sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Apenas uma reflexão...

Semana de 10 a 16 de novembro de 2008


É impressionante como a imprensa e os analistas, nos últimos meses e, mais intensamente, dias, têm dedicado suas atenções à atual crise que assola o sistema capitalista global e deixa o futuro cada vez mais nebuloso. De fato, a crise é grave! As perdas já são equivalentes àquelas da Grande Depressão. A única coisa que se sabe até o momento, de forma praticamente unânime, é que a crise é séria e que durará pelo menos dois anos; todo o resto é ainda um grande enigma a ser desvendado. A situação da China diante da crise, o novo desenho do sistema financeiro mundial, a hegemonia da moeda americana (forçando o mundo inteiro a financiar os Estados Unidos, quase de graça) são tidas como questões-chave para compreender os rumos do capitalismo durante e depois da crise.
De forma alguma se objetiva tirar a importância do fenômeno. De fato, esta crise está tomando proporções bem maiores que as últimas registradas. Contudo, existem questões mais complexas e sérias, que, diferentemente da crise, não consistem fenômenos transitórios, mas permanentes, e que sempre estão à margem dos debates e das preocupações.
Primeiramente, se podem destacar as complicações ambientais. Muitos ambientalistas têm ressaltado que a crise será boa e não ruim para o meio-ambiente, já que a desaceleração no ritmo de produção poupará o planeta de uma série de malefícios. Nicholas Georgecus-Rogen, denominado “pai da eco-economia”, enfatiza que a questão da crise é muito mais complexa do que se tem falado, isto porque, até o estouro da crise, a economia norte-americana vinha num ritmo de produção e consumo desenfreado, causando danos irreparáveis ao planeta e em nenhum momento isto foi considerado. Assim, superadas as dificuldades, tudo voltará a ser como antes! E o meio-ambiente? E o planeta?
De acordo com Nicholas: “se cada chinês, indiano ou brasileiro fosse viver como um americano precisaríamos de três planetas”. A presente citação deixa claro que o planeta não suporta mais o ritmo de acumulação capitalista; sendo assim, se os indivíduos não repensarem uma alternativa para produzir e distribuir a riqueza, será o meio-ambiente que determinará uma nova lógica de organização das forças produtivas em substituição ao modo capitalista. “Se não for por bem, será por mal!”
Em segundo lugar, a concentração de renda e a desigualdade social, são problemas ainda mais antigos (por isso crônicos), conseqüências da acumulação capitalista. Inúmeros são os dados que confirmam esta realidade considerada por muitos como sem importância. Dos aproximadamente 200 países do mundo, apenas 10% são considerados desenvolvidos, e, no interior do grupo desenvolvido, existem muitos pobres. Apenas 2% da população mundial detêm 50% da riqueza total e metade da população mundial (três bilhões de pessoas) ganha menos de dois dólares por dia. Embora a produção de alimentos seja maior em cada período, ainda morrem de fome milhares de pessoas.
No momento, acima de todos os dilemas ambientais e sociais, destacam-se como problemas mais
graves a queda no lucro das empresas ou os prejuízos obtidos, o risco de falência e a queda no ritmo de acumulação. Muito pouca ou quase nenhuma atenção é dada à situação dos trabalhadores que perderam e perderão seu emprego, ou seja, sua fonte de sobrevivência e de suas famílias. A questão do desemprego só vem à tona quando afeta negativamente o consumo.
O lamentável é que a grande preocupação atual é como superar a crise, mantendo, por sua vez, a
mesma lógica de antes. O capitalismo, há aproximadamente dois séculos e meio, organiza as relações econômicas e sociais conforme a sua lógica, em parte considerável das nações, à custa de um passivo social, e agora ambiental, impagável. Apesar de tudo isto, é ainda considerado como a melhor alternativa. Como se pode persistir num sistema econômico que necessita periodicamente de crises, guerras e/ou catástrofes climáticas para retomar sua lógica de acumulação?
O economista Thomas Malthus comparou o nascimento a um jogo de loteria ao argumentar que, ao nascer, é como se o indivíduo ganhasse um bilhete de loteria. A questão é que, segundo ele, algumas (a maioria das) pessoas tiram um bilhete em branco, mas isto não é culpa de ninguém, ou seja, conforme Malthus, ser “rico” ou “pobre” é questão de sorte. Infelizmente, é normalmente desta forma que as coisas são tratadas, de modo superficial, ideológico, a-científico. Enquanto isto, parte substancial da população mundial e o planeta pagam o preço para que muito poucos acumulem riqueza. Tão simples quanto isto!
Mas, à revelia de todos estes fatos, entre “sobes e desces”, o capitalismo segue em sua trajetória cíclica, atravessando neste momento mais uma fase recessiva, que, embora figure como acidente, é tão necessária e importante à sobrevivência do sistema, quanto a fase de auge. E, como em toda crise, as más notícias não cessam.
