quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Não dá para ficar de fora da crise

Semana de 12 a 18 de janeiro de 2009

No decorrer dos primeiros dias do ano de 2009 foram divulgados dados econômicos sobre as manifestações da crise que, a partir dos países ricos, passaram a se apresentar no território brasileiro. São informações sobre demissão de trabalhadores, fechamento de empresas, queda da produção e das vendas, fatos que começaram a ocupar as agendas dos governantes, empresários e trabalhadores.
Uma pesquisa realizada pelo IBGE no comércio varejista brasileiro afirma que houve queda nas vendas, no último trimestre de 2008, especialmente em outubro e novembro (após ajustes sazonais). Os setores que mais reduziram suas vendas estão ligados ao crédito, como Móveis e eletrodomésticos e Equipamentos de informática, com quedas de 3,3% e 9,8%, sobre outubro, respectivamente. No segmento de veículos e motos, as vendas caíram 20,3%, em comparação a novembro de 2007.
No final do ano verificou-se queda na produtividade industrial. Até setembro de 2008, a taxa acumulada da produtividade chegou quase a 4%, e depois diminuiu para 3,2%, em outubro, e 2,5%, em novembro, conforme cálculos da consultora Tendências. Diante disso, os analistas consideram que, nos próximos meses, além da diminuição da demanda e dos investimentos haverá aumento da taxa de desemprego.
Para o economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), Rogério César de Souza, os impactos da redução da produção industrial, sobre o emprego, devem aparecer mais intensamente nos primeiros meses de 2009. “A desaceleração já estava em curso antes da crise. O que agora preocupa é o sinal”, completa Rogério.
Já ocorreram demissões em torno de 4,5 mil postos de trabalho na Zona Franca de Manaus, no ano passado, e algumas empresas desse pólo esticaram as férias coletivas e outras negociam redução de jornada. No setor automobilístico, a General Motors do Brasil anunciou dispensa de 744 funcionários na unidade de São José dos Campos (SP), em 13 de janeiro último.
Com o fim das férias coletivas dos empregados ligados às montadoras de carros, houve início das negociações entre as entidades trabalhistas e o empresariado, no intuito de procurar propostas alternativas para evitar demissões. As entidades Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical defendem o aumento da concessão de férias coletivas ou a redução do número de horas trabalhadas; mas divergem entre si quanto as hipóteses de cortes salariais e da suspensão temporária dos contratos de trabalho, opções colocadas pelas entidades patronais, como a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).
O que aparece como unanimidade entre todas as representações, citadas no parágrafo anterior, é a opinião sobre a redução da taxa básica de juros, a Selic. Na reunião com o presidente Lula, no dia 19 de janeiro, os representantes das principais centrais sindicais pediram uma redução de dois pontos percentuais na taxa Selic, atualmente em 13,75% anual. Para Paulo Skaf, presidente da Fiesp, “se a taxa de juros não baixar, parte da culpa do desemprego será do governo”.
Com a divulgação dos principais índices de inflação, como o IPCA (Índice Nacional ao Consumidor Amplo), o qual ficou, em dezembro, em 5,9%, dentro do intervalo da meta do governo, especialistas concordam que não há motivos para que a taxa Selic continue no atual nível. Dentre os principais motivos para a desaceleração dos índices de inflação estão as quedas da atividade econômica e do preço das commodities.
Acuado por todos os lados, o presidente do Banco Central, Henrique Meireles, tenta justificar a política de juros altos ao afirmar em dias anteriores: “A política monetária adotada pelo Banco Central é adequada para preservar o poder de compra da população e a manutenção do ganho real dos salários. Estes são os principais dividendos da estabilidade”.
Enquanto isso, e para agravar a situação, a fuga de divisas do país, nos primeiros seis dias úteis de 2009, atingiu a cifra de US$ 353 milhões. Tal saída foi intensificada pela crise internacional, em um movimento de migração de dinheiro do Brasil para cobrir buracos no caixa das empresas, no exterior.
No dia 21 de janeiro, o Comitê de Política Monetária (Copom) finalmente decidiu reduzir a taxa Selic em um ponto porcentual, para 12,75% ao ano, após uma semana de especulações por vários setores da sociedade. A última redução do juro de pelo menos um ponto porcentual aconteceu há mais de cinco anos, em dezembro de 2003, quando a taxa Selic caiu de 17,5%, para 16,5%.
Com relação às demais economias, o Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou, na última quinzena, que o panorama econômico mundial, para 2009, é “triste”. O Fundo informou também que poderá precisar de outros 150 bilhões de dólares para ajudar os mercados emergentes e nações mais pobres a lidar com os efeitos ocasionados pelo agravamento da crise econômica.
Ao mesmo tempo, o governo da Alemanha apresentou seu primeiro pacote de estímulo econômico com um orçamento de 50 bilhões de dólares. A Alemanha obteve, em 2008, o menor crescimento econômico, em três anos, puxado pela forte desaceleração das exportações. Analistas concordam que o país deve passar pela pior recessão desde o pós-guerra.
O plano prevê investimentos, corte de impostos (como forma de incentivar compras de carros novos), formação de um fundo de garantias para as empresas com problemas, e um prêmio de 100 euros, por filho, para as famílias.
O mau resultado da Alemanha fez com que a China se tornasse a terceira maior economia do mundo, pois, enquanto o país europeu cresceu 1,3%, a China expandiu seu produto em 2,5%, após correção de cálculos do governo chinês. Além de ser a nação que mais contribui para o crescimento mundial, a China é a maior compradora de títulos do Tesouro norte-americano, ao deter 652,9 bilhões de dólares desses papéis.
Contudo, a China também sente as pressões da atual conjuntura econômica. Houve queda das exportações chinesas, em dezembro, por causa da redução na demanda externa por produtos eletrônicos, brinquedos, roupas e aço. A importação também caiu, cerca de 21,3%, como resultado da menor procura por matérias-primas usadas na indústria de transformação. As conseqüências de tais fatos são demissões nas fábricas, protestos, taxa de desemprego urbano chegando a 9% e queda de investimentos estrangeiros.
Para contornar a situação, o governo chinês prepara um pacote de ajuda para proteger suas indústrias siderúrgica e automobilística. As propostas incluem redução ou isenção de tributos sobre a compra de carros, e assistência de 585 milhões de dólares para os setores industriais.
Não apenas as grandes economias, como as dos Estados Unidos, da China e da Alemanha, formularam planos de ajuda financeira. Países importantes como Rússia e França, seguidos por outras nações, como Argentina, Equador e Indonésia, também planejam seus “pacotes”. O que há em comum entre estes planos são as medidas protecionistas. Para a Organização Mundial do Comércio (OMC) a recessão deverá gerar uma reação protecionista, o que ameaça a recuperação da economia mundial. Tal como afirmamos na análise da semana passada, com a intervenção estatal de tipo keynesiana introduzida no cenário, a dúvida que continua a pairar é quanto à forma que ela assumirá.

