segunda-feira, 28 de março de 2011

Novamente a herança maldita

Semana de 21 a 27 de março de 2011


Como temos comentado, em análises anteriores, o governo Dilma continua prisioneiro de uma herança maldita que não pode nem denunciar, nem renunciar: uma dívida pública cara e crescente que, demagogicamente, o governo Lula propagandeou ter pago ao liquidar a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI); um processo de inflação que teima em persistir; a desaceleração da economia que, paradoxalmente, o governo pretende intensificar; uma ameaça de desindustrialização; e um processo de redução do saldo da balança comercial e de mudança na sua composição, com o retorno do país à condição de primário exportador. Isto para não falar da enxurrada de dólares que afoga o país e das taxas de juros mais elevadas do mundo que aqui são praticadas e que penalizam os investidores produtivos.

Acrescente-se ainda uma conjuntura internacional adversa onde, se não bastassem os problemas econômicos resultantes do rescaldo da crise passada, com seus aspectos financeiros e especulativos e a quebradeira dos próprios estados, intervieram agora fatores extra-econômicos. Por um lado, os de ordem política decorrentes das revoltas nos países árabes detentores do petróleo. Por outro lado, os fatores naturais, terremotos e tsunamis, agravados agora pelo desastre atômico do Japão, todos com inevitáveis conseqüências econômicas de difícil previsão.

Nestas condições, a análise de conjuntura econômica torna-se uma árdua tarefa, pois os fatores em presença não estão submetidos apenas às leis da economia.

O governo está diante de uma difícil tarefa: cumprir suas promessas eleitorais de desenvolver o país, fazer crescer a produção, reduzir a pobreza, melhorar a distribuição de riqueza e os indicadores sociais (saúde, educação, etc.). Isto tudo com o compromisso também de impedir a inflação.

Há economistas que consideram tal tarefa impossível, como L. C. Mendonça de Barros, para quem atingir o “duplo objetivo” de manter o crescimento e combater a inflação “é incompatível e um deles terá de ser deixado de lado”. E ele se atreve a prognosticar que “a corda vai rebentar do lado da inflação”. Mendonça de Barros é acompanhado pela grande maioria dos economistas e analistas oficiais, partidários da “equivocada ideologia que produziu o pensamento único apoiado numa ciência monetária: o FMI”, para usar as palavras do Professor Delfim Neto, que ainda os denominou “idiots savants”.

Mas esta ideologia é tida como verdade absoluta e indiscutível e contagia mesmo os contestadores heterodoxos alinhados com o ministro Mantega. Não é por outra razão que as medidas de política econômica adotadas pelo governo acertam, ora no cravo, ora na ferradura, acendem uma vela a deus e outra ao diabo. Apesar da presidenta Dilma afirmar que não concorda com o diagnóstico da inflação como uma inflação de demanda, as medidas adotadas dirigem-se para a contenção precisamente da demanda. Os cortes do orçamento visam reduzir as despesas do governo. O aumento dos juros desestimula os investimentos e dificulta o crédito e, portanto, visa dificultar as compras das empresas e das famílias. Isto tudo significa comprimir a demanda. No mesmo sentido agem as tais medidas macro prudenciais e o controle do aumento dos salários.

Com esta política econômica, os banqueiros e agentes financeiros exultam (vejam o lucro recorde do BNDES de R$ 9,9 bilhões), o setor industrial reclama e o povo? Com uma mão o governo pretende distribuir renda, mas com a outra maneja o porrete para impedir o consumo.

Os conflitos serão inevitáveis e já começaram, paradoxalmente, afetando as obras do PAC. Há dezenas de milhares de trabalhadores em greve e violências nos canteiros de obra das represas de Santo Antônio e Jirau e nos portos de Suape e Pecém.

Com toda esta confusão, os prognósticos para 2011 tornam-se confusos. Para o Produto Interno Bruto (PIB), as taxas de crescimento variam de 3% a 6,15%, e para a inflação as estimativas oscilam entre 5,13% e 6,91%.

Quem acertará nestas loterias?


Texto escrito por:

Nelson Rosas Ribeiro: Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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quarta-feira, 23 de março de 2011

A Odisséia brasileira

Semana de 14 a 20 de março de 2011

Não é de hoje que sabemos das divergências ideológicas dentro do governo Dilma. Isto se manifestou antes mesmo de sua posse, logo depois da eleição, quando se especulava sobre a indicação de alguns nomes para pastas importantes do executivo, tais como Antonio Palocci, José Dirceu, Henrique Meirelles, Guido Mantega, dentre outros. Com o objetivo de agradar a Gregos e Troianos, Dilma compôs um governo, de certa forma, heterogêneo, ao manter o ministro da Fazenda e nomear Palocci para a Casa Civil.