As vendas no comércio norte-americano tiveram, em outubro, a pior queda em 16 anos (recuaram 2,8% em relação a setembro, quando tinham caído 1,3%), e o volume de pessoas que recebem segurodesemprego foi o maior em 25 anos. Os gastos com consumo se retraíram 3,1% no terceiro trimestre. Como o consumo é responsável por 70% do PIB dos Estados Unidos, a queda nos gastos das famílias provocou retração de 0,3% no PIB no mesmo período.
Grandes redes varejistas têm sofrido queda expressiva nas vendas e nos lucros e só têm conseguido vender graças à diminuição nos preços.
A AIG (American International Group) anunciou prejuízo líquido de US$ 25 bilhões no terceiro trimestre. Este resultado levou o governo dos Estados Unidos a ampliar o socorro de US$ 85 bilhões já anunciado, para US$ 150 bilhões. O referido montante terá a seguinte composição: US$ 60 bilhões em empréstimo direto, US$ 40 bilhões em compra de ações preferenciais e US$ 52,5 bilhões em papéis vinculados a financiamentos de imóveis residenciais pertencentes ou garantidos pela AIG Financial Products, braço financeiro e principal responsável pelas perdas bilionárias da gigante do setor de seguros.
Acompanhando o resultado da AIG, a Fannie Mae (uma das maiores instituições de financiamento imobiliário dos Estados Unidos, estatizada recentemente) registrou um prejuízo líquido de US$ 29 bilhões no terceiro trimestre deste ano. O resultado diz respeito à maior perda do ano dentre todas as empresas listadas no Índice Standard & Poor´s 500.
Na era da globalização, as complicações não se limitam à economia dos Estados Unidos; pelo contrário, se espalham de forma extremamente rápida por toda a economia mundial, deixando empresas e governos em pânico.
A Alemanha já declarou que está em recessão. O critério para estabelecer um quadro recessivo consiste numa contração do PIB por dois trimestres consecutivos. E foi isto o que sucedeu com a economia alemã, que se retraiu 0,4% e 0,5% no segundo e terceiro trimestres recentes.
Na China, o governo anunciou um pacote de US$ 586 bilhões em investimentos, para os próximos dois anos. Os recursos serão empregados em projetos de infra-estrutura, inovação tecnológica e reconstrução das regiões atingidas pelos recentes terremotos. O objetivo do plano é sustentar o crescimento chinês, previsto para 9,5% neste ano e 8,5% no ano que vem; isto é, expansões inferiores a dois dígitos desde 2002 (verificar o que ela quis dizer aqui).
As preocupações aumentaram desde que pesquisas do governo mostraram a ameaça de forte queda na atividade da indústria de transformação, indicando grandes possibilidades de a desaceleração econômica ser bem mais significativa do que o previsto.
O Governo deixou bem claro que entre crescimento econômico e controle inflacionário, fará a opção pela manutenção da atividade econômica e do nível de emprego. O valor do pacote equivale a 7% do PIB chinês (estimado em US$ 3,5 trilhões), o que, em termos relativos, equivale a um volume bem maior que o pacote, inicialmente anunciado pelo Governo dos Estados Unidos, de US$ 700 bilhões, levando em consideração seu PIB de US$ 14 trilhões em 2007.
No Brasil, a idéia de que a crise iria passar despercebida já não existe. A escassez de crédito e a interrupção da produção já são fenômenos generalizados na economia do país. A montadora Renault deu férias coletivas e a GM e a Ford já deram férias coletivas duas vezes. A interrupção da produção na indústria automobilística levou a indústria de autopeças a também interromper parcialmente suas atividades, empregando o mesmo recurso das montadoras.
As perspectivas para o comércio exterior brasileiro também não são otimistas, tendo em vista que os principais compradores estão em dificuldades.
Esta crise tem gerado fenômenos curiosos, senão esdrúxulos. Um levantamento da Gazeta Mercantil mostrou que 21 ações da carteira do Ibovespa, de um total de 66, têm apresentado cotação inferior ao valor patrimonial por ação (medido pelo índice preço da ação/valor patrimonial ajustado). Isto significa que a empresa vale menos que seu patrimônio!
No ano passado, na mesma época, apenas dois papéis estavam nesta situação, ambos da estatal Eletrobrás, que enfrentava uma série de dificuldades e estava em processo de privatização (que na ocasião não se concretizou por não ter surgido nenhum comprador). O mais cômico é saber que na nova lista estão papéis que eram considerados, antes da crise, verdadeiros portos seguros para aplicação na Bolsa, como Gerdau, Usiminas, JBS e Vivo.
Não bastando os absurdos, o mais inédito diz respeito à recusa do FED de identificar os bancos que receberam quase US$ 2 trilhões em empréstimos emergenciais de dinheiro público e também os ativos podres (sem nenhum valor de mercado) que está aceitando como garantia. Não há mais dúvida acerca de quem possui o controle e a propriedade do dinheiro denominado de “público”. Além de emprestar, sem identificação, dinheiro do povo aos bancos, o custo deste é quase zero, tendo em vista que a taxa de juros dos Estados Unidos vem em trajetória decrescente desde o início da crise, estando atualmente em 1% ao ano.
Diante do exposto, o senhor Malthus diria aos indivíduos que têm sua importância resumida à força-de-trabalho que podem ofertar no mercado: Quem manda nascer com um bilhete de loteria em branco? Azar o seu!

Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br

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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

No Brasil a crise começou

Semana de 03 a 09 de novembro de 2008


“O horizonte econômico se obscureceu significativamente. A União Européia (UE) foi atingida pela crise financeira e isso está afetando a confiança das empresas e dos consumidores”. Estas são afirmações de Joaquín Almunia, Comissário para Assuntos Econômicos da UE. A Comissão Européia, órgão executivo da EU, divulgou dados mostrando que o PIB da Eurozona (15 países), no segundo trimestre de 2008, caiu 0,2% e cairá 0,1% no terceiro e no quarto trimestre. A crise financeira mundial está levando toda a UE para uma recessão. Na China, as coisas não são melhores. No mês passado, a atividade industrial sofreu a maior contração já registrada. Os 400 maiores milionários chineses perderam quase 40% de sua riqueza devido à queda de 50% a 60% nas bolsas do continente chinês e de Hong Kong. Nos EUA, que já acumulam uma dívida pública em torno dos US$ 10 trilhões e onde a confiança do consumidor atingiu o mais baixo nível desde 1978, os pedidos de falência chegaram a 108,5 mil em outubro, com um aumento de 13% em relação a setembro. As encomendas à indústria, que já haviam caído 4,3%, em setembro, em relação a agosto, voltaram a cair 2,5%, em outubro, em relação à setembro. O índice da atividade industrial americana atingiu o mais baixo nível em 26 anos. Entre as montadoras, as vendas da Ford caíram 30% só em outubro, depois de ter caído em 23 dos últimos 24 meses. A Daimler informou que as vendas da divisão Mercedes Benz Car, nos EUA, caíram 24%, também em outubro. A General Motors e a Chrysler, que esperam uma ajuda do governo para efetuarem a fusão, caminham para a maior queda da produção nos últimos 15 anos. O braço financeiro da General Motors, a GMAC, apresentou um prejuízo de US$ 2,52 bilhões no terceiro trimestre e sua unidade hipotecária Residential Capital (ResCap) pode entrar em colapso.
Por todo o mundo as grandes multinacionais sofrem com o avanço da crise. A Nissan anunciou a demissão de 3.500 empregados, em suas fábricas na Espanha, Japão e Estados Unidos, até dezembro. A Tenneco, maior fabricante de sistemas de exaustão, perdeu US$ 136 bilhões no terceiro trimestre, devido à queda nas vendas de automóveis. Segundo seu principal executivo, Greg Sherril, “a crise econômica global está tendo um severo impacto na indústria automotiva”. As gigantes da indústria de papel tiveram quedas nos lucros no terceiro trimestre, comparado com o mesmo período do ano passado. A chilena Arauco teve uma redução de 25,7% nos lucros, a americana MeadWest-vaco Corporation (MWV), de 55.3% e a Internacional Paper (IP) perdeu 31,3%. A Tata Motors, indiana que adquiriu os modelos Jaguar e Land Rover, está em dificuldade para cumprir os compromissos assumidos, vai rever seus planos de investimentos e, este ano, suas ações caíram 76%. A ArcelorMittal, maior fabricante de aço no mundo, anunciou uma redução de 30% na sua produção. Até as empresas de cartões de crédito apresentam prejuízos. A Mastercard anunciou que, entre janeiro e setembro deste ano, teve um prejuízo de US$ 493,3 milhões. No terceiro trimestre do ano, a empresa perdeu US$ 193,5 milhões.
A situação se agrava em toda a União Européia, e o presidente do Banco Central Europeu, Jean-
Calude Trichet, depois de reduzir as suas taxas básicas de juros para 3,25% com um corte de 0,5%, declarou:”A intensificação e ampliação da crise financeira deverá reduzir a demanda mundial e na zona do euro por um período bastante dilatado.”
“A retração da atividade econômica global produz efeitos negativos em todas as cadeias produtivas, atingindo com forte intensidade as matérias-primas da produção industrial, como minérios e metais.” Agora quem está com a palavra é a Vale em uma nota de esclarecimento divulgada nos maiores jornais do país, onde se auto-intitula a segunda maior mineradora e a maior produtora de minério de ferro do mundo. Na mesma nota, a Vale informou que dará férias coletivas aos seus trabalhadores, fará paradas de manutenção nos equipamentos e ajustes na produção para adequá-la às encomendas de seus clientes. Com efeito, o Índice Reuters/Jefferies CRB, que envolve 19 matérias primas, caiu 24% em outubro, a maior retração de pelo menos meio século. O preço do petróleo teve uma queda mensal recorde e o cobre teve o maior declínio dos últimos 20 anos. Em outubro, as commodities tiveram o pior mês desde 1956.