Texto escrito por:
Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda de Economia e pesquisadora do Progeb.
progeb@ccsa.ufpb.br

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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O regresso a Keynes

Semana de 05 a 11 de janeiro de 2009

A crise, que vem fustigando a economia mundial, com manifestações específicas em cada região do globo, conforme o ritmo e graus de desenvolvimento de cada economia local, ou até mesmo nacional, parece ainda longe do fim.
Nos Estados Unidos, todos aguardam um pacote de estímulos, não inferior a US$ 1 trilhão, que virá com a administração Obama. Ali, a situação caracteriza-se pelas dificuldades de negócio e principalmente pelo crescimento assustador da taxa de desemprego. Somente em dezembro último, detetou-se um corte de 524 mil postos de trabalho, o que elevou a taxa oficial de desemprego para 7,6%, o pior índice em 16 anos. Durante todo o ano de 2008, 2,6 milhões de empregos desapareceram, sendo que 73% deles aconteceu nos quatro últimos meses. O crescimento do desemprego é mais acentuado para trabalhadores latinos. Esse foi o pior resultado anual de desemprego desde 1945.
Todos os setores têm sido atingidos e esse fenômeno não é uma exclusividade americana, mas tem sido comum a todas as economias nacionais, tais como China, India, e as economias europeias, onde as preocupações dos empresários e dos consumidores parecem convergir, pois cresce a taxa de desemprego, que, em novembro último, atingiu os 7,8%.
Ainda nos EUA, o New York Times divulgou que as siderúrgicas aguardam o pacote salvador de Obama. Esse segmento, que entrou em crise no melhor de sua saúde, passou a ser o melhor indicador da evolução da recessão. A produção do aço despencou 50%, desde Setembro. Ou seja, de 2,1 milhões de toneladas por semana, em 30 de Agosto, para 1,02 toneladas por semana, no fim de Dezembro.
Na Áustria, a notícia em destaque foi o controle do Bank Medici, em Viena, pelo órgão regulador da economia das instituições financeiras do país.
Na China, o grupo Lenovo, quarto maior produtor mundial de computadores pessoais, planeja demitir funcionários no centro de operações, em Pequim. A perspectiva da Dell e Lenovo são semelhantes. A Dell, segunda maior produtora mundial de computadores, planeja cortar entre 1,9 e 3 mil postos de trabalho.
Os indianos falam em 10 milhões de demissões e no Chile é anunciado um plano de ajuda financeira de US$ 4 bilhões.
Na Europa, o industrial alemão, Adolf Merckle, endividado, suicida-se.
Economistas, em geral, mesmo aqueles que custaram a admitir a possibilidade de uma crise do sistema mundial capitalista, dividem-se apenas quanto a longevidade do fenômeno. Uns, como Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York, que foi dos primeiros americanos a anunciar o desastre da economia de mercado, em 2008, em recente comentário na Bloomberg News, prevê “uma retração profunda e prolongada que vai durar pelo menos até o final de 2009” com uma fraca recuperação, em 2010. Alguns otimistas, no entanto, julgam e difundem a idéia de que se os dominós caírem corretamente, o fundo do poço aproxima-se com mais velocidade e a economia entrará em recuperação, até julho deste ano. Num caso, ou no outro, todos esperam a intervenção do Estado para que a economia encontre um novo ponto de equilíbrio, que, espontaneamente, nunca seria alcançado ou somente o seria, através de um processo lento e doloroso para as populações.
Um pouco por todos os quadrantes do globo apresenta-se o mesmo enredo, muito embora com cenários diferentes, como não podia deixar de ser.
Assistimos o desenrolar de uma crise de superprodução, nada que teoricamente não se conheça e que na adulta vida do capitalismo já não se tenha manifestado anteriormente. No Brasil, no setor exportador, enfrentam-se dificuldades, que prometem ser agravadas em 2009, em consequência da queda da demanda mundial. Lembrem-se que o saldo da Balança Comercial sofreu um duro recuo de 38,2% apresentando um saldo de US$24,735 bilhões. Para 2009, segundo a visão da Associação dos Exportadores do Brasil, pela voz do seu Vice-Presidente, José Augusto de Castro, os embarques brasileiros vão conhecer uma queda no volume de exportações de US$ 29 bilhões com relação a 2008. A CONAB, por sua vez, prevê uma safra 4,9% menor do que em 2007/08. Em um cenário otimista, a produção brasileira de grãos será de 140,2 milhões de toneladas e, em cenário pessimista, 137 milhões de toneladas. Na Bolsa de Valores, o valor de mercado de 45 empresas brasileiras recuou mais de 80%. Segundo dados divulgados, o mercado interno teve um crescimento muito aquém do esperado. O setor de alimentos, que tinha expectativas de crescimento de 4% inicialmente apresentou um crescimento das vendas da ordem dos 1,4% a 2%. Quanto ao mercado de trabalho, por maior que seja a consciência da nação, o desemprego persiste e cresce. O setor financeiro, respondendo aos estímulos e as imposições do soberano mercado, centraliza-se, concentra-se, ao mesmo tempo em que, através dos financiamentos da crise, arranca lucros inimagináveis. As fusões e aquisições seguem o seu rumo inevitável, Nessa semana que passou, o Banco do Brasil anunciou oficialmente (sexta feira, 09.01.09) a compra de 49,99% do capital, com direito a voto, do Banco Votorantim, por R$ 4,2 bilhões. O Banco não foi estatizado por diferença de 0,02% nas ações. Esse foi apenas mais um passo no caminho da concentração desse mercado, que no momento já se apresenta de tal forma, que os dez maiores bancos do país respondem por 94% das 18,9 mil agências bancárias existentes. Se considerarmos, apenas os cinco maiores bancos, a concentração chega a 90,1%, contra 57,4% das agências, em 1999.
Mesmo com um quarto trimestre muito fraco para os negócios, em geral, o Brasil apresentou um novo recorde do volume de fusões e aquisições, cujo volume somou os US$ 95,34 bilhões, 62,25% mais do que o volume apresentado em 2007. O desempenho foi oposto aos resultados somados no mundo, onde foi observada uma retração de 29,2% no ano.
Entretanto, o valor de mercado de 45 empresas brasileiras recuou mais de 80%. A superprodução atinge vários setores. Dados do desempenho da indústria brasileira, de acordo com a Pesquisa da Industrial Mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dão conta da quebra física da indústria nacional em Novembro com relação a Outubro, de 5,2% e uma retração de 7,9%, entre Setembro e Novembro. A previsão para 2009 é de que o setor de alimentos vai ser muito afetado.
O desemprego no Brasil é cada vez mais preocupante. Somente a Renault suspendeu, na semana em análise, o contrato de 1000 metalúrgicos, durante cinco meses, e a Philips anunciou medida semelhante, ambas empresas protegidas por uma base legal, garantida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT artigo 476). Com a preocupação de evitar cortes a Força Sindical reuniu-se com a Fiesp, aceitando negociar redução de salários.
Espera-se algumas medidas de intervenção econômica, principalmente mudanças na política financeira. O mercado espera queda na taxa de juro como resultado da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que se deve realizar entre 22 e 23 desse mês. O Ministro Guido Mantega já afirmou, que o recuo da inflação abre espaço para um corte na taxa de juro e até o presidente da Febraban apelou para que a redução desta taxa seja efetivada mais rapidamente, sugerindo inclusive a antecipação da reunião do Copom.
Com esse quadro típico de uma crise cíclica de superprodução, as atenções voltam-se para a personagem principal: a crise. O grande centro emissor de idéias, os Estados Unidos da América, vai dando o mote e as economias em todos os cantões do mundo, vão introduzindo um outro modo de pensar e de agir. Com o Brasil não acontece diferente e, dessa forma, abrem-se as cortinas para a entrada triunfal do keynesianismo, na passarela. A intervenção keynesiana, aclamada de pé, é introduzida na cena, a política econômica avança e está expulsando dos governos, oficialmente, o Consenso de Washington, sem protestos e sem argumentos contrários.
A discussão passa a outro plano. Não se discute liberalismo versos intervencionismos, mas somente o “como intervir”.