Guido Mantega é um economista de formação e doutor em Sociologia do Desenvolvimento. Até meados de 1980, era um simpatizante das teses desenvolvimentistas, até que, nas últimas décadas, mudou um pouco seu pensamento e se aproximou das idéias neoliberais de esquerda. Antonio Palocci, por sua vez, é médico de formação e desde o início da década de 1990 é político. Cada um deles desempenha um papel semelhante como defensores de interesses contraditórios. De um lado temos Mantega, ainda simpatizante do desenvolvimentismo e, por isso, aliado dos empresários da indústria. Do outro lado temos Palocci, alinhado com as idéias neoliberais ortodoxas, e, por isso, porta vós do setor financeiro internacional. Com a nomeação dos dois, a presidenta procurou uma trajetória equilibrada para a política econômica, que satisfizesse os interesses das duas principais esferas do capitalismo atual: a industrial e a financeira.

Mas esta não é uma questão nova. Foi na era FHC que o setor financeiro começou a ter mais peso nas decisões sobre as políticas econômicas. No governo Lula, isto foi acentuado. Seja para investimento ou consumo pessoal, o preço da mercadoria oferecida pelos bancos (os empréstimos) é o juro, e é através da mudança nas taxas de juros que os bancos gerenciam as suas receitas. Sabendo disso, veja o que ocorreu durante os primeiros anos do PT na presidência. Segundo a Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários no Estado do Paraná, entre 2003 e 2010, os lucros nominais dos cinco maiores bancos que atuam no Brasil cresceram 312,5%, saltando, de R$ 11,2 bilhões, para R$ 46,2 bilhões. Como bem sabemos, as mudanças na taxa básica de juros são determinadas pela famosa política do Saci-Macroeconômico, que tem como único pé a estabilidade dos preços. Outra coisa que bem pouca gente sabe é que, até o ano passado, o BC era dirigido, também, por funcionários dos bancos privados, os chamados "agentes do mercado".

Pois bem, dentro do atual governo, até agora, é consenso a manutenção do Saci, porém há uma considerável discordância quanto à medida e aos meios de aplicá-lo. Dilma já bateu o pé (os dois) dizendo que o centro da meta é o objetivo para a inflação. Os principais agentes executores são o ministro Mantega e o Presidente do BC, Alexandre Tombini. Mas o setor financeiro, acostumado com o modelo de gestão anterior, não está confiante na atual gestão do BC, que só tem em sua diretoria funcionários de carreira, não explicitamente ligados ao setor privado. O argumento utilizado é o de que as medidas macroprudenciais não são um sinal claro de que haverá pulso firme no combate à inflação. Para a LCA consultores, Quest Investimentos, J.P. Morgan, Itaú/Unibanco, Santander, Bradesco e Federação Brasileira dos Bancos, o aumento dos juros é o instrumento certo para conter a demanda, que, segundo eles, ainda está superaquecida.

Mas, além do próprio governo, alguns setores discordam do panorama da conjuntura econômica. Dilma já declarou que a inflação atual não é de demanda, sendo, na verdade, fruto de um desequilíbrio entre alguns setores, tais como o de commodities e dos preços administrados. O setor industrial também partilha desta idéia, ao afirmar que, na realidade, a economia está em processo de desaceleração. A Confederação Nacional da Indústria projeta, para este ano, um crescimento de 4,5% para a indústria, enquanto no ano passado este indicador registrou alta de 10,1%. Além de a produção industrial ter se elevado apenas 0,2% entre janeiro de 2011 e dezembro de 2010, o faturamento na indústria caiu 1,3% no mesmo período. Somam-se a isso os fatos de que, desde dezembro de 2010, a utilização da capacidade instalada efetiva está abaixo da usual para cada mês e que, no mês de fevereiro, os índices que representam o nível dos estoques se elevaram.

O que veremos nos próximos meses será uma Odisséia. Como Menelau e Páris, Palocci e Mantega irão travar uma dura batalha dentro do governo para defender os interesses maiores que os movem: conquistar Helena, a política econômica, e levá-la para o seu lado.

Quem vencerá?

A presidenta Dilma já declarou: ou eles se entendem ou morrerão os dois.

Serão conciliáveis os interesses por eles representados? É o que vamos ver!


