sábado, 31 de dezembro de 2011

O velho barbudo

Semana de 19 a 25 de dezembro de 2011


Lucas Milanez de Lima Almeida*



Fim de ano. Para alguns, este é o tempo de celebrar o nascimento do filho de Deus, sua imagem e semelhança, nobre representante das vontades do Pai: Jesus Cristo, um barbudo, porém jovem, operador de milagres, curador de mazelas e pregador da justiça divina.
Por outro lado, para outras pessoas, é tempo de celebrar a vinda do bom e barbudo velhinho, Papai Noel, recompensador do bom comportamento e defensor da materialização dos sentimentos por meio de presentes.
Onisciente, onipotente e onipresente: por estar na cabeça de todas as pessoas, quando estas tomam suas “decisões”, por ser o fiel da balança nas “escolhas” dos homens e por ser o criador de tudo que está a nossa volta, podemos afirmar que o Capital, infelizmente, domina grande parte da ação humana. Além disso, ao buscar a realização dos seus objetivos, ele causa tragédias para a humanidade. Quem pode negar a existência da desigualdade entre os homens? E a cobiça pelo vil metal?
Mas todo senhor tem um inimigo. Diante das calamidades advindas da busca incessante pelo lucro, deveria haver, inevitavelmente, a insurgência de um salvador. Por isso, para enfrentar o Capital, surgiu, do proletariado, uma esperança: outro velho barbudo que também veste uma camisa vermelha e foi um dos principais fundadores do socialismo científico, a saber, Karl Marx.
Muito mais do que um crítico do capitalismo, ele foi o cientista que melhor expôs as leis que o regem este sistema e, principalmente, as consequências gerais que ele pode provocar.
Em pleno século XIX, Marx já falava sobre a concentração da riqueza e a eliminação de pequenos e médios produtores, seja por fusão e/ou aquisição por parte dos capitais maiores, o que continua ocorrendo. Por exemplo, aqui no Brasil, a 3ª maior rede de farmácias do país, Pague Menos, com faturamento estimado de R$ 2,8 bilhões, só este ano, negocia a compra da Ultrafarma, que deve faturar R$ 400 milhões em 2011. Se juntarmos as quatro maiores redes de farmácias, veremos que elas controlam 28,5% do mercado nacional. Outro exemplo: esta semana foi anunciado em Portugal a aquisição, por parte da chinesa Three Gorges, de 21,35% da empresa estatal Energias de Portugal. Esta operação faz parte dos planos de reestruturação e austeridade do governo lusitano.
Por outro lado, ao falar sobre o progresso técnico, Marx demonstrou que, em busca de maior lucratividade individual, ao renovar o parque fabril, o capitalista emprega relativamente mais máquinas em detrimento do emprego de força de trabalho. Mas o problema não seria o avanço em si, mas sim sua utilização capitalista. Como dissemos aqui há um mês, as novas formas de trabalho escondem os velhos dilemas da classe trabalhadora.
Exemplificando novamente: a JBS, umas das líderes do mercado global de carnes, pretende fazer uma “mudança” em suas fábricas, que vai representar o corte de 1,5 mil postos de trabalho. Dentre os cargos eliminados estão os chamados sobrepostos, aqueles que são executados por duas ou mais pessoas, mas podem ser executados apenas por uma. Isto quer dizer que haverá o acúmulo de funções e aumento da intensidade do trabalho sem, necessariamente, a correspondente elevação dos salários. No fim das contas, serão economizados US$ 500 milhões.
Para falar mais do desemprego, podemos mencionar o fechamento de aproximadamente 20 mil vagas no setor têxtil brasileiro só este ano. Mas, a causa deste seria outra: a concorrência desleal com os produtos chineses, produzidos com mão de obra barata e em condições precárias.
E continuando a falar da teoria de Marx, devemos mencionar também a lei do ciclo econômico, segundo a qual as economias capitalistas passam por períodos de maior e menor crescimento (ou até decrescimento) da produção. Mas, como esta lei está se manifestando com força agora, bem diante dos nossos olhos, não precisamos falar dela.
Acho até melhor pararmos por aqui. A análise começou tratando de um tema bem melhor do que este.
O ideal seria falarmos apenas do velho barbudo de vermelho, aquele da Coca-Cola, que faz a realidade parecer mais agradável, com neve, lareira, renas, etc., e desejar a todos os leitores muitas felicidades no ano de 2012 que promete ser muito difícil.


* Mestre em Economia, professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.).
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sábado, 24 de dezembro de 2011

Homem primata! Capitalismo selvagem!