Texto escrito por:
Elivan G. Rosas Ribeiro: Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb .
progeb@ccsa.ufpb.br.

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A Crise Econômica e o Mundo do Trabalho

Semana de 29 dezembro de 2008 a 04 de janeiro de 2009

A redução do nível de atividade econômica mundial, a restrição ao crédito e o colapso do sistema financeiro internacional, estão afetando de maneira significativa o rendimento dos trabalhadores e o emprego. No final do ano passado, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou um relatório sobre a “Desigualdade de Rendimentos na Era da Globalização”, com dados reveladores sobre o atual mundo do trabalho. Segundo o Relatório, em 51 dos 73 países pesquisados, a proporção dos salários, como parte total dos rendimentos, diminuiu, nas últimas duas décadas. A maior redução foi registrada na América Latina e no Caribe (-13%), seguida da Ásia e Pacífico (-10%) e das Economias Avançadas (-9%). Durante o mesmo período, verificou-se também que a diferença entre os 10% dos assalariados, com rendimentos mais altos e os 10%, com rendimentos mais baixos, aumentou em 70%. Somente para se ter uma idéia, em 2007, os diretores executivos das 15 maiores empresas dos Estados Unidos receberam salários 500 vezes superiores ao do trabalhador médio norte-americano, quando esta diferença, em 2003, era de 300 vezes.
Essa desigualdade entre os rendimentos é fruto da atual organização institucional das grandes corporações que dominam a economia mundial em diversos setores. Tal sistema permite que os altos executivos disponham de uma posição de negociação privilegiada dentro da empresa, enquanto que os operários de chão de fábrica ficam em uma posição debilitada, com muito pouca, ou quase nenhuma capacidade de negociação, mesmo estando organizados em sindicatos. O mesmo Relatório da OIT mostra que houve uma considerável diminuição da sindicalização, nas últimas duas décadas. Entre 1989 e 2005, a densidade de sindicados diminuiu nos 51 países pesquisados, com exceção de sete deles: Brasil, China, Hong Kong, Índia, Paraguai, Singapura e Espanha, nos quais houve um aumento no número de sindicatos. Fato que já era de se esperar, pois, excluindo a Espanha, todos os outros são países ditos emergentes, onde os trabalhadores ainda estão se organizando institucionalmente para efetuar negociações coletivas. Na Europa Central e nos demais países europeus, a densidade de sindicatos foi drasticamente reduzida. Em alguns países da antiga Europa de Leste, como República Tcheca, Estônia, Hungria, Letônia e Lituânia, onde, nos anos do regime socialista, havia quase 100% de filiação dos trabalhadores a algum sindicato a redução foi de mais de 50%.
Assim, várias das conquistas históricas dos trabalhadores, concretizadas em uma série de direitos trabalhistas, estão sendo simplesmente varridas do ambiente de trabalho. Um caso ilustrativo disto foi o dagrande fabricante mundial de computadores, a Dell, que, em meio à crise, “pediu” aos seus funcionários, coagidos pelo fantasma do desemprego, para tirarem cinco dias de licença não remunerada.
Desde o início da crise econômica, milhões de trabalhadores já foram demitidos pelos bancos e multinacionais do mundo inteiro. Só no Reino Unido 1,8 milhões perderam o seu trabalho, em 2008, e atualmente o governo inglês é obrigado a pagar pensões a mais de 980 mil pessoas. Nos Estados Unidos, foi eliminado 1,2 milhão de postos de trabalho, entre janeiro e novembro, e na China o número de desempregados já chega a 4% da população economicamente ativa, um nível que é considerado como crítico pelo Ministério de Recursos Humanos e Estabilidade Social do país. E o número absoluto de desempregados é provavelmente ainda maior, pois os trabalhadores imigrantes não foram computados na estatística, embora representem mais de 200 milhões de pessoas.
A OIT prevê ainda que cerca de 20 milhões de trabalhadores poderão se somar às filas do desemprego mundial, como conseqüência da crise. “Necessitamos de ações governamentais rápidas e coordenadas para evitar uma crise social que poderá ser grave, duradoura e global”, declarou Juan Somavia, diretor geral da Organização. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que o número de trabalhadores desempregados no planeta, passará, de 190 milhões, em 2007, para 210 milhões, em 2009. Com isso o número de indivíduos que vivem com menos de um dólar por dia poderá aumentar em 40 milhões e os que vivem com menos de dois dólares por
dia, em mais de 100 milhões. Somavia ressaltou ainda que as novas projeções poderiam estar subestimadas, caso os efeitos da atual contração econômica não sejam enfrentados com rapidez. Enquanto o peso da crise cai sobre a cabeça dos trabalhadores, os pacotes de ajuda as grandes empresas não param de aumentar. Estima-se uma cifra em torno de US$ 7,5 trilhões. Segundo o professor Ernesto Lozardo, da Fundação Getúlio Vargas, a ajuda financeira dos Governos já ultrapassa a casa de 12% do PIB mundial. Com muito menos seria possível combater a pobreza e investir o necessário para acabar com o aquecimento global, lembra o professor. De acordo com a ONU, seria possível exterminar a pobreza com apenas 1,5% do PIB mundial, o que demonstra, por um lado, o tamanho do desespero das autoridades governamentais na tentativa de salvar o sistema capitalista mundial e, por outro, o profundo descaso dos mesmos em relação à fome e à pobreza mundial.

Texto escrito por:
Diego Mendes Lyra: Mestrando em economia, Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