Texto escrito por:

Lucas Milanez de Lima Almeida: Mestre em Economia, professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.)

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quarta-feira, 16 de março de 2011

Dilema do fundo do mundo: Crescimento ou Inflação?

Semana de 07 a 13 de março de 2011

Continua a lenta recuperação da economia global e, por maior que sejam os esforços das instituições governamentais, financeiras e do conjunto dos agentes econômicos ativos, persiste algum pessimismo.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) orienta os bancos centrais a colocarem entre os seus objetivos explícitos, além do controle da inflação, a estabilidade financeira e metas claramente delineadas sobre as taxas de câmbio.

Na realidade, nos próximos tempos, o foco principal da política financeira deverá estar voltado para o controle da inflação, utilizando-se dos mecanismos taxas de juros e câmbio. Mas, a realidade econômica do mercado, sendo este soberano, é bem mais rica na sua diversifidade, e as intenções distanciam-se da prática corrente com muita frequência. E, embora muitos acreditem que juros baixos podem alimentar bolhas, os juros altos não garantem a estabilidade financeira que tanto se deseja.

Mas, além das contradições internas da política econômica de cada país, os efeitos entre as economias, em um planeta globalizado, são incontroláveis. Assim, uma mudança na política econômica da China, em busca de uma nova estratégia de crescimento, necessariamente terá efeitos sobre as economias que se relacionam comercialmente com ela. Trata-se, nesse caso, de uma economia gigante, calcada num modelo exportador em fase de esgotamento, segundo a avaliação do Congresso Nacional do Povo, iniciado a 04 deste mês, que discutiu o Plano Quinquenal do período que vai de 2011 a 2015. A proposta é voltar-se para o mercado interno e, para tal, terão de ser introduzidas alterações na distribuição de renda, com aumento salarial, o que pode acarretar elevação dos preços dos produtos exportados. Outro efeito será a redução das importações. A demanda por aço, por exemplo, que nos últimos cinco anos aumentou em média 17%, deve desacelerar para 6% ou 7%. Cerca de 30% do comércio chinês é feito com países em desenvolvimento. Especificamente no caso do Brasil, 80% das exportações brasileiras para a China são de commodities agrícolas e minerais, e 90% das importações são de produtos manufaturados.

Além da economia chinesa e sua irrefutável influência no mundo econômico global, outras variáveis contribuem para o desequilíbrio planetário, tais como as quedas sucessivas do euro e os preços do petróleo, esta última, sem dúvidas, influenciada por fatores políticos como a rebelião, ou guerra civil, na Líbia. Acrescente-se agora os fatores naturais como a catástrofe do Japão ainda com proporções desconhecidas.

No Brasil, o Banco Central tenta ser o principal protagonista da vida econômica procurando controlar a inflação, mantendo o crescimento, sem explicitar, porém, se o fará nas formas “dovish” (pombos) ou ”howkish” (falcões), mas sinalizando para o governo quais devem ser as suas principais preocupações.

A primeira, ter como meta central o controle inflacionário; a segunda, dirigida à Fazenda, sobre o controle das ações parafiscais e reajustes salariais do setor público; a terceira é para que “não se pegue pesado” na reversão das taxas de câmbio.

O Comitê de Política Monetária (COPOM), na última reunião, deu sua contribuição elevando a taxa de juro em 0,50 ponto percentual, passando a Selic para 11,75% a.a. Sob o estímulo dessas altas taxas de juros, o fluxo cambial para o Brasil aumentou assustadoramente. Nesse momento, no espaço de dois meses, ele já supera o volume registrado no ano passado, atingindo o montante de US$ 24,356 bilhões, dos quais o BC comprou US$18,722 bilhões na tentativa de amortecer os impactos de tal volume de dólares na cotação da moeda brasileira.

Nesta dificil situação, enquanto o país vacila no falso dilema entre crescimento ou inflação ouvem-se as críticas dos cérebros da nossa economia. Pela esquerda Carlos Lessa chama os movimentos do PIB de “esvoaçar cacarejante, num nível de chão de galinheiro” “o Brasil continua um pigmeu em relação a uma China, que pratica taxas de investimento de 40% do PIB. Ou de uma Índia, acima de 30%...” (esta taxa no Brasil, em 2010, foi de 18%). Pela direita Delfim Neto compara: “Enquanto a China está se pensando para 2050, o Brasil continua a se pensar para 1990”.

