quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Os bancos e a inflação

Semana de 17 a 23 de outubro de 2011

Tatiana Losano de Abreu [i]

O primeiro acordo de Basiléia foi firmado em 1988 por mais de 100 países, com o objetivo de criar exigências mínimas de capital para reduzir os riscos de crédito. Devido a sua ineficácia, o acordo de Basiléia II foi assinado em 2004 com a definição de pilares e princípios sobre a contabilidade e supervisão bancária. Os resultados foram muito poucos. Este acordo foi insuficiente para conter a manifestação da crise no setor bancário em 2008. No ano passado, o terceiro acordo de Basiléia foi assinado com o objetivo de reformar a regulamentação bancária e obrigar os bancos a aumentarem suas reservas de capital para se protegerem de possíveis crises, ou seja, para evitar a situação atual. Segundo o comitê da Basiléia, responsável por supervisionar o cumprimento dos acordos, o Basiléia III ainda é um sonho, já que muitos países nem completaram a implementação do Basiléia II, como Estados Unidos, China, Rússia, Indonésia, Turquia e a Argentina.

Conscientes de que não é possível esperar que o sonho se torne realidade, os bancos europeus preocupam-se em garantir a credibilidade diante dos investidores. Os bancos da França, Reino Unido, Irlanda, Alemanha e Espanha anunciaram planos de, nos próximos 2 anos, encolherem cerca de 775 bilhões de euros, para reduzir as necessidades de financiamento de curto prazo e cumprir as exigências regulatórias mais rígidas de capitalização. Mas, a magnitude dos cortes está muito longe dos 2 trilhões de euros necessários para evitar a “ajuda” de seus governos ou da União Européia.

Diante deste cenário, são grandes as expectativas pelas deliberações da reunião do G20. Para Martin Wolf, comentarista econômico do jornal Financial Times, os elementos do pacote desejado são: “Consertar os bancos, consertar a Grécia e consertar os mercados de dívidas de outros países da região do euro mais enfraquecidos, mas, principalmente, despejar baldes de dinheiro por todos os lados”.

A afirmação deste prestigiado comentarista nos obriga a questionar: de onde sairiam tantos baldes de dinheiro? Esta mesma pergunta é feita pelos ocupantes de Wall Street e os Indignados, que questionam também a situação privilegiada do sistema financeiro global. Os protestos crescem a cada dia, numa demonstração clara do alto custo político das novas medidas para salvar o mercado financeiro às custas do povo. Mesmo assim, os banqueiros e outros representantes do sistema financeiro global se defendem, alegando que “chegou a hora de dividir a responsabilidade”. Em outras palavras, para encher os baldes de dinheiro é preciso arrancar as poucas moedas dos bolsos do povo, como já acontece com o povo grego que vai perder 14% da renda líquida no ano, devido aos aumentos dos impostos e da redução dos gastos.

No Brasil, as preocupações giram em torno da inflação e dos efeitos do “pouso forçado” da economia chinesa. O Banco Central (BACEN), prevendo o agravamento do cenário mundial, apostou novamente no afrouxamento da política monetária, definindo mais um corte na taxa Selic. A decisão, desta vez, não foi novidade. A expectativa de corte foi tão unânime ao ponto de especularem sobre o “vazamento de informações” na véspera da reunião.

Especulações a parte, já é certeza o desaquecimento da economia brasileira, que apresenta redução no ritmo de criação de empregos e de crescimento da Formação Bruta de Capital Fixo (5% a 6%), aquém do apresentado no ano passado (21,9%). Mesmo assim, alguns ortodoxos, encabeçados pelo FMI, continuam a criticar a posição do BACEN, alertando sobre o risco de descontrole da inflação que atualmente se situa em torno do limite superior da banda de tolerância, e a estimada, para 2012, permanece bem longe do centro da meta (4,5%).

Porém, já está constatado que os principais responsáveis pela forte elevação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2011, assim como foi em 2010, são os preços administrados, como a gasolina, as tarifas de ônibus urbanos e a taxa de água e esgoto. Para se ter idéia, de janeiro a outubro, os administrados avançaram 5,7% no IPCA-15, acima dos 5,5% registrados no IPCA “cheio”.

Sendo o governo, e não o mercado, o responsável pela alta dos preços cai por terra a desculpa para não baixar as taxas de juros.



[i] Economista, Professora substituta do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).

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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Quem pode mais em época de crise?

Semana de 10 a 16 de outubro de 2011

Rosângela Palhano Ramalho [i]

À medida que a globalização acentua a integração entre os países, a crise que incide sobre as principais economias capitalistas, expõe ao mundo a luta entre aqueles que tentam conquistar o poder e os que buscam se manter no poder. Todos se acham no direito de realizar um exame da crise econômica mundial e dar palpites de como sair dela.