2009: Ano de crise

Semana de 22 a 28 de dezembro de 2008

Como é costume, não poderíamos iniciar este novo ano sem enviar a todos os leitores e amigos, em meu nome pessoal e dos pesquisadores que compõem o PROGEB, os nossos votos de muita paz e felicidade.
Embora este seja o nosso desejo, a função de analistas da realidade econômica nos obriga a apresentar, da forma a mais objetiva, o cenário que nos espera em todo o ano de 2009, agora reconhecido, quase por unanimidade, como um ano de crise. Preparemo-nos para o ano das vacas magras.
Com efeito, todas as notícias que são divulgadas continuam a apontar nessa direção, confirmando o que já havíamos previsto desde 2007. A crise atual não é um mero acidente, o resultado da ação de capitalistas desonestos ou de operações financeiras irresponsáveis e muito menos das loucuras do “companheiro Bush.” Estamos diante de mais uma fase de crise do ciclo econômico mundial, fenômeno inerente a todas as economias capitalistas e que se repete periodicamente. Preparemo-nos também para suportar todo o charlatanismo e cinismo das autoridades que tentarão enganar as pessoas manipulando as estatísticas referentes a 2008 que serão divulgadas no início do ano e que esconderão a dureza e profundidade da crise. Por serem estatísticas anuais, diluirão a violenta queda observada no último trimestre do ano, quando, finalmente, a crise chegou ao Brasil, para ser mais preciso, a partir da última semana de setembro.
A crise internacional continua o seu curso, puxada pela economia dos EUA, onde o ProdutoInterno Bruto (PIB) caiu 0,5% no terceiro trimestre e onde também se espera uma queda de 6,0% no quarto. Os gastos dos consumidores já tiveram uma queda anual de 3,8% e o número de pedidos de auxílio desemprego na última semana ultrapassou os 30.000, atingindo o maior nível em 26 anos. O mercado imobiliário também continua em crise com uma redução de 7,6% na compra de casas novas e usadas, apesar da queda de 13% nos preços destas últimas. As montadoras General Motors (GM), Ford e Chrysler encerram o ano à beira do colapso, apesar do socorro de US$ 17,4 bilhões, aprovado pelo congresso americano. A GMAC, braço financeiro da GM, à beira da falência, solicitou ao Fed, Banco Central dos EUA, autorização para se tornar banco comercial, mesmo tendo a GM de perder o controle acionário da instituição. O agravamento da situação e o desespero dos agentes econômicos é tal que a AssociaçãoCrisis-Link, que atua na região de Washington e atende aos pedidos de ajuda nos casos de depressão e suicídios, teve um aumento de 132% nas solicitações recebidas, em outubro, em relação a 2007 e de 81%, em todo o ano.
A economia do Japão, a segunda mais desenvolvida do mundo, teve uma queda de 8,1% emnovembro, em relação a outubro, a maior queda desde 1953, e a produção de automóveis reduziu-se de 15% no mesmo período. A Toyota, a maior empresa do país, reconheceu que no próximo ano terá o primeiro prejuízo nos seus 70 anos de história. A montadora Suzuki reduziu sua produção em 10%, no mês de novembro e já se admite que as 10 montadoras japonesas se fundirão em apenas três. No mesmo mês, as exportações registraram a maior queda da história, o número de desempregados aumentou, as vendas caíram e a economia do país foi tecnicamente considerada em recessão. Na Rússia, a ruptura do sistema bancário e do crédito fez o rublo atingir a sua menor cotação, em três anos, frente ao dólar e euro, apesar do governo ter gasto 25% de suas reservas cambiais para segura-lo. Agora, ele se prepara também para intervir diretamente em 295 indústrias, para impedir falência destas. Já foram escolhidas as gigantesestatais Gazprom e Rosnet (petroleiras), a mineradora Norilsk Nichel, a operadora de celular Vimpelcom e a empresa aérea Aeroflot. A economia do Reino Unido encolheu 0,6% no terceiro trimestre, e a produção da indústria de transformação, 1,6%. O BC inglês já reduziu a taxa básica de juros para 2,0% ao ano. Na Espanha, o PIB caiu 1,5% entre outubro e dezembro, caracterizando a primeira recessão do país em 15 anos. Apesar de todo o empenho das autoridades dos diversos países, a economia mundial continua em desaceleração. Segundo a Associação Mundial de Aço (Worldsteel), somente em novembro, a produção de aço caiu 19%, em relação ao mês anterior. No meio da quebradeira geral, uma nota cômica: o fabricante dos sapatos atirados no presidente Bush, no Iraque, contratou mais 100 empregados para dar conta das novas encomendas recebidas de todo o mundo. O modelo solicitado é o 271 agora rebatizado de “Bush Shoes”. Apesar do aumento da demanda, a fábrica garante que não pretende aumentar os preços.
No Brasil, a crise afetou diretamente o comércio exterior com a redução dos preços e do volumedas mercadorias negociadas. Embora ainda haja superávit, este se reduzirá a quase metade, em relação ao ano passado, caindo de US$ 40 bilhões, para um valor estimado de US$ 24 bilhões. Os preços dos produtos exportados caíram 8,4% em novembro, e espera-se uma queda ainda maior para 2009. Com a queda dos preços dos produtos agrícolas, a cotação do suco de laranja reduziu-se 84% só em novembro. A redução de 26% nos embarques de carne fez o preço do boi cair de R$ 90 para R$79 a arroba. A Sadia pretende suspender as atividades de 20% de seus 63 mil empregados. A pecuária de corte tende a encolher e a demanda por adubos segue o mesmo caminho. Os estoques já se acumulam nas empresas produtoras e importadoras, as quais anunciam prejuízos nos balanços de 2008. Só no mês de novembro, as vendas caíram 41,3%, em relação ao mês anterior.
No setor industrial, as vendas de aço laminado diminuíram 24% em novembro, conseqüência daparalisação das montadoras. A GM, que trabalhou um dia em novembro, trabalhou apenas cinco em dezembro e já programa novas férias coletivas, que reduzirão a atividade, em janeiro, a menos de 10 dias. No Paraná, a Volvo já anunciou a demissão de 430 trabalhadores e a Volkswagen, de 74. A Bosh afastou 800 trabalhadores. A Renault descobriu uma forma mais engenhosa em um acordo com o Sindicato. Suspenderá o contrato de 1.000 trabalhadores que continuarão “empregados”, mas sem ganhar salário por cinco meses. Finalmente, o ministro do Trabalho reconheceu que, em novembro, em relação a outubro, foram fechados 40.821 postos de trabalho.
Para o ano de 2009, o presidente Lula, que nunca sabia de nada, agora “sabe” que o crescimentoserá de 4,0%, mas o Banco Central estima que será de 3,2% e o mercado projeta modestos 2,4%. Quem terá razão?
Os nossos recursos técnicos não nos permitem tamanha precisão nas previsões, mas a base teórica que utilizamos nos garante que, no Brasil, a crise está apenas começando e obrigatoriamente seguirá o seu curso completamente indiferente às bravatas de presidentes e ministros. É para esta dura realidade que nos devemos preparar neste novo ano de 2009 que se inicia.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia cr
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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Piada Sem Graça