Texto escrito por:
Elivan Gonçalves Rosas Ribeiro: Professora do Departamento de Economia da UFPB e Pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. progeb@ccsa.ufpb.br; www.progeb.blogspot.com

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quinta-feira, 10 de março de 2011

Contra o “PIBÃO”..., desaceleração

Semana de 28 de fevereiro a 06 de março de 2011

Afinal, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou oficialmente a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em 2010: 7,5%. É um crescimento notável que não se via há muitos anos. De tão extraordinário, a presidenta Dilma não conteve a exclamação: é um “PIBÃO”. Comemoremos, pois, o grande feito já previsto e comentado antecipadamente nesta coluna, em análises anteriores. O ministro Mantega está de parabéns.

O que parece paradoxal é que em vez de exultar, o governo arranca os cabelos e anuncia medidas para conter o crescimento considerado insustentável. O governo Lula, atendendo aos anseios populares, no justo empenho em combater a pobreza, distribuiu renda, elevou os salários, em particular o mínimo, estimulou o consumo, aumentou o crédito, reduziu os impostos, etc. Conseguiu o que pretendia: o consumo das famílias cresceu 7% em todo o ano, em relação a 2009, número inferior ao do crescimento da indústria que foi de 10,1%. Mas, o resultado em vez de ser comemorado, provocou uma onda de fúria recessiva. O país não pode crescer neste ritmo. Segundo o ministro Mantega, estamos “visando o ajuste anticíclico da economia. É para desacelerar a economia sem derrubá-la. É sair de um patamar de 7,5% de crescimento para 5%.” Isto é, crescer a 7,5% a China pode, a Índia pode, até a Rússia pode, mas o Brasil, não.

É preciso frear o crescimento, conter o consumo, reduzir os investimentos e a produção. As armas já estão preparadas e testadas. Elas compõem a santíssima trindade da política econômica: juros, medidas macroprudenciais, redução de gastos públicos. O Conselho de Política Monetária (Copom) deu sua contribuição aumentando os juros básicos em 0,5%, como era previsível, fixando a taxa Selic em 11,75%. Além de tomar uma decisão por unanimidade, o Copom deixou claro que outras elevações se seguirão. As medidas macroprudenciais já estão em pleno vigor, e há quem estime que o seu efeito corresponde a uma elevação dos juros de 0,75%, o que, do ponto de vista de um aperto monetário, equivaleria a uma Selic de 12,5%. O ministro Mantega já começou a dar indicações de onde e como vai cortar os R$ 50 bilhões das despesas. Até o programa “Minha Casa Minha Vida” será atingido com uma perda de R$ 5,1 bilhões.

Já se comenta que toda esta bateria de medidas está surtindo efeito. No quarto trimestre de 2010, a economia desacelerava e não acompanhava o consumo das famílias. Estimam os analistas que este ritmo aproximava-se dos 3%. O PIB da indústria de transformação caiu 0,4%. A demanda doméstica foi atendida pelas importações que cresceram 3,9%. Mesmo quando consideramos os dados para todo o ano, a situação não parece melhorar, já que, para o crescimento de 10,1% da indústria, a maior contribuição foi dada por setores industriais como o setor extrativo, que cresceu 15,7% (graças às exportações), e a construção civil, que cresceu 11,6%, (graças à ajuda do governo para ganhar as eleições). O segmento de transformação contribuiu apenas com 9,7%.

Embora a desaceleração já esteja sendo sentida e, para 2011, alguns economistas estejam corrigindo as estimativas, dos 5% desejados, para 4% ou mesmo 3,7%, o pânico continua e é causado pelo velho fantasma: a inflação. O fenômeno preocupa o mundo e é considerado global, chamando a atenção do Banco Central Europeu, que também se prepara para o aumento dos juros. No Brasil, neste momento, o centro da meta de 4,5% já está perdido e a luta deslocou-se para o extremo de 6,5%, que é o teto. E as notícias não são muito boas. A começar com os preços administrados, que insensatamente o próprio governo aumenta, e pelas perspectivas do exterior que apontam para a manutenção do crescimento dos preços das commodities. Isto se a crise dos países árabes não estourar com o preço do petróleo. Caso isto ocorra, será um Deus nos acuda. Neste clima de terror, o arrocho vai prosseguir e as famílias serão impedidas de consumir. Este é o preço a pagar pelos 7,5% eleitoreiros.

Assim, com Mantega ou sem Mantega, neste ano de 2011, a poupança do povo brasileiro terá de sofrer as conseqüências do PIBÃO do presidente Lula em seu último ano de governo.


