americano contribuiu apenas com o impulso inicial, a centelha que deflagrou a explosão.
Na Europa, a crise britânica vem se acentuando rapidamente, parecendo inevitável que o banco da Inglaterra venha a cortar sua taxa de juros já na próxima reunião. Alem disso, na zona do euro, as preocupações com a aceleração da inflação e o desaquecimento da atividade também continuam crescentes.
Neste ambiente, a Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aconselha os principais bancos centrais do mundo a manterem suas taxas básicas de juros nos níveis atuais. A decisão do Federal Reserve de deixar a sua taxa básica em 2% foi justificada pela expectativa de que o aperto no crédito e a provável desaceleração do crescimento econômico restrinjam a pressão inflacionária. O Banco Central Europeu (BCE) deve manter sua taxa básica em 4,5%, com o objetivo de restringir as pressões subjacentes nos preços, e o Banco Central do Japão foi aconselhado a manter a sua taxa em 0,5%, como uma proteção contra o perigo da inflação.
Diante deste quadro, felizes são o Brasil e o Banco Central (BC) que não precisam salvar nenhuma instituição financeira. Elas já estão salvas e blindadas contra as crises por antecipação devido à política do governo do Presidente Lula. Esta política, executada pelo BC, tem transformado o pais no paraíso dos bancos. No primeiro semestre deste ano, a rentabilidade dos bancos brasileiros foi de 21,7%, mais do dobro dos bancos americanos, que foi de 8,9%. Se considerarmos apenas os quatro maiores bancos no Brasil, ela é de 28,5%, quatro vezes maior que nos EUA (7,1%). Mas isto ainda não é o mais escandaloso. Em todo o período do governo Lula, de 2002 até junho de 2008 (cinco anos e meio), a rentabilidade dos bancos brasileiros saltou de 12,4% para 21,7%, enquanto nos EUA, para os bancos americanos, ela caiu de 15,7% para 9,9%. Com isto, o Brasil tornou-se um dos países com a maior concentração bancária do mundo.
Com efeito, a política de elevação da taxa de juros praticada pelo BC, que já nos tornou campeões mundiais (Selic a 13%) e o descontrole na entrada e saída de capitais têm provocado a supervalorização do real (com prejuízos para o setor exportador e para as indústrias), a queda acelerada dos saldos da balançacomercial (com o conseqüente agravamento da balança de transações correntes) além do aumento da dívida pública.
Em relação a esta, o governo se orgulha de ter conseguido ultrapassar a meta anual de 4,3% do PIB para o superávit primário apenas nos sete primeiros meses do ano, com a economia de R$ 98,225 bilhões, que já representa 6,01% do PIB. Mas, o resultado é desesperador. O custo do endividamento do país, em 2008, já atingiu R$ 106,8 bilhões (6,54% do PIB), constituindo um record histórico para o período, sendo 14,9% superior ao custo do mesmo período do ano passado. Todo o esforço não foi suficiente sequer para pagar os juros da dívida, restando um déficit de R$ 8,578 bilhões.
O panorama global atual sinaliza para recuos mais fortes no crescimento de diversas economias. Os que pensam que a economia mundial já chegou ao fundo do poço, e que a economia brasileira vai passar por essa crise ilesa estão redondamente enganados. Os sinais de que a crise ainda não acabou, e que aindanão chegamos ao fundo do poço estão claros nas notícias das ultimas semanas.
A atividade industrial brasileira deu sinal de arrefecimento em agosto, segundo o Índice Gerentes de Compras (PMI) divulgado pelo banco Real. “As expectativas de que a economia, tanto no Brasil, quanto no mundo, vai desacelerar já está refletindo na economia brasileira”, afirma o economista-chefe da instituição, Cristiano Souza. Para o ministro da Fazenda, Guido Mântega, a economia brasileira desacelera para um ritmo sustentável. Isso quer dizer que vamos continuar caindo, até atingir um ritmo sustentável? Ainda bem que não vamos desacelerar de forma “robusta”, senão o fundo do poço seria mais fundo ainda do que se prevê para a economia brasileira.
Para Mântega essa desaceleração da economia é resultado do aperto monetário que se iniciou em abril e que já começou a surtir efeito, levando a inflação para o centro da meta, 4,5%. Só esqueceu-se de dizer que também está levando o PIB para o fundo do poço.