Semana de 15 a 21 de dezembro de 2008


Os leitores da nossa coluna já têm conhecimento da gravidade da crise atual e sabem que ela jáatingiu o Brasil. Reforçamos as nossas constatações com algumas opiniões de autoridades internacionais.
O economista Paul Krugman considera que esta crise é a pior das últimas décadas, e contra ela, as medidas habituais geralmente adotadas para um período de declínio econômico, como cortar as taxas de juros, não estão funcionando. Para ele está política está chegando ao seu limite e as ajudas dos governos, em grande escala, parece ser a única maneira de acabar com o “mergulho econômico”.
Dominique Strauss-Kahn, diretor gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), por seu lado, considera que a economia global pode cair em uma crise prolongada espalhando tensões sociais, se os governos não expandirem e implementarem os pacotes de estímulos prometidos. Admitiu também a possibilidade de uma recessão mundial. Segundo ele, o crescimento dos países emergentes não conseguirá compensar a recessão nas economias desenvolvidas. Na China, por exemplo, o crescimento está desacelerando à medida que a economia global sofre uma queda de produção sem precedentes e ruma para uma recessão, elevando os riscos de mais distúrbios civis como os vistos na Grécia desde a semana passada.
De fato, sem emprego, milhões de chineses retornam ao campo. “Não há nada para fazer na zona rural, a não ser trabalhar na terra”, disse Daí, um chinês de 21 anos. “Não quero ser agricultor”, completa. Com a crise financeira, fábricas de vestiário, brinquedos, computadores e outros produtos estão sendo fechadas, o que levará até 20 milhões de cidadãos chineses a deixarem as cidades em 2009.
Na Índia, a produção industrial teve, em outubro, a primeira queda em 15 anos, pressionando as autoridades a baixarem os juros e os impostos.
A Coréia do Sul aceitou fazer um acordo de swap cambial bilateral com o Japão e com a China, em um esforço para garantir a estabilidade financeira da Ásia. A Coréia do Sul e o Japão vão aumentar um esquema won-iene que já existe desde 2005 de US$ 3 bilhões para US$ 20 bilhões.
A produção industrial americana caiu em novembro, pela terceira vez em quatro meses, puxadapela crise das montadoras de automóveis, cujas vendas desabaram.
No Brasil, continuou repercutindo a decisão do Copom, órgão do Banco Central (BC), que manteve em 13,75% ao ano a taxa básica de juros. A autonomia do BC, concedida espontaneamente pelo presidente Lula, tem levado o Banco a continuar a cometer a eutanásia, contrariando os setores empresariais e sindicais e boa parte do próprio governo. Irritado, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, declarou que não considera o banco parte do governo. “Se o BC fosse governo, o presidente Lula daria uma ordem e ela seria cumprida”, afirmou o ministro, evidenciando a discrepância entre o discurso do presidente e a decisão do órgão. Na defensiva, o presidente do BC, Henrique Meirelles, afirmou: “A crise atinge os países de formas diferentes. Temos que ter cuidado para não prescrevermos remédios iguais.” Ele avaliou que as operações de crédito estão sendo normalizadas, depois das medidas adotadas para combater os efeitos da crise. A concessão média diária de empréstimos, em novembro (até o dia 26), em comparação com outubro, cresceu 4,7%.
Parecendo desconhecer o problema, o presidente Lula, em uma reunião com empresários, afirmou: “Eu acho que é muito engraçado. Os empresários poderiam pagar [os funcionários] com parte dos lucros que acumularam. O governo não vai deixar de assumir a responsabilidade de cuidar dos trabalhadores, mas nenhum empresário tem motivo para mandar trabalhadores embora”.
Engraçado é o presidente querer dar ordens a capitalistas, o que não está em suas atribuições,quando poderia mandar na política econômica do seu governo, o que é a sua obrigação. Por que, em vez de pretender determinar a utilização do dinheiro alheio (os lucros dos capitalistas), não usa os recursos do próprio governo? Por exemplo, por que não usar os superávits primários, para estimular os investimentos, criar empregos e aumentar os recursos para seguro desemprego e outros programas sociais? Lembremos que esta economia é feita em função de uma duvidosa e impagável dívida, que é anualmente ampliada pelos mais elevados juros do mundo, paradoxalmente estabelecidos pelo próprio governo.
Afinal, quem é mesmo o engraçadinho?

Texto escrito por:
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo: Professora do Departamento de Economia da UFPB e Pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. progeb@ccsa.ufpb.br

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O Capitalismo e a crise atual: arte de destruir o que não existe!