Texto escrito por:

Nelson Rosas Ribeiro: Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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quarta-feira, 2 de março de 2011

A culpa é da inflação

Semana de 21 a 27 de fevereiro de 2011

O ex-presidente Lula deixou uma herança que o novo governo teve que engolir: a ameaça da inflação. A farra de gastos no período eleitoral, se bem que tenha dado uma importante contribuição para ganhar as eleições, significou o aumento das despesas do estado e da dívida pública. Assim, ao terminar o ano de 2010, não se havia cumprido a meta de superávit primário (diferença entre receita e despesas do estado antes do pagamento de juros).

Iniciado 2011, a ameaça se transformou em realidade. A inflação bate à porta e com força. Ora, começar um mandato tendo como objetivo maior o combate à inflação não é das coisas mais agradáveis, até porque as medidas que constam do receituário oficial são antipopulares. É consenso entre os analistas do governo que a inflação ficará bem acima do centro da meta de 4,5%. De acordo com o sistema adotado pelo Banco Central (BC), a faixa tolerada para a inflação vai de 2,5% a 6,5%, isto é, 2 pontos percentuais acima e abaixo de 4,5%, que é considerada a meta procurada. Para atingir esta meta, todos pensam que não basta apenas aumentar os juros, o aumento deve vir inevitavelmente acompanhado das tais medidas macroprudenciais.

Com os juros em alta, a farra financeira deve continuar para a felicidade dos agentes econômicos do sistema financeiro. O Itaú-Unibanco divulgou um lucro de R$ 13,32 bilhões em 2010, 32,3% superior ao mesmo período do ano anterior, enquanto o setor produtivo agoniza. A indústria brasileira de embalagens, termômetro da atividade econômica, por exemplo, depois de uma expansão de 10,13% em 2010, espera crescer apenas 2,2% este ano. É consensual a desaceleração da economia que vem sendo observada. As previsões para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) vão sendo revistas para abaixo dia após dia, apesar das garantias dadas pelo ministro da Fazenda Guido Mantega de que não é objetivo do governo deprimir a atividade econômica, mas acomodá-la.

Para tecer comentários sobre a eficácia das medidas que vão sendo adotadas, a grande questão que se põe é saber a origem da aceleração inflacionária atual. Culpados são indicados por todos os lados: o reajuste de 16% no piso salarial dos docentes da rede pública, o aumento do salário mínimo, o excesso de gastos públicos, as pressões sazonais, o descompasso entre oferta e demanda, o aumento dos preços das commodities, a crise nos países produtores de petróleo do mundo árabe, a melhor distribuição de renda, etc.

Agora, mais um vilão é apontado: o setor de serviços, que apresentou alta no preço dos alugueis, transportes e mensalidades escolares, ou seja, a culpa é dos preços livres.

E os preços administrados (preços controlados pelo governo)? Parece que, propositadamente, eles são esquecidos. Do total do IPCA do ano passado, os preços administrados foram responsáveis por 3,13% e, segundo estimativas para 2011, a inflação destes preços deve corresponder a uma parcela de 4,5%. Como combater um monstro que o próprio governo está ajudando a criar?

Por outro lado, o Banco Central ainda tem que lidar com outro mal assombrado: a questão cambial. Mesmo com as intervenções diárias que a instituição tem feito no mercado, através da compra de divisas, tanto à vista como a termo, a taxa de câmbio não reage e o dólar teima em desvalorizar-se. Enquanto isso, a enxurrada de dólares continua vindo do exterior. Em janeiro, foram quase US$ 3 bilhões e, até 21 de fevereiro, este montante já ultrapassava os US$ 3,6 bilhões. Desesperado para impedir que o dólar se dissolva, o BC intervém no mercado. Para retirar os dólares que entram, o BC tem de comprá-los injetando dinheiro na economia. Este dinheiro ou vem de emissões de moeda ou da venda de títulos do tesouro que rendem algum tipo de remuneração cujo montante situa-se em torno da Selic (atualmente em 11,25%). Além de contribuir para a inflação e aumentar a dívida pública, o BC tem que arcar com o custo de manutenção das reservas, que, segundo a própria autoridade monetária, foi de R$ 26,6 bilhões em 2010.

Para combater os monstros que insistem em aparecer, opta-se então pelo caminho mais fácil: fazer cortes no orçamento e aumentar as taxas de juros, afinal esta é a receita de bolo que é aplicada em todas as economias. Como o fechamento desta coluna acontece na terça-feira e a reunião do Copom será realizada na quarta, o leitor já deverá ter conhecimento de mais uma alta da taxa de juros que, segundo as estimativas, deverá situar-se entre 0,5% e 0,7%. Será mesmo tudo culpa da inflação?