Como havíamos previsto, a crise cíclica de superprodução se agrava a nível internacional. A economia brasileira, por seu lado, acelera o passo para recuperar o tempo perdido e alcançar o resto do batalhão na marcha para a crise, apesar de todo o palavrório do presidente Lula e dos discursos encomendados de seus ministros.
O Grupo Gerdau, do setor de aços especiais, já anunciou o reajuste da sua produção para adequá-la ao novo nível da demanda. Na petroquímica, a Brasken divulgou um prejuízo contábil de R$ 849 milhões no terceiro trimestre, contra um lucro de R$ 132 milhões no mesmo período do ano anterior. Entre as montadoras, a Scania anunciou 30 dias de férias coletivas a seus trabalhadores, para adequar a produção à demanda, diante da suspensão das exportações para a África, Ásia, Oriente Médio e Europa. A Ford antecipou as férias coletivas da fábrica de caminhões de São Bernardo do Campo, da unidade de automóveis de Camaçarí (BA) e de motores e transmissões de Taubaté (SP). A GM também anunciou férias coletivas para as unidades de Gravataí (RS), São Caetano do Sul (SP), Mogi das Cruses e São José dos Campos, o que está gerando conflitos com os sindicatos. A Aracruz, do setor de papel e papelão, assumiu um prejuízo de US$ 2,1 bilhões, o que a coloca em uma difícil situação. A Empresa Brasileira de Aeronáutica – Embraer – apresentou prejuízo de R$ 48,4 milhões no terceiro trimestre deste ano. A média diária das exportações de produtos manufaturados, em outubro, caiu 14.1%, em relação à media do mês anterior. A Comgás, apesar de continuar lucrativa, registrou a queda 3,7% no consumo de gás industrial no último trimestre. Em todo o ano de 2008, o consumo foi 0,9% menor que no ano passado. Segundo dados da Associação Brasileira de Bancos (Anbid), R$ 11,38 bilhões, correspondentes às dívidas da indústria brasileira que vencerão nos próximos seis meses, no mercado interno, não encontram novos financiamentos diante da restrição do crédito.
Neste quadro adverso, a saída de capitais do país em outubro foi a pior desde 1999, o que, somado à queda do saldo da balança comercial, tem provocado a valorização do dólar e obrigado o BC a sucessivas intervenções no mercado. Desde setembro até agora, o BC já injetou US$ 40 bilhões no mercado, apenas para conter a valorização do dólar.
Parece que a “marola” virou um tsunami e, ninguém se iluda, nenhuma política econômica será capaz de impedir o agravamento da crise no Brasil.
Apesar disso, o presidente Lula, acreditando que o pior da crise já passou e que o impacto sofrido
pelo país não foi tão forte, afirmou: “Quem está apostando em crescimento muito baixo em 2009 pode quebrar a cara, os analistas que tomem cuidado.” Mas, por via das dúvidas, anunciou a criação de uma espécie de gabinete de crise e, embora negue a existência do “pacotão”, a cada dia são tomadas novas medidas para conter a crise. Anuncia-se agora mais uma liberação de R$ 19 bilhões para o Banco do Brasil e R$ 10 bilhões para que o BNDES apóie a oferta de crédito, em retração. O BC, por seu lado, disponibilizará mais US$ 2 bilhões para financiar as exportações. A proposta de orçamento para o próximo ano sofrerá uma revisão, prevendo uma redução da taxa de crescimento do PIB, de 4,5% para 3,7% ou 3,8%, segundo o ministro do planejamento, o que acarretará uma perda de R$ 15 bilhões na arrecadação. Até o orçamento do PAC está sofrendo um processo de revisão, segundo a ministra Dilma Roussef.
O processo continua e, como afirmou a Professora Maria da Conceição Tavares, “a solução da crise está muito remota”. (...) “Já foram destruídos dezenas de trilhões de dólares, de capital fictício”, mas (...) “o fenômeno especulativo desvairado obviamente não terminou”. “O caos ainda não produziu os efeitos devastadores definitivos, e o ano que vem vai ser muito ruim ainda.”
As palavras da Professora são precisamente as nossas, como os leitores já conhecem.
Só o privilegiado setor bancário continua a se dar bem. Depois da aplaudida fusão entre o Itaú e o
Unibanco, a Caixa, que tinha a obrigação de financiar atividades ligadas à população de baixa renda, como a aquisição da casa própria, comemorou a elevação dos seus lucros em 1.156% no terceiro trimestre do ano. Em contrapartida, o BNDES, que financia as empresas e os grandes grupos econômicos, teve uma queda de quase 30% nos seus lucros, graças às baixas taxas de juros praticadas. Dinheiro caro para os pobres e dinheiro barato para os ricos. Isto é que é governo popular!