Semana de 08 a 14 de dezembro de 2008


Depois do estouro da “bolha imobiliária” nos Estados Unidos, virou consensual o fato de que, nas últimas décadas, e mais intensamente, anos, houve um descolamento entre o mundo financeiro e o mundo material. O relativo equilíbrio entre os ativos financeiros mundiais (ações, debêntures, títulos públicos, depósitos bancários, etc.) e o PIB mundial foi substituído por uma situação onde os ativos financeiros ultrapassam mais de 3,5 vezes o PIB. Além disso, o fluxo internacional de ativos financeiros passou de US$ 1,1 trilhão em 1990, para US$ 11,2 trilhões em 2007. Pode-se destacar ainda que o crescimento do crédito atingiu uma velocidade muito superior ao aumento da renda e do emprego.
O economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de economia em 2001, apontou outra inconsistência na dinâmica atual do sistema financeiro, quando destacou que este sistema, nos Estados Unidos, é responsável por parcela considerável dos lucros totais (algo em torno de 30% a 40%) e muito pouco ou quase nada pelo aumento da produtividade.
O mercado de derivativos (mercado onde se intercambiam títulos derivados de outros títulos), até então livre de críticas, passou de anjo a demônio. Sua principal função é negociar “riscos”, ou seja, se um determinado título oferece um risco qualquer (cambial, de taxa de juros etc.), o mercado de derivativos torna possível vendê-lo a outrem que, por sua vez, será remunerado por assumir este risco potencial. Pois bem, o que parecia antes ser a solução de “problemas” para o “bom e harmonioso” funcionamento dos mercados financeiros, agora é tido como uma das causas da catástrofe estabelecida.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em Conferência no Rio de Janeiro, destacou que, “da mesma forma que o Ministério da Saúde adverte sobre os medicamentos de alto risco, os derivativos não deveriam ser comercializados sem ostentarem uma tarja preta em sua embalagem”. O ex-presidente do conselho de administração da Bolsa de Nova York, William Donaldson, emitiu uma opinião na mesma direção: “precisamos dar uma boa olhada em alguns instrumentos financeiros criados nos últimos anos, dada a sua toxidade para o sistema”. Ao se referir especificamente aos derivativos, declarou: “eles sequer eram compreendidos pelas próprias pessoas que os criaram”.
Então, o que se tem experimentado é a criação de novos mercados para negociar, apenas e tão somente, papéis e um poder crescente de criação de riqueza por parte da esfera financeira. O fato de uma grande parcela dos valores manipulados nestes mercados guardarem pouca ou nenhuma relação com o processo de geração de riqueza material ou com os aumentos de produtividade têm feito muitos estudiosos denominá-los de riquezas fictícias. De fato, é assim que se deve chamar, pois é exatamente isto o que ocorre, isto é, a autonomia dos mercados financeiros foi capaz de criar uma soma imensa de “dinheiro” que só existe na cabeça dos agentes e é materializada em papéis. É isto que a crise está mostrando agora!
Para se ter uma idéia, as ações de 2.267 empresas, em várias partes do mundo, caíram tanto que passaram a ser cotadas na bolsa por um valor inferior ao dinheiro “vivo” que possuíam em caixa. Este fato curioso é conseqüência da crise mundial ter feito “desaparecer”, este ano, US$ 32 trilhões em capitalização. Isto significa que, “teoricamente”, estas empresas poderiam se recomprar na bolsa!!!
O que está ocorrendo é a destruição de riqueza! O engano dos indivíduos só teria ficado evidente, se, no momento em que os papéis, magicamente do dia para a noite, estivessem em processo de valorização, numa velocidade muito maior que a capacidade produtiva da economia, os agentes tentassem converter-los em meios de consumo materiais, isto é, tentassem transformar o valor de uso ideal do dinheiro em valor de uso material (bens de consumo ou bens de produção). Só assim ficaria claro que aquela riqueza só existia em suas cabeças, pois ocorreria a impossibilidade de todos realizarem suas necessidades de consumo. O resultado seria uma hiperinflação generalizada que teria como finalidade eliminar os consumidores “excessivos”.
Porque isto não ocorre? Porque, enquanto os papéis estão aumentando de valor, ninguém quer convertê-los em poder de compra material. Pelo contrário, quer mantê-los no lugar que irá fazer este valor continuar crescendo num processo que parece ser infinito.
É esta a grande questão! Assim, quando os governos tentam resolver o problema aumentando a liquidez do sistema, eles o estão alimentando e não resolvendo. Em crises anteriores, era necessário destruir capital, na forma de capacidade produtiva e de mercadorias, para que o sistema voltasse a funcionar bem novamente. Nesta, é preciso, antes de qualquer coisa, destruir capital na forma de riqueza imaginária, para que as coisas voltem a fluir. A manutenção da liquidez está impedindo que isto ocorra de forma mais rápida, o que só prolongará a crise ainda mais. Destruir riqueza imaginária não deveria ser simples? Como pode ser tão problemático destruir o que não existe?