Semana de 12 a 18 de dezembro de 2011


Rosângela Palhano Ramalho¹




Desde 1825, um fenômeno econômico mundial se repete de forma periódica. Clement Juglar registrou a repetição, a partir de 1862. Segundo ele, as crises econômicas se repetem num período que varia entre 7 e 11 anos. Embora estudos comprovem a sua existência, no pós-segunda guerra mundial, os economistas acabaram com o problema chamando o capitalismo de “pós-cíclico”. As “flutuações econômicas”, termo que passou a designar as crises, eram então “acidentes” do capitalismo que facilmente poderiam ser resolvidos.
A partir de 2008, tivemos que conviver com mais este doloroso “acidente”, retomado em 2011. Uns relutam em admitir que a crise esteja aí, outros lançam probabilidades de ocorrência e alguns já admitem: estamos no fundo do poço. A OCDE detectou, em outubro, a oitava queda consecutiva da atividade econômica mundial. O Bank of America, projetou uma “desaceleração significativa” em 2012 com risco de 40% de recessão mundial. Já Paul Krugman bradou a frase que ninguém quer ouvir: “Estamos em uma depressão mundial”.
A Europa, de forma desesperada, tenta salvar a economia e o euro. Sob o comando do casal Merkozy, foi costurado um acordo de austeridade fiscal, sem a participação do Reino Unido. A idéia é fazer cumprir as metas de austeridade fiscal fixadas há mais de uma década e desrespeitada por todos, inclusive pela Alemanha e França. Países que permanecerem com déficit acima de 3% do PIB sofrerão sanções impostas pelo Tribunal Europeu de Justiça.
A saída está longe da “proposta modesta” lançada ainda em 2010, por estudiosos da Grécia e Portugal. Na ocasião, foram sugeridas as trocas de títulos da dívida pública por papeis do Banco Central Europeu, a conversão simultânea destes papéis pela autoridade monetária e a utilização dos fluxos de recursos obtidos no financiamento da recuperação
Embora tenha relutado bastante, a premier da Alemanha admitiu a ampliação do fundo de socorro aos bancos, de € 360 bilhões, para € 480 bilhões e a ajuda governamental caso os bancos não consigam captar no setor privado.
Portugal já tinha posto o plano de salvamento bancário em prática, vendendo ativos no valor de € 78 bilhões. Mas, o valor de mercado dos três maiores bancos portugueses caiu 68%, o que equivale a uma perda de €6,3 bilhões e o país já cogita nacionalizar parte do seu setor bancário. Em 2012, a economia portuguesa encolherá 3%, segundo a Comissão Européia, e o rendimento dos bônus de dez anos de Portugal quase duplicaram, nos últimos meses, chegando a 13%.
A situação também não melhorou na Itália. Mario Monti teme o risco de retorno do terrorismo político. Pichações do tipo “Abaixo os banqueiros ladrões!” surgem nas cidades e, organizados ou não, os protestos no país são cada vez mais comuns.
No Reino Unido, o número de desempregados, no terceiro trimestre, alcançou 2,64 milhões e a taxa de desemprego subiu a 8,3%.
Enquanto a produção industrial da zona do euro caiu 0,1%, o Programa Eurotast divulgava que 79 milhões de europeus vivem abaixo da linha da pobreza. Destes, 43 milhões encontram-se numa situação de risco alimentar e sem dinheiro para adquirir alimentos. Estima-se que a população pobre da Europa esteja em torno de 41,5% da população total.
Por outro lado, a Conferência do Clima, em Durban na África do Sul, promovida pela ONU, trouxe como resultados apenas mensagens políticas: a continuidade do Protocolo de Kyoto e compromisso de elaboração de outro documento que inclua todos os países. Tal documento só ficará pronto em 2015 com estimativa para entrar em vigor em 2020.
Mas, quem se importa?
Selvagemente, o “mercado” ainda espera ansioso uma “solução satisfatória” para a crise. E as agências de risco, assim como abutres que cercam a sua presa, ameaçam rebaixar a classificação de crédito dos europeus, o que trará mais um ingrediente negativo para o “mercado”.
Enquanto isso, dados sobre a desigualdade são divulgados. Cálculos realizados pelo Financial Times mostram que só 58% da renda americana equivale a salários. No pós-guerra esta participação era de 63%. Ou seja, a classe trabalhadora americana perdeu o equivalente a US$ 740 bilhões de dólares só este ano. Nunca a remuneração do capital foi tão alta
No Brasil, o departamento de gestão de grandes fortunas do Credit Suisse estima que, em 2016, os recursos dos milionários atingirão R$ 1 trilhão. Quase 500 mil novos milionários entrarão no mercado. O número passará de 319 mil para 815 mil, aumentando 155%.
Notícias boas só para os banqueiros. Segundo a Febraban, o lucro conjunto de 134 instituições bancárias, no terceiro trimestre, apresentou queda de 1,4% em relação ao trimestre anterior, mas lucro de 41% em relação ao mesmo período do ano passado! Este ano o setor bancário brasileiro é de longe o mais lucrativo. Em contrapartida a inadimplência das pessoas físicas subiu. Até novembro, este índice alcançou 22,4%.
É bom aprender. A vida é cruel... Homem primata! Capitalismo selvagem!