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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sábado, 15 de novembro de 2008

Liquidez para quê ou para quem?

Semana de 27 de outubro a 02 de novembro de 2008

Mostramos, na semana passada, que a crise internacional passou a causar estragos na economia brasileira. Foram notícias sobre prejuízos financeiros das empresas, restrições ao crédito e diminuição dos investimentos para o próximo ano.
O governo brasileiro, através de alguns ministros, admitiu o contágio da crise externa, mas não abandonou o eufemismo em seus discursos, tentando amenizar a situação presente. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, por exemplo, uma parte do impacto da crise econômica no Brasil é “psicológica”. Para Paulo Bernardo, da pasta do Planejamento, “a crise deve ser cozinhada em forno brando, a intenção é ir juntando água quente para amolecer e, depois, fazer um almoço”.
Contrariando estas declarações, a queda nos preços das ações nas últimas semanas ocasionou turbulência no mercado financeiro nacional. Na Bovespa, um terço das ações foi negociado abaixo de seu valor patrimonial. Isso significa que, na Bolsa, a empresa vale menos que a soma de todos os seus ativos reais. As ações da Eletrobrás, com valor patrimonial de R$ 72,25, por exemplo, no dia 31 de outubro, foram cotadas por R$ 26, 25.
No terceiro trimestre deste ano, várias empresas apresentaram prejuízos em seus balanços. A Sadia registrou prejuízo líquido de R$ 777,4 milhões. A Perdigão, principal concorrente da Sadia, teve prejuízo de R$ 25,4 milhões. Já a NET, a Suzano Papel e a Aracruz amargaram prejuízos de R$ 63,9 milhões, R$ 293,1 milhões e R$ 1.657,7 milhões, respectivamente. Para os especialistas, as razões para as perdas financeiras no último trimestre foram a forte alta do dólar e as “operações exóticas com derivativos cambiais”. Conforme a Economática, os ganhos ou as perdas com a alta do dólar consumiram 48% do lucro trimestral das companhias.
O Banco Central do Brasil (Bacen), embora procurando esconder a gravidade da situação, desde setembro, tem utilizado um arsenal de ferramentas para conter a disparada do dólar e oferecer liquidez aos mercados. Foram feitos vários leilões de dólares, diminuiram-se os empréstimos compulsórios realizados pelos bancos e, no último 30 de outubro, o Banco Central anunciou que receberá 30 bilhões de dólares do Fed (Banco Central dos Estados Unidos) por meio da operação de troca (swap) de dólares por reais. O que ainda não se modificou foi a taxa Selic, mantida em 13,75% na reunião do Copom no final de outubro.
Apesar das injeções de liquidez do Bacen, pesquisas afirmam que os empresários brasileiros estão sofrendo com as restrições ao crédito. A situação é bastante preocupante para os produtores de grãos, por exemplo, pois, além das dificuldades para conseguir crédito, com o estouro da bolha das commodities, sofrem com a queda dos preços e da perspectiva de ganho. A tonelada do trigo, cotada a R$ 750 antes da crise, agora não consegue ser vendida acima de R$ 430. A Cooppermota, cooperativa agrícola do interior paulista, conta que a grande maioria dos agricultores que renegociaram as suas dívidas não teve créditoliberado pelas agências do Banco do Brasil.
Os bancos de médio e pequeno porte do país diminuíram as operações de crédito e, por conseguinte, estão reduzindo o quadro de pessoal. Já anunciaram demissões os bancos Daycoval, Pine e Indusval. O Banco Sofisa não realizou demissões, porém decidiu paralizar a concessão de crédito. A instituição pretende encerrar o ano com o volume de crédito semelhante ao mês de setembro. Conforme o seu vice-presidente, Gilberto Meiches, “não temos produzido nada para o varejo e estamos bastante seletivos nas operações com empresas.”
Os grandes bancos, Bradesco, Santander, Itaú e Unibanco, anteciparam a divulgação dos seus balanços trimestrais para mostrar que andam muito bem das pernas, apesar do alastramento da crise financeira. Entre julho e setembro, o Itaú obteve o lucro não-auditado de R$ 1,8 bilhão, e o Bradesco de R$ 1,91 bilhão. Contudo, os analistas indicam que os demonstrativos que foram anunciados são referentes até setembro, quando a crise ainda dava os primeiros passos no país.