Os países emergentes, temendo o contágio, aproveitam para defender a intervenção. Mantega, na reunião do G-20 que ocorrerá no início de novembro, defenderá a idéia de que só é possível minorar os efeitos da crise se os países optarem pelo estímulo ao emprego e à distribuição de renda, para gerar demanda e retomar o crescimento. Os europeus, que dizem não ter margem para esta manobra, defendem o uso de recursos do FMI e uma maior austeridade fiscal. Assim, os países em desenvolvimento querem, em troca dos recursos oferecidos, um maior poder decisório no FMI. Os europeus querem dinheiro, mas não querem perder o poder. O silêncio foi a resposta dos países do G-20, quando indagados pela França, sobre quais os esforços que cada um iria fazer para resolver a crise.

A queda de braços não cessa. Em meio à crise, a União Européia deu um ultimato aos EUA e China para que aderissem ao Protocolo de Kyoto, depois de 2012, sob a ameaça de a Europa abandonar o acordo de emissão de gases. Os europeus ainda se preocupam neste momento com uma possível conspiração contra a moeda única européia arquitetada pelos EUA que, segundo analistas franceses, querem continuar sendo os donos da moeda mundial. Segundo a UE, os EUA, mesmo em uma situação pior que os europeus, desejariam manter o controle efetivo, não só sobre o continente europeu, mas também sobre a economia mundial.

Os países afetados pela crise querem liberalização total da conta de capitais por parte dos emergentes, argumentando que assim se evita o protecionismo comercial praticado atualmente. Além disso, aconselham os Brics a reduzir o ritmo de acumulação das reservas para “um nível de precaução”. Os Brics não aceitam de forma nenhuma negociar esta questão, já que o nível de reservas internacionais serve como um colchão amortecedor em épocas de crise. Na verdade, a grande preocupação é com os US$ 3,2 trilhões das reservas chinesas.

Todos concordam que os emergentes já estão sendo afetados pela crise. A Europa e os EUA são responsáveis por 1/3 do comércio da Ásia, por exemplo, e segundo o órgão, o PIB da região deverá crescer 6,3%, este ano, contra 6,8% na previsão anterior. A China, já apresenta sinais de desaceleração. A queda no ritmo de crescimento das exportações chinesas está no segundo mês consecutivo, passando de 24,5% em agosto para 17,1% em setembro. E tem trazido dificuldades para as pequenas e médias empresas, que respondem por mais de 80% dos empregos do país e por mais da metade do PIB. A restrição de crédito que o governo chinês realizou ano passado, para combater a inflação, provocou o endividamento destas empresas com o mercado negro. Quase 20% do total do crédito no país correspondem a empréstimos de agiotas, de financeiras que reúnem capital de magnatas e de bancos estatais.

Segundo estimativas, há pelo menos US$ 600 bilhões de créditos podres no país e dados da Bloomberg dão conta de que, dos 15 incorporadores imobiliários mais endividados do mundo, 14 são chineses. O governo chinês está comprando ações dos bancos estatais para tentar injetar confiança no setor bancário e barrar a desaceleração.

No Brasil, a economia mostra sinais de desaceleração. No primeiro trimestre houve crescimento de 1,2%, no segundo 0,2% e no terceiro a previsão é zero ou até negativo. O Ministério da Fazenda vai divulgar a projeção de crescimento do PIB para este ano, rebaixando-a de 4%, para 3,8%. Esta é a última revisão da projeção do ano que se iniciou com 5%. O Banco Central estima uma taxa de 3,5% e a maioria dos analistas acredita que o PIB crescerá apenas 3%. Mas, segundo Mantega, o governo está no “controle”: “Esperamos que a atividade vá se acelerar no quarto trimestre, a economia brasileira tem condições de acelerar, se o governo quiser...”. Fica claro que o ministro acredita controlar a economia e que a crise econômica, fenômeno intrínseco ao capitalismo, pode ser debelada pelos seus atos.

Nunca é demais relembrar uma frase de Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, Banco Central americano: “...Sempre argumentarei que a política monetária é eficaz, a política fiscal sob certas condições é eficaz, mas nunca diria que as melhores políticas monetária e fiscal eliminarão um ciclo econômico. Elas não o farão...”.

2011 mostrou que Greenspan estava certo, mas Mantega ainda não aprendeu a lição.