Dois dos carros chefes do crescimento da economia brasileira dos últimos anos apresentaram resultados ruins no ultimo mês. A balança comercial fechou agosto com saldo de US$ 2,269 bilhões, ficando 35,9% abaixo do apurado em igual período do ano passado e 31,3% menor que o registrado no mês anterior. O arrefecimento foi causado pela queda no ritmo das exportações. O superávit da balançacomercial manteve a trajetória de queda no acumulado do ano, refletindo um ritmo de crescimento das importações mais rápido do que das expor tações, mesmo que ainda apresentem cifras recordes em decorrência do aumento dos preços, principalmente das commodities. E a indústria automobilística, emagosto, não registrou o crescimento vertiginoso de venda de veículos, verificado nos últimos meses. Para os especialistas do setor, o dado é uma confirmação de que o mercado vai desacelerar, crescendo num ritmo menor daqui para frente, principalmente em razão do aumento da carga de juros.
Assim, a política econômica do governo continua empurrando o país para a crise, destruindo a indústria nacional e servindo apenas para garantir a alta rentabilidade do sistema financeiro nacional e internacional, enquanto distribui algumas esmolas às camadas mais empobrecidas da população.


Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo
: Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Crise e política econômica

Semana de 25 a 31 de agosto de 2008

O noticiário da semana confirma todas as tendências de agravamento da crise. Ainda estamos longede atingir o fundo do poço, o que pode ser ilustrado com alguns exemplos.
Nos EUA, o número de demissões, nos sete primeiros meses do ano, atingiu o nível máximo dos últimos cinco anos. O número de demissões em massa (mais de 50 trabalhadores de uma só vez) foi o maior desde 2003, atingindo o total de 10.770. O setor financeiro debilita-se cada vez mais. Os lucros dos bancos e das instituições de poupança caíram 86% entre abril e junho. O poderoso Citigroup, o maior banco dos EUA, após fechar 14.000 postos de trabalho, começou a comprimir todas as suas despesas e anunciou baixas contábeis de US$ 55 bilhões. No mundo, as empresas do setor financeiro já eliminaram 101.250 postos de trabalho desde o início da crise. No setor industrial, a Toyota, segunda maior montadora do mundo, anunciou a redução de sua produção na Europa, Reino Unido, Polônia e EUA. Neste último, surgiu uma noticia surpreendente: no terceiro trimestre, a economia cresceu 3,3% em taxas anualizadas, superando as estimativas, que eram de 2,7%. É surpreendente, porque, na ata da reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) do Federal Reserve (Fed), banco central americano, justifica-se a manutenção da taxa básica de juros em 2% (apesar da ameaça de inflação) com o argumento de que a situação econômica continuará “abatida por vários trimestre” e que haverá “uma possível deterioração adicional das condições financeiras”. E logo veio a explicação: os analistas atribuem este crescimento ao dinheiro injetado na economia e ao aumento das exportações, impulsionado pela desvalorização do dólar. Na Alemanha, entretanto, a economia sofreu uma contração de 0,5% no segundo trimestre, e, segundo o economista do Lehman Brothers Londres, Máxime Alimi, “A deterioração das perspectivas da Alemanha não está dando qualquer sinal de estabilização”. Como bem diz Paulo Rabello de Castro, na Folha de São Paulo, a crise é mundial e prolongada. Até o onipotente FMI cambaleia, a ponto do ex-diretor geral, Rodrigo Rato, sugerir a venda do lastro de ouro da instituição, o que provocou protestos dos EUA e a afirmação de um político republicano de que o FMI era “uma instituição falida e irrelevante”.