Segundo a agência de rating norte-americana Moody´s, a tendência para os países da América Latina é de prolongamento da escassez nas linhas de crédito. A agência projeta um crescimento, para o PIB do Brasil, inferior a 3% em 2009, e ainda considera baixa a probabilidade de conceder o grau de investimento ao país. Para a Moody´s, a queda na avaliação do Brasil deve-se à piora no perfil da dívida, com aumento de papéis atrelados à Selic, além de outros problemas sistêmicos.
A Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação, pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas em outubro, mostra que 33% das empresas pesquisadas consideram alto o grau de exigência dos bancos para a concessão de crédito.
Com a redução dos planos de investimentos, para o próximo ano, a previsão é de queda no nível do emprego. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP – mostrou que, em um universo de 658 indústrias, 42% delas planejam cortes no quadro de trabalhadores. Irritado com a situação, Paulo Skaf,presidente da Fiesp, declarou que é necessário que o Banco Central pressione os grandes bancos públicos e privados a “parar de dormir em cima do dinheiro”. Skaf disse, em várias reuniões com o Bacen, que não adiantava tomar medidas se os recursos não fossem repassados às empresas. “Só que a paciência se esgotou diante do agravamento da situação. Neste momento, eu diria que os grandes bancos só estão ganhando com a crise”.
Assim, a liquidez na economia brasileira está sendo aumentada para quê ou para quem?
O governo mostra-se preocupado com o problema. A Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória (MP) 442, que dá poderes ao Banco Central para socorrer o mercado interno. Além disso, gerou-se uma polêmica no Congresso Nacional acerca da edição de outra MP, a 443, que permite a compra direta de outros bancos pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil sem licitação. Considerada pela oposição como “MP da madrugada”, já que os parlamentares só tomaram conhecimento da mesma depois de publicada no Diário Oficial, a oposição espera editá-la após a discussão sobre os prazos e os montantes das compras.
Nos Estados Unidos, nos países europeus e na Ásia a política monetária adotada para gerar liquidez é a redução da taxa de juros. O banco central norte-americano, Fed, decidiu cortar a taxa de juros em 0,5 ponto percentual, deixando-a em 1%, o menor patamar desde junho de 2004. Além disso, anunciou um corte de meio por cento na taxa de redesconto, baixando-a para 1,25% a.a. O governo da China, preocupado com o impacto da crise global sobre a economia, anunciou que a sua autoridade monetária vai realizar a terceira redução das taxas de juros em seis semanas.
O movimento de cortes foi repetido pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelos bancos do Japão, Inglaterra e da Noruega. A única exceção veio do BC da Islândia, que elevou em seis pontos percentuais a taxa de juros referencial, fixando-a em 18%. O sistema financeiro islandês entrou em colapso nas últimas semanas, forçando o governo a tomar o controle dos maiores bancos. A iniciativa de alta da taxa de juros tem o intuito de sustentar a moeda e, principalmente, oferecer aos investidores altos retornos por aplicarem seus recursos no sistema financeiro da ilha.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), diante da situação, foi acionado para dar assistência financeira à Islândia, como também aos países Belarus, Ucrânia e Hungria. Só a Hungria receberá do FMI, do Banco Mundial (Bird) e da União Européia 25 bilhões de dólares. Os próximos candidatos a receber algum tipo de ajuda financeira são Romênia, Letônia, Bulgária e Eslováquia.
O que se verifica é que a crise apresenta-se como uma onda que vai atingindo outras nações a cada semana. Conforme a Reuters, governos ao redor do mundo já se comprometeram em injetar nas instituições financeiras quatro trilhões de dólares, para amenizar os efeitos da (já considerada) pior crise financeira dos últimos 80 anos.