¹ Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e crise na economia brasileira. (www.progeb.blogspot.com)
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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A procura da luz no fim do túnel: mais sinais de desespero

Semana de 5 a 11 de dezembro de 2011


Tatiana Losano de Abreu




Em meio às especulações em torno do fim do euro, ainda existia uma luz no fim do túnel. O início da semana foi marcado por fortes expectativas em relação a mais uma reunião da cúpula dos líderes da União Européia com o objetivo de definir ações concretas para tirar a zona do euro da crise.
Na véspera da reunião, a dupla Mercozy continuou a bater na mesma tecla: só é possível solucionar a crise através da austeridade orçamentária. Angela Merkel e Nicolas Sarkozy se reuniram, representando os dois motores políticos e econômicos da zona do euro (França e Alemanha), para elaborar uma proposta a ser apresentada e aprovada pelo resto da União Européia, na reunião marcada para o final da semana. A proposta resumiu-se em um novo marco regulatório que, segundo eles, representaria um modelo claro para instituir uma nova cultura de estabilidade. Entre os pontos deste marco estava a proposta de criação de sanções automáticas a serem impostas aos países que violassem as regras da União Européia, em relação ao déficit orçamentário, que não poderia ultrapassar os 3% do PIB, ou seja, a criação de freios compulsórios ao endividamento.
A proposta gerou inquietações no Conselho Europeu. Enquanto o presidente do conselho, Herman Van Rompuy, propunha a criação de um plano menos audacioso, a dupla Mercozy discordava radicalmente desta proposta e recusava-se a aceitar outras idéias discutidas em Bruxelas. A autoridade alemã, através de um sonoro “Não!” deixou claro que o governo alemão não está disposto a apoiar a proposta chamada “bazuca financeira”. O potente arsenal de guerra consistia em um sistema de reforço que somaria mais de 1 trilhão de euros de proteções financeiras, resultado da combinação de recursos do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (440 bilhões de euros), com o Mecanismo Europeu de Estabilidade (500 bilhões de euros), e o apoio equivalente a 200 bilhões de euros para o FMI. Enquanto Merkel e Sarkozy insistiam de um lado, David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido, teimava do outro, demonstrando fortes objeções aos procedimentos de disciplina fiscal. No final da reunião, instalou-se um clima de decepção. Foram provadas algumas medidas para maior união fiscal, porém muito aquém da proposta inicial da dupla Merkozy e o Reio Unido foi deixado fora de todas as decisões. A bazuca financeira foi reduzida a um empréstimo ao FMI no valor de 200 bilhões de euros, ainda a ser confirmado e um arsenal de apenas 500 bilhões de euros disponibilizados a partir de julho de 2012. A decepção maior foi com o Banco Central Europeu, que negou apoio mais direto para a injeção de liquidez na economia.
Já os últimos passos da Autoridade Bancária Européia, a agência reguladora da União Européia, virou uma faca de dois gumes. Segundo relatório recém divulgado, os bancos europeus precisarão levantar 114,7 bilhões de euros em capital novo para atingir os 9% de capital de alta qualidade, necessários para absorver os possíveis prejuízos envolvendo títulos da área do euro. O objetivo é compreensivo: criar um colchão de capital temporário e excepcional para amenizar os riscos soberanos e de crédito, já que muitos desses bancos estão expostos aos títulos do governo grego. Os problemas são os mecanismos para atingir estas metas audaciosas. Os bancos provavelmente enxugarão seus balanços, intensificando o aperto do crédito em uma economia já desaquecida. Para Gary Cohn, presidente do conselho de administração e diretor de operações do banco americano Goldman Sachs, os tomadores de crédito devem ficar em estado de alerta.
Em alerta continua também o governo brasileiro, principalmente após a divulgação da estagnação do crescimento da economia do país, no terceiro trimestre, em relação ao trimestre anterior. Este resultado confirma que os incentivos recentes dados à economia devem ter efeito quase nulo em 2011 e que o PIB, neste ano, crescerá abaixo de 3%.
Responsabilizado pelo desaquecimento, o governo muda o discurso ao comprometer até mesmo o sagrado orçamento equilibrado, no desespero de garantir o crescimento da economia em 2012, ano de eleições.