Texto escrito por:

Rosângela Palhano Ramalho: Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)

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terça-feira, 1 de março de 2011

Desaceleração, remédio contra a inflação

Semana de 14 a 20 de fevereiro de 2011

Ainda continuamos vivendo sob o impacto dos bons ventos que sopraram em 2010, em boa parte estimulados pela política econômica do governo Lula, para ganhar a eleição. As estimativas continuam a ser divulgadas enquanto o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não apresenta os dados oficiais. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é estimado em 7,8% pelo Índice do Banco Central (BC), embora ele próprio trabalhe com uma taxa mais modesta de 7,3%. A maior parte dos analistas sugere taxas em torno dos 7,5%. Estes valores, considerados muito elevados quando comparados com o resto do mundo (excetuando-se Índia e China), são secundados por notícias sobre a redução da pobreza e do desemprego, sobre a elevação dos salários e melhoria na distribuição de renda.

Mas, conforme havíamos previsto, a fatura da orgia seria paga em 2011, o que já está acontecendo, ou seja, mais uma vez confirma-se a teoria do “ciclo político”. Aperto no início do governo e esbanjamento no final, para ganhar as eleições, confiando na ingenuidade e na fraqueza da memória do povão. A grande desculpa foi a necessidade de melhorar as condições de consumo das camadas mais desfavorecidas da população.

Ganhas as eleições e empossado o novo governo, a conversa mudou. A equipe econômica do governo Dilma desespera-se agora para reverter o quadro. É preciso conter o consumo, reduzir os gastos do governo, deter os investimentos, comprimir os salários, etc. As medidas recessivas se sucedem como sempre sob a batuta do BC, agora com o presidente Tombini ameaçando com a “trombada” dos juros, que já subiram para 11,25% ao ano. E isto, reforçado pelas medidas “macroprudenciais”: recolhimento compulsório (que já retirou R$ 65 bilhões do mercado), exigências de capital adicional para financiamentos com mais de 24 meses (que já fez as taxas de juros do crédito pessoal subirem, de 40,3% para 49,3% ao ano, na última semana de janeiro, provocando a queda de 19% na média diária dos novos financiamentos. No setor de automóveis, as taxas de juros subiram entre 4% a 5%, e a média diária de créditos concedidos caiu 45% para os bancos comerciais e 35% para os bancos das montadoras.

As notícias sobre a desaceleração da economia espalham-se por todo o lado. O próprio ministro da fazenda, Guido Mantega, sempre muito otimista, estima que a desaceleração fará a taxa de crescimento do PIB cair para 5%. Muitos analistas do mercado reduzem este número para 4,5% e, cada vez mais, os rumores afirmam que este valor terá de ser corrigido para baixo. Como já dissemos anteriormente, a saída da crise, no Brasil, está se configurando como uma saída em W.

Ainda não satisfeito com a situação, o governo resolveu dar mais uma contribuição ordenando um corte de R$ 50 bilhões no orçamento já aprovado. Como explicar tamanha incoerência? Tomam-se medidas para aumentar os níveis de consumo da população e agora se usam todos os meios para impedir este consumo. Quais seriam as razões para explicar tal insensatez? Por incrível que possa parecer a razão é uma só: o medo do fantasma da inflação. Na verdade, a inflação é um monstro que ninguém quer encontrar no seu caminho. Em relação a isto, há unanimidade. As divergências surgem quando tentamos caracterizar, descrever, explicar o fenômeno e desvendar as suas causas, passo necessário para que o combate tenha sucesso. É aí que o bicho pega. A equipe do governo, contaminada pela ideologia dominante na teoria econômica, transformou em lei absoluta e eterna a formulação primária de que a inflação é provocada pelo excesso de procura em relação à oferta. Tomando isto como verdade eterna, desencadeiam todos os mecanismos possíveis para conter, comprimir, esmagar o consumo, quer seja das pessoas, do estado ou das empresas. Esta aberração teórica está por traz da ação do governo Dilma e o inspira.

Preparemo-nos, pois o arrocho chegou. E com o agravante de ter que enfrentar simultaneamente a enxurrada dos dólares especulativos internacionais, com a consequente valorização do real que vem impossibilitando a indústria nacional de exportar e levando o país a um processo de desindustrialização acelerado que urge deter.

Texto escrito por:

Nelson Rosas Ribeiro: Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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