Texto escrito por:
Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. progeb@ccsa.ufpb.br

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terça-feira, 4 de novembro de 2008

Quem realmente explica a crise?

Semana de 20 a 26 de outubro de 2008


Apesar de todas as desculpas, as repercussões da crise internacional, na economia brasileira, são cada vez mais evidentes. A indústria de ferro-gusa em Minas Gerais desligou grande parte dos seus mais de 140 fornos que estavam em atividade, colocou 11 mil funcionários em férias coletivas e provocou demissões de cerca de 700 trabalhadores no município de Sete Lagoas. As duas principais montadoras instaladas no Paraná – a Volkswagen e a Renault - estão adotando medidas de restrição da produção para enfrentar a redução nas vendas, começando pelas férias coletivas, solução já adotada pela General Motors do Brasil, para ajustar os estoques. Já nos Estados Unidos, a GM resolveu antecipar em dois anos o fim das suas atividades em uma de suas fabricas. Os efeitos da crise afetam toda a cadeia produtiva do setor automobilístico. A Valeo, uma das principais fornecedoras de componentes para a indústria automobilística, que gasta cerca de R$ 700 milhões por ano com compras de materiais produtivos de 350 fornecedores globais, pediu para que todos se preparem para uma fase de menor volume de produção.
No Brasil, a Aurora, produtora de carne de frango, suspendeu investimentos de R$ 490 milhões em virtude das incertezas da crise global. Segundo a empresa, os bancos estão com os financiamentos engessados e as exportações de carne estão praticamente paradas. Por motivos semelhantes, os fabricantes de móveis do Rio Grande do Sul, que atuam fortemente no mercado externo, estão reduzindo o ritmo de produção e o número de empregados para compensar a falta de pedidos das ultimas três semanas.
As mesmas companhias de papel e celulose que, ha três meses, anunciaram investimentos que somava US$ 16 bilhões até 2015, agora voltam atrás e já revêem todas as suas posições. A Aracruz divulgou um prejuízo líquido de R$ 1,6 bilhão no terceiro trimestre deste ano, ante o lucro líquido de R$ 260 milhões no ano passado. A Votorantim Celulose e Papel admitiu perdas de R$ 585 milhões no terceiro trimestre de 2008, ante o lucro de R$ 278 milhões registrado em igual período do ano passado.
Tentando amenizar a situação, o governo brasileiro acena com empréstimos para empresas que perderam dinheiro em apostas com derivativos, depois da maior queda do real já registrada em quase uma década. O governo também promete ampliar a oferta de crédito em R$ 5,5 bilhões, para a agricultura e a construção civil, para compensar a escassez de crédito internacional que afeta estes dois setores. E, através de medida provisória, na tentativa de melhorar a liquidez, autorizou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica a estatizarem empresas, pela compra parcial ou total, de outras instituições financeiras, fundos de pensão e empresas de capitalização e de securitização.
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, apresentou a primeira parte da fatura, já paga pelos brasileiros, para estancar a crise: US$ 22,9 bilhões, na tentativa de segurar a alta do dólar e manter irrigadas as linhas de crédito para o comércio. “Estamos diante de uma crise internacional muito forte, provavelmente a mais forte que nossa geração pôde vivenciar que, do ponto de vista de sua repercussão, de sua intensidade, só pode ser comparada à crise de 1929”, disse Mantega a Câmara dos Deputados. E como de costume, cuidou de amenizar a sua declaração: “Não acredito que essa crise esteja acabando. Estamos diante de uma crise de longa duração, mas a fase aguda foi superada.”
Não confiantes nesta superação, a Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima) e a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), duas das principais entidades de representação das instituições atuantes no mercado financeiro e de capitais brasileiro, por precaução, já anunciaram, na sexta-feira, a possibilidade de fusão de algumas das suas atividades, para melhor atuar diante da crise.
Outro fantasma que assombra a economia brasileira e que, segundo o governo, teria chegado ao fim, é a dívida externa. Utilizado como parâmetro para avaliar a aversão ao risco dos ativos brasileiros no mercado externo, o premio de risco-Brasil, medido pelo Credit Default Swap (CDS), dos papéis da divida externa brasileira de vencimento em cinco anos passou a ser divulgado diariamente. Desde setembro, com o agravamento da crise, o premio do risco-Brasil medido por este indicador apresentou um aumento de 153,81%.