No Brasil, embora os sintomas da desaceleração se tornem cada vez mais evidentes, como, por exemplo, a subida do desemprego em São Paulo, de 13,9% para 14.1%, entre junho e julho (segundo o Dieese), a economia ainda mantém uma defasagem em relação à situação mundial. No entanto, há algumaspreocupações no ar. Em relação ao superávit primário, o governo orgulha-se de ter ultrapassado a meta anual de 4,3% do PIB apenas nos sete primeiros meses do ano. A economia de R$ 98,225 bilhões já representa 6,01% do PIB. É a maior economia feita desde 1991, pois, embora as despesas tenham crescido 11,8%, as receitas cresceram 17%. Apesar de todo este esforço, o resultado é desesperador. O custo do endividamento do país em 2008 já atingiu R$ 106,8 bilhões (6,54% do PIB), constituindo um record histórico para o período, sendo 14,9% superior ao custo do mesmo período do ano passado. Todo o formidável esforço feito para o superávit primário não foi suficiente sequer para pagar os juros da dívida,restando um déficit de R$ 8,578 bilhões.
Mas, há outro dado a referir. Também em julho, as despesas com juros atingiram R$ 18,777 bilhões, um valor jamais registrado desde 1991. Apenas os títulos indexados à Selic geraram o pagamento de R$ 7,726 bilhões de juros, e o volume destes títulos voltou a crescer, já representando 60,9% da dívida líquida, quando em julho de 2007, era apenas 53%. Como se vê, o BC, toda vez que começa a aumentar a Selic, começa também a emitir mais papeis indexados a ela, o que provoca o aumento da dívida pública. Além disso, as taxas elevadas atraem, para o país, dólares especulativos, pressionando a taxa de câmbio para a valorização do real, o que contribui para facilitar as importações e dificultar as exportações.
O resultado imediato é a queda no saldo da balança comercial. No acumulado do ano, o saldo é de US$ 15,932 bilhões. O Banco Central (BC) estima que, para o ano todo, este saldo será de US$ 23,30 bilhões, contra US$ 40 bilhões no ano de 2007, uma queda de 16,75%. A estimativa do BC, no entanto, parece não levar em consideração a gravidade da crise mundial e a recente queda dos preços dascommodities que já provocaram, por exemplo, um déficit de US$ 840 milhões só na semana de 18 a 24 de agosto.
A tendência na redução do saldo da balança comercial, por sua vez, agrava o déficit nas transações correntes do país (soma do comércio, serviços e rendas), que, em julho, alcançou US$ 2,11 bilhões, o pior resultado para o mês de julho desde 1997. Com isto, o déficit aproxima-se perigosamente do patamar de US$ 21 bilhões, previsto pelo BC, para todo o ano de 2008. O BC afirma que este rombo é coberto pelos Investimentos Estrangeiros Diretos – IED, mas omite que estes investimentos estão em grande queda, pois, no acumulado do ano, até julho, entraram no Brasil US$ 19,9 bilhões, quando no mesmo período do ano passado, este montante foi de US$24,4 bilhões. Como se vê, por este ângulo, os horizontes estão um tanto nebulosos.
Há ainda uma outra consideração a fazer. A desigualdade na concorrência, com causas puramente cambiais, cria dificuldades no mercado interno e expulsa da lista dos exportadores um considerável número de empresas, levando algumas à falência. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que dois terços das empresas perderam mercado doméstico e metade das companhias ou perdeu posições nas exportações ou deixou de exportar definitivamente. Os produtos importados afetaram 37% das empresas brasileiras e apenas 38% delas conseguiu exportar. Aumenta a vulnerabilidade da indústria nacional, que vem perdendo força e importância, e sua participação no PIB cai. Além disso, a estrutura industrial vem sofrendo grandes modificações, centrando-se nos setores extrativos e secundarizando os de transformação. Isto pode ser observado no crescimento da Formação Bruta do Capital Fixo a partir de 2004. Em estudo feito pelo Iedi, verificou-se que, dos 27 setores observados, apenas oito são responsáveis por 70% dos investimentos, com destaque para a indústria extrativa. Outro estudo mostrou que a participação da indústria de transformação na oferta de emprego, que, em 1985, era de 30%, caiu para 19,4% em 2005, enquanto os setores ligados aos recursos naturais subiram, de 28%, para 32%.