A falta ou insuficiência de conhecimento a respeito da essência do fenômeno leva os economistas a darem uma explicação superficial e uma solução que não consegue estancar o problema, apenas muda sua dinâmica ou adia um pouco mais a sua solução (porque, de fato, ele não é corrigível, faz parte do capitalismo atual, assim como a inflação, o desemprego, a concentração de renda etc.). Para esta crise, muitas explicações já foram dadas, mas a solução está longe de ser encontrada. Entre os que arriscam uma explicação é praticamente unânime a afirmação que esta crise é culpa da falta de regulação dos mercados financeiros.
O economista Joseph Stiglitz, por exemplo, ao comentar acerca da falta de regulação adequada no mercado norte-americano, declarou: “isso permitiu que se gastasse muito além da capacidade de pagamento, principalmente na questão da habitação”. William Donaldson, concordando com o pressuposto, afirmou: “boa parte da regulação existente nos Estados Unidos foi criada a partir do crash de 1929. São mecanismos que têm mais de 70 anos e que não dão conta dos novos instrumentos criados pelas instituições financeiras.”
Ao lembrar que os manuais de macroeconomia, nas últimas décadas, têm gasto um considerável número de páginas e argumentos para defender a independência dos bancos centrais, o mais surpreendente foi ver a defesa de Stiglitz no tocante à ampliação do papel destes bancos. Segundo ele: “eles deveriam (os bancos centrais) dispor de vários outros instrumentos. Não é suficiente que sejam orientados apenas ao combate da inflação. È preciso garantir a estabilidade econômica no longo prazo.”
O economista prêmio Nobel de Economia em 2006, Edmund Phelps, reconheceu a impossibilidade de impedir a ocorrência das crises e negou que sua origem fosse de ordem monetária: “não as vejo como tendo uma origem monetária e, portanto, não está claro para mim que devamos olhar para o Fed e demaisbancos centrais como a resposta para as bolhas no preço dos ativos.” Segundo ele as “bolhas” só seriam controladas em economias planejadas e, neste caso, o capitalismo perderia seu dinamismo.
Enquanto se buscam explicações e soluções para o problema, ele se agrava e os indicadores econômicos pioram, ou seja, está se pagando o preço da globalização.
No Brasil, aumentou em 146% o número de empregados demitidos nas indústrias de Caxias do Sul (RS) em novembro, comparativamente a igual mês do ano passado (787 rescisões, ante 320 em novembro passado), a queda dos preços dos grãos poderá levar a uma redução no volume de produção de alimentos, o que resultará em uma nova crise alimentar; o setor imobiliário, embora disponha de liquidez, está sentindo os efeitos da recessão, já que a demanda caiu bruscamente. O presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Confiança (Abecip), Luís Antonio Nogueira de França, está negociando, com o governo federal, medidas que possam dar novo estímulo à demanda para uma retomada nos lançamentos. O governo já anunciou medidas para estimular o setor automobilístico, reduzindo impostos sobre a produção e venda de veículos.
O consumo de energia, um dos termômetros da atividade econômica, já apresentou contração. Praticamente em todos os ramos de produção, houve redução no consumo de energia, com exceção apenas dos setores de mineração, papel e celulose e eletroeletrônicos, os quais apresentaram discretos aumentos. Nos demais ramos, o consumo de energia caiu, com destaque para veículos e peças (-23,79), vidros (23,91), plásticos e borracha (-13,77), materiais de construção civil (-12,59), química e petroquímica (- 12,99).
Na China, as exportações caíram pela primeira vez em sete anos, indicando que a retração dos EUA e do Japão está empurrando para baixo o terceiro maior PIB do mundo. A queda foi de 2,2% nas exportações e 17,9% nas importações no mês de novembro, em relação a igual período do ano passado. Segundo Lu Zhengwei, economista-chefe do Industrial Bank, “os dados são horrorosos. A queda das importações mostra que, além da redução da demanda mundial, a demanda doméstica também está encolhendo com o enfraquecimento da economia.”
Nos Estados Unidos, em novembro, foram cortados 533 mil postos de trabalho, elevando a taxa de desemprego para 6,7%. Esta queda no número já é a maior registrada desde dezembro de 1974. As estimativas mais pessimistas sugeriam uma perda de 350 mil empregos. Até o momento, mais de 1,9 milhão de pessoas ficaram desempregadas. Em conseqüência, os pedidos de auxílio-desemprego atingiram, no começo de dezembro, o maior nível em 26 anos, tendo aumentado em 58 mil pedidos, totalizando 573 mil, com ajuste sazonal. Os pedidos de prorrogação do auxílio-desemprego (pessoas que requisitam o benefício por mais de uma semana) saltaram para 4,43 milhões na semana de 29 de novembro, também o maior volume em 26 anos.
O diretor de pesquisa sobre consumo feita pela Reuters e pela Universidade de Michigan, Richard T. Curtin, declarou: “registramos a maior queda na confiança dos consumidores em toda a nossa história.” Segundo Mark Zandi, economista-chefe da Mood´s Economy.com: “muitos negócios fecharam suas portas em novembro, outras empresas estão lutando para sobreviver e estão cortando mão-de-obra e investimentos em um esforço para economizar. A não ser que o problema de liquidez seja rapidamente resolvido, os grandes cortes de pessoal continuarão no próximo ano.”