[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e crise na economia brasileira. (www.progeb.blogspot.com)

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sábado, 15 de outubro de 2011

O “Prêmio Nobel de Economia”

Semana de 03 a 09 de outubro de 2011

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Thomas J. Sargent e Christopher A. Sims foram laureados com o Prêmio SverigesRiksbank de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, ou, como é conhecido, “Prêmio Nobel de Economia”. Suas pesquisas se concentraram na identificação da relação de causa e efeito entre as políticas econômicas e a atividade econômica. Segundo o comunicado, eles “desenvolveram métodos para as numerosas perguntas sobre as relações de causalidade entre a política econômica e diferentes variáveis macroeconômicas como o PIB, a inflação, o emprego e os investidores”. Este título, porém, é concedido pelo Banco Central Sueco e a premiação é paga por ele. Isto porque o “Prêmio Nobel de Economia” não é reconhecido pela Família Nobel, que desde 1968, proibiu a criação de outros “Prêmios Nobel” de áreas que não foram criadas pelo próprio Alfred Nobel.

Voltando ao Prêmio de Economia de 2011, podemos encontrar nas pesquisas de Sargent e Sims teorias acerca da influência do governo sobre a economia. Dentre as possíveis medidas de política econômica (que fazem parte do conjunto de influências), existem as chamadas políticas anticíclicas, que têm como função, atualmente, eliminar os efeitos da crise econômica sobre os principais problemas macroeconômicos: desemprego, inflação, dívida pública, etc. Mas disto a gente já sabe. Sabemos também qual o efeito causado por tais medidas: o déficit estratosférico dos EUA e dos PIIGS. Além disso, alertamos para a possível catástrofe que a ajuda dos Estados, por meio de outros Estados, pode causar.

O fato para o qual queremos chamar a atenção agora é o de que, apesar de toda intervenção, o Estado capitalista não tem a capacidade de eliminar os efeitos das leis do sistema, pois não age sobre suas causas. Mas nem poderia, caso contrário estaria eliminando o próprio capitalismo.

No modo de produção em que vivemos, a circulação da riqueza se distingue das anteriores, dentre outras coisas, pelo objetivo final da produção. A humanidade se organizou espontaneamente, de várias formas, para produzir e distribuir suas riquezas e, até antes do nascimento do capital, todas estas formas visavam a manutenção dos próprios indivíduos.

Mas, graças ao desenvolvimento do conhecimento científico, se tornou possível ao homem se manter sem se preocupar com a reprodução da espécie. O capitalismo surgiu deste contexto, na medida em que a produção e a circulação das riquezas deixaram de ter como objetivo a satisfação dos indivíduos e passaram a depender da obtenção, ou não, de lucro, juros e rendas. A essência da circulação da riqueza, desde a Revolução Industrial, é a apropriação privada do que podemos chamar de valor. É o valor sob a forma de lucro, dividendos, juros, etc. que move o mundo, desde então. Exemplo disto é a quase falência da General Motors, que, no início da crise atual, pretendia fechar suas portas, não por produzir veículos de má qualidade, mas porque a produção dos veículos deixou de ser lucrativa.

Além disso, é também o valor quem determina o comportamento das pessoas, já que é por meio delas que os fenômenos econômicos se manifestam (se não fosse através do capitalista, o investimento e o capital não poderiam existir). O desespero atual dos banqueiros e dos “analistas do mercado” diante da possibilidade de calote dos Estados e a perda do hospedeiro para parasitar é também exemplo disto. Para completar nosso quadro, dentre outros determinantes, quem detiver maior parte da substância motora da ação humana, a riqueza, terá também maior parte do poder político. Sendo assim, não podemos esperar que o Estado acabe com as características do sistema atual, pois ele é um reflexo do domínio econômico. Pelo contrário, ele vai fazer de tudo para que a situação se mantenha a mesma, já que os governantes querem se manter no poder. Isto foi o que vimos na reação dos governos diante da crise: aumento de impostos, redução dos salários, empréstimos às empresas, etc.

Mas, não é simplesmente uma questão do Estado querer mudar a economia. Na realidade a produção e a distribuição de riqueza são atos sociais, só ocorrem por meio da cooperação/divisão do trabalho. Isto torna os indivíduos parte de uma engrenagem que determina seu comportamento e que existe antes mesmo deles nascerem.

Caso a sociedade, como um todo, não mude a forma como produz e distribui sua riqueza, ou seja, mude as relações de produção, as mazelas enfrentadas por todos nós serão as mesmas e nem todos os ganhadores do “Prêmio Nobel de Economia”, juntos conseguirão alterar os resultados.



[i] Mestre em Economia, professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.).

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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Há almoço grátis. Para a banca

Folha de São Paulo: 11 outubro de 2011 CLÓVIS ROSSI

Há almoço grátis. Para a banca


O banco Dexia errou duas vezes, mas nem por isso os governos deixam de socorrê-lo com novo pacote


E lá vem de novo o