Fica claro que a política econômica seguida pelo Governo Lula, sob o comando do H. Meirelles (e seus antecessores) no Banco Central, não visa preparar o país para enfrentar a crise, mas, a pretexto de combater a inflação, vem se constituindo em uma política de desindustrialização. Além disso, salta aos olhos uma outra dura realidade. A política monetária do governo, executada pelo BC, tem transformado o Brasil no paraíso dos bancos. No primeiro semestre deste ano, a rentabilidade dos bancos brasileiros foi de 21,7%, mais do dobro dos bancos americanos, que foi de 8,9%. Se considerarmos apenas os quatro maiores bancos, a situação é ainda mais grave. No Brasil, ela é de 28,5%, quatro vezes maior que nos EUA (7,1%). Mas isto ainda não é o mais escandaloso. Se tomarmos todo o período do governo Lula, de 2002 até junho de 2008 (cinco anos e meio), a rentabilidade dos bancos brasileiros saltou de 12,4% para 21,7%, enquanto nos EUA ela caiu de 15,7% para 9,9%.
Com isto, o Brasil tornou-se um dos países com a maior concentração bancária do mundo e não é sem fundamento que o deputado Delfim Neto afirma que a alta rentabilidade dos bancos se deve à política monetária adotada pelo país.
A conclusão a que chegamos é que a política econômica do governo empurra o país para a crise, destrói a indústria nacional e serve apenas para garantir a alta rentabilidade do sistema financeiro nacional e internacional, enquanto distribui algumas esmolas às camadas mais empobrecidas da população.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Nem São Tomé duvidaria!

Semana de 18 a 24 de agosto de 2008


Os mais recentes indicadores econômicos, de várias economias do mundo, jogaram por terra duas teses levantadas por analistas ingênuos ou mal intencionados: “a de que a economia mundial não está em recessão, estaria passando apenas por uma breve turbulência” e a de que “o atual descolamento das economias menos desenvolvidas, em relação às desenvolvidas, as imunizaria contra uma possível crise que o mundo desenvolvido viesse a sofrer”.
Cada vez mais, os dados sobre a economia mundial que são divulgados provam que estas duas teses não passam de mentiras. Não são os dados que estão errados, são as teses. No entanto, os ingênuos continuam a acreditar nelas e os mal intencionados procuram esconder a realidade e por isso insistem no discurso.
Não podemos negar que, mesmo lamentando o cenário negativo que marca os dias atuais, temos certa satisfação ao comprovar o rigor das nossas análises e a concretização das nossas previsões: a crise se aprofunda e estende-se a todos os paises.
Os resultados dos PIB´s de várias economias no segundo trimestre do ano (já mencionados no artigo da semana passada) alargaram o bloco dos que defendem que a recessão já está instaurada. Isto ocorreu porque, simplesmente, estes resultados foram catastróficos: entre as maiores economias do mundo, os Estados Unidos e o Japão sofreram retração de 0,6% e a Alemanha de 0,5%. A França e a Itália decresceram 0,3%. Em todos estes países, o mercado imobiliário está em crise, paralisando a construção civil, os bancos estão resistentes a emprestar e as pessoas a tomar empréstimo, o consumo interno e as exportações estão caindo (excetuando-se os EUA, que, ao desvalorizar sua moeda, exporta sua crise para os outros países). A produção e os postos de trabalho também diminuem, ou seja, uma típica e velha crise capitalista está em marcha. E, embora o estouro da bolha das commodities tenha freado a escalada da inflação mundial, as economias ainda amargam um quadro inflacionário com a queda no ritmo econômico.
O ex-economista chefe do FMI, Kenneth Rogoff, afirmou que o pior da crise está por vir e um dos
grandes bancos americanos está prestes a falir: “eu acredito que a crise financeira está, talvez, no meio do caminho. Eu chegaria até a dizer que o pior ainda está por vir... nós não veremos apenas bancos de médio porte afundando nos próximos meses, veremos um gigante, um dos grandes bancos de investimento ou dos grandes bancos”.
No Reino Unido, o diretor geral da Confederação da Indústria Britânica, Richard Lambert, em carta aos líderes empresariais, reconheceu que a federação de empregadores “havia sido consistentemente otimista demais com relação às perspectivas econômicas ao longo dos últimos 12 meses”.
Já o presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, destacou que a inflação fechará o ano em mais de 5% e que este percentual é mais de duas vezes a meta inflacionária em vigor. Ressaltou ainda que é possível que haja crescimento negativo por dois ou mais trimestres (veja como sua perspectiva acerca da crise é superficial. Para o professor Nouriel Roubini, da Stern School de Nova York, conhecido pelo elevado teor de pessimismo em suas previsões, “todas as economias do G7 parecem caminhar para recessões com aterrissagem dura”.