No setor imobiliário (princípio de tudo), o total de pagamentos atrasados e a taxa de execuções de hipotecas atingiram um recorde no terceiro trimestre, com perspectiva de piora se o desemprego continuar crescendo e se não forem aprovados os diversos programas para alterar as condições dos empréstimos. A parcela dos contratos de crédito imobiliário com atraso de pagamento de 30 dias ou mais subiu para 6,99%, corrigido sazonalmente, enquanto os financiamentos já em fase de execução de hipoteca subiram para 2,97%. De acordo com a Associação dos Bancos de Crédito Imobiliário dos EUA, ambos os percentuais representam altas recordes numa pesquisa cujo início se deu 29 anos atrás.
Mais trágico é o aumento da inadimplência das hipotecas renegociadas. Simplesmente, quase 53% dos mutuários, cujos contratos de empréstimos foram modificados no primeiro trimestre, estavam com atraso de 30 dias ou mais no pagamento das prestações no terceiro trimestre.
Até as vendas de Natal foram afetadas, uma vez que as vendas de novembro tiveram o pior resultado dos últimos 30 anos, conforme o Conselho Internacional de Shopping Centers. Foram registradas ainda reduções nos gastos da construção civil, quedas nos preços das casas, nos gastos dos consumidores, nos investimentos empresariais e nas exportações.
Companhias de quase todos os segmentos anunciaram demissões no começo de dezembro: a AT&T, companhia de telecomunicações, cortou 12 mil postos; a DuPont, fabricante de produtos químicos, 2,5 mil e a Viaco, companhia de mídia, 850.
No Japão, os últimos dados divulgados no dia 09 de dezembro mostraram que o país entrou mais fundo em uma recessão, tendo o PIB se contraído a um ritmo anualizado de 1,8% no terceiro trimestre deste ano. Grandes empresas asiáticas apertam os cintos: a Sony informou que vai demitir 5% do quadro de funcionários, economizando US$ 1 bilhão; a Samsung Electronics está cortando metas de vendas, investimentos e lucro; a Mitsubishi Motors informou que estará suspendendo a produção em uma planta em Illinois, no próximo ano, por sete semanas, devido a uma queda na demanda.
Tentando contornar a situação, governos do mundo inteiro buscam aprovar pacotes fiscais, pondo em prática o velho-novo receituário keynesiano, apontado como um dos fatores que retiraram a economia norte-americana da Grande Depressão e contribuíram para o longo período de crescimento do capitalismo no pós 2ª Guerra. Agora, não havendo uma 3ª Guerra Mundial, as políticas keynesianas terão a oportunidade de demonstrar quem realmente reavivou a dinâmica capitalista naquele período (Keynes ou a Guerra?). Vamos ver!
O primeiro ministro da Índia, Manmoran Singh, planeja gastar US$ 4 bilhões para recuperar a economia do país, a partir de março, e o Banco Central indiano já reduziu a taxa de juros três vezes em menos de dois meses.
O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, considerou os dados acerca do desemprego como dramáticos, o que reflete o agravamento da crise, e planeja aprovar, já em janeiro, um plano de US$ 500 bilhões para gastar parte significativa em obras de infra-estrutura e, assim, recuperar uma parte dos empregos perdidos.
O Japão espera gastar US$ 216 bilhões para ajudar a economia a enfrentar a crise. De acordo com Kaoru Yosano, ministro para Política Econômica e Fiscal: “precisamos implementar políticas para evitar que a economia se desintegre.”
Acompanhando o resto do mundo, o governo da China pretende aprovar um plano de US$ 581 bilhões (4 trilhões de iuanes) em gastos, continuar reduzindo a taxa de juros e desvalorizar mais sua moeda.
Mais um país entrou na lista negra e assumiu estar em recessão; foi o Canadá, que buscando agir contra a crise, reduziu em 0,75 ponto percentual sua taxa de juro básica, ficando esta em 1,5% ao ano, o menor nível em 50 anos. A ausência das crises hipotecária e bancária, no país pareceu uma proteção contra a crise, mas a queda radical nas exportações para os Estados Unidos, particularmente de automóveis e autopeças, combinado com o colapso nos preços de energia e commodities, acabaram com o isolamento da economia.
Enquanto países do mundo todo estimam aprovar pacotes fiscais bilionários e reduzem suas taxas de juros a níveis próximos de zero, o Brasil mantém sua política monetária arrochada, mantendo a taxa de juros em níveis estratosféricos e cada vez mais distantes do mundo inteiro, confiando que a manutenção da liquidez, por parte dos bancos públicos, e o PAC sustentarão a economia. O resultado desta política será certamente agravar a situação do país colocando-o em desvantagem em relação ao restante da economia mundial. Isto fica claro quando se tem em mente que esta política impediu o país de crescer no momento em que a “farra financeira” puxava o crescimento do mundo todo; imagine agora com o mundo em crise! Se a política monetária do Brasil não for revista rapidamente a situação ficará insustentável.

Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG - e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br

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