No cenário internacional, as noticias também não são animadoras. A Northwest Airline divulgou um prejuízo no terceiro trimestre de US$ 317 milhões e está sendo adquirida pela Delta Air Lines. A UAL, controladora da United Airlines, informou prejuízo no terceiro trimestre de US$ 779 milhões. A General Motors, tentando levantar dinheiro, à medida que o colapso das vendas nos Estados Unidos aumenta as perdas, disse que pode vender sua fabrica voltada à substituição de peças, a ACDelco. A montadora japonesa Nissan Motor informou ontem que reduziu a produção em fabricas no Japão, Grã-Bretanha e Espanha em resposta a queda da demanda. A multinacional sueca Electrolux reduziu a força de trabalho nas fabricas de Motala e Mariestad, na Suécia, em virtude do desaquecimento do mercado. A Alpargatas do Uruguai suspendeu 98 funcionários. A decisão foi tomada após empresas argentinas comunicarem o cancelamento das compras da Alpargatas, pelo resto do ano, devido à queda nas vendas. A InBev, a cervejaria belgo-brasileira, cujo maior mercado é a América Latina, teve a maior queda desde 2001, na bolsa de Bruxelas, devido à preocupação de que a crise financeira, na Argentina, e uma moeda mais fraca, no Brasil, possam prejudicar os lucros.
Esse movimento de queda que tomou conta do mercado financeiro derrubou também as cotações
das principais commodities na Bolsa de Chicago (CBOT). Sem entender bem que se trata de especulação, o analista da AgRural, Benedito Oliveira comenta: “Não há motivo para tanta queda. A comida é o ultimo produto que o consumidor corta do orçamento. Essa volatilidade indica que os preços das commodities estão deslocados da questão de oferta e demanda mundial”.
Para piorar ainda mais as previsões, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alertou que a atual crise irá gerar 20 milhões de novos desempregados no mundo até o final de 2009, revertendo anos de avanço na área social e agravando a pobreza e a desigualdade. A OIT prevê demissões em massa diante da desaceleração das principais economias do mundo, como Estado Unidos, Europa e Japão. “Passaremos de 190 milhões de pessoas sem trabalho, no início de 2008, para cerca de 210 milhões. Essa é a primeira vez que a humanidade atinge essa marca”, afirmou um diretor da Organização.
Mas, nem todos perdem com a crise. Enquanto muitos tentam fugir das bolsas, o Megainvestidor
americano Warren Buffet está comprando ações norte-americanas. “Uma regra simples dita minhas compras: seja prudente quando os outros são vorazes e seja voraz quando os outros são prudentes.” Buffet reconheceu que as notícias econômicas são ruins, com o mundo financeiro numa confusão, desemprego em alta e atividade empresarial em queda. “O que é provável, no entanto, é que o mercado irá subir, talvez substancialmente, bem antes que a confiança ou a economia se recuperem.” Principalmente porque é de interesse dele que isso ocorra logo, e como se trata de um mercado onde reina a especulação, o que ele diz vira regra e pode realmente alavancar os preços de algumas ações.
Já outro mega investidor, Kirk Kerkorian, vendeu parte de sua participação na Ford Motor e pode vender suas ações remanescentes, demonstrando a falta de confiança na doente indústria de automóveis americana. Para o pequeno investidor, fica a duvida. Em quem acreditar? Só lhe resta cumprir o seu papel de bobo da corte e financiador de grandes fortunas comprando uma ilusão de grandes ganhos em curto espaço de tempo.
Na busca por respostas para a crise da economia mundial, os livros de Karl Marx voltaram à moda. Nunca se venderam tantas obras, afirma Jorn Schütrumpf, editor alemão especializado em literatura comunista. Em busca das verdadeiras respostas, os livros de Marx voltam a ser comprados. No momento em que o mundo está á beira da recessão, Schütrumpf diz que “uma sociedade que demonstra novamente a necessidade de ler Karl Marx é uma sociedade que se sente mal.” Isso porque a verdade dói.
Enquanto se especula na busca por uma explicação, a elevação da taxa de suicídios, nos Estados Unidos, mostra o agravamento da crise. Segundo um estudo divulgado, pela primeira vez, em 10 anos, a taxa está em alta, e os responsáveis por este aumento são as pessoas brancas de 40 a 64 anos, principalmente mulheres.

Texto escrito por:
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo: Professora do Departamento de Economia da UFPB e Pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. progeb@ccsa.ufpb.br

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