Conforme Roubini, a crise financeira, a compressão do crédito e da liquidez, o estouro das bolhas da habitação, a queda nas Bolsas de Valores, o fardo dos preços elevados do petróleo e das commodities, as conexões comerciais com os Estados Unidos, a força do euro e a incapacidade das autoridades econômicas de reagir (por medo de estimular ainda mais a inflação) funcionam como uma mistura venenosa que “empurrará a economia mundial – e não apenas a americana – a uma séria e prolongada recessão”.
Roubini falou ainda sobre a tese do descolamento e insistiu que o desastre nos países desenvolvidos porá fim à corrida dos capitais para o bloco chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), pois afetará as exportações destes países com impacto nas suas economias.
Com efeito, a queda na demanda por commodities, por parte das economias importadoras, está levando os países emergentes, inevitavelmente, para a crise. O dragão chinês e outras economias emergentes já dão sinais de desfalecimento. As fábricas chinesas tiveram queda nos pedidos em julho e as exportações ficaram praticamente estagnadas. O mercado de imóveis está enfraquecido e a desaceleração da China é apontada como um dos motivos para que os preços da gasolina e de vários metais (cobre, estanho, zinco e alumínio) estejam caindo, devido ao fechamento de grandes indústrias chinesas e a conseqüente queda no consumo de matérias-primas. Desmorona-se, assim, a falácia de que teria havido um descolamento das economias menos desenvolvidas, em relação às desenvolvidas.
Para o vice-presidente da Associação dos Exportadores Brasileiros, José Augusto de Castro, os dados não negam que as mais importantes economias do mundo estão desacelerando, o que deixa o Brasil numa situação muito complicada, pois, como a maioria importa commodities brasileiras, a queda do PIB deles repercutirá aqui através da redução das exportações, com o agravante de que os preços também estão em queda. Ou seja, o prejuízo será duplo, pois a perda será em volume e em preço. Para se ter uma idéia, 25% das exportações brasileiras vai para a União Européia e 65% deste total é constituído por commodities.
Este quadro pode ser ainda piorado, quando se leva em consideração o câmbio brasileiro, bastante valorizado, já que o real foi a moeda mundial que mais ganhou valor frente ao dólar nos últimos anos, o que prejudica a competitividade da indústria do país.
Assim, o país acelera sua marcha em direção à crise, e esta poderá ser muito pior aqui do que em outras economias graças à política do “Ilustre Senhor” Henrique Meirelles, que, empunhando o espantalho da inflação, voltou a elevar a taxa básica de juros, que já era a maior do mundo. Com isto, as medidas de política econômica tomadas estimulam cada vez mais a especulação e desestimulam a produção e, o nosso “honroso” presidente do BC, em visita aos Estados Unidos, ainda teve a coragem de discursar dizendo que a política que condena a economia brasileira à marcha lenta permanente (há mais de uma década) já está surtindo efeito sobre os preços. Parece que ele ainda não foi informado de que o estouro da bolha das commodities arrefeceu os preços no mundo inteiro, inclusive no Brasil.
E, enquanto o BC brasileiro eleva a taxa de juros básica para 13% ao ano, o BC japonês decide manter a sua em 0,5% ao ano, face ao quadro recessivo. O premiê Yasuo Fukuda definiu a situação econômica atual como “severa”.
Diante dos fatos e dos dados, nem São Tomé duvidaria que a calmaria e a bonança estão longe de fazer parte de um futuro próximo, a não ser que ele pertencesse a um daqueles dois grupos anteriormente citados, o dos ingênuos ou o dos mal intencionados.
Para concluir, uma pequena referência à atitude do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, no passado, marxista e defensor da classe proletária. Ele sugeriu ao presidente Lula que vetasse a lei, já aprovada no Congresso, que estende a licença-maternidade de 4 para 6 meses, alegando a pressão do setor produtivo (que vem se manifestando contra a prorrogação) e o impacto fiscal, que deve ultrapassar R$ 800 milhões por ano.
Quem te viu e quem te vê!

Texto escrito por:

Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br

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