Economista, Professora substituta do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).
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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

“Refundar o capitalismo louco”

Semana de 28 de novembro a 04 de dezembro de 2011

Nelson Rosas Ribeiro[i]

Estas são as palavras de um político de direita, o presidente da França Nicolas Sarkozy. E ele disse mais. Afirmou que “A Europa será varrida pela crise se não mudar” e que “Vivemos o maior desafio desde a nossa criação.”

Tais declarações são sintomas do pânico que continua a espalhar-se pelo mundo, e o presidente francês é acompanhado, em seus temores, por vários chefes de estado europeus, inclusive pela toda poderosa premier da Alemanha, Angela Merkel. Aliás, a concordância dos dois chefes dos maiores países europeus é de tal ordem que eles já são chamados de casal Merkozy.

A questão centra-se nas chamadas dívidas soberanas dos Estados e no desequilíbrio dos orçamentos. Ninguém consegue pagar as dívidas existentes, que são agravadas por juros elevados e continuam a aumentar diante dos desequilíbrios dos orçamentos. Mesmo as poderosas Alemanha e França têm déficits orçamentários superiores ao tolerado pela própria UE, que é de 3%. Os maiores credores dessas dívidas são os bancos europeus, o que forma um círculo vicioso. Se os estados quebram, os bancos também quebram com consequências desastrosas para todas as economias.

A novidade da semana foi a ação coordenada dos seis maiores Bancos Centrais do mundo, Inglaterra, Canadá, Japão, Suíça e Banco Central Europeu, capitaneados pelo Federal Reserve (Fed), Banco Central dos EUA, com o objetivo de aumentar a liquidez dos mercados. O Fed, mais uma vez, despejou dólares em abundância pelo mundo afora. O berreiro pela falta de liquidez volta-se agora para a União Européia e o “mercado” começa a clamar pelo derrame de euros por parte do BCE. Os especuladores financeiros estão desesperados e famintos e dizem que o derrame feito mal dará para uma semana de alívio.

A OCDE, considerando a zona do euro já em recessão, pressiona o BCE para reduzir as taxas de juros e comprar os bônus dos governos falidos do PIIGS. Paris e Berlim retraem-se e chantageiam com a necessidade de controle sobre os orçamentos dos perdulários propondo um organismo supranacional para regular a política fiscal dos demais. É isto que se entende por “refundar” a UE.

Mas, o problema não se limita às fronteiras da Europa. A economia da Índia desacelera, tendo o pior desempenho desde 2009, e a produção industrial do gigante chinês contraiu-se, em novembro, pela primeira vez em três anos, o que já motivou uma intervenção do BC do país. Os apertos fiscais generalizados por todo o mundo, como era de se esperar, estão provocando protestos que tendem a se intensificar nos próximos tempos. Preparemo-nos para a quebradeira.

A economia dos EUA conseguiu manter-se estável, mas apresentou uma novidade: a poderosa American Airlines teve o pedido de concordata aceito pela justiça.

Por estes brasis, afinal a ficha caiu: a desaceleração da economia tornou-se fato público e comenta-se que é maior do que se esperava. A equipe do ministro Mantega entrou em campo jogando pesado, desta vez fazendo parelha com o BC. A taxa de referência Selic, na reunião do Copom da quarta feira, foi reduzida em 0,5%, caindo para 11%, ainda a maior do mundo. Mas no fim de semana foi a vez das medidas macroprudenciais. O pânico tomou posse do governo diante da possibilidade de um crescimento do PIB inferior a 3% este ano, e um crescimento inferior a 2,5% em 2012, ano de eleições. A presidente Dilma não gostou e pediu providências. Depois de ter, o país, crescido 7% em 2010, não quer ser a presidente dos 2,5%, nos dois primeiros anos de mandato. O pacote de bondades, além da queda da Selic, incluiu redução de impostos sobre os produtos da linha branca e alguns alimentícios, devolução de impostos aos exportadores, aumento de crédito ao consumo e para a habitação popular, redução de IOF para aplicações de estrangeiros, etc.

E tudo isto ocorre enquanto a petrolífera Chevron (que derramou petróleo no mar) produz clandestinamente gás venenoso em um dos seus poços, e Fernandinho Beiramar, com base em um presídio de segurança máxima, fatura R$ 61,8 milhões com seus lucrativos negócios.



[i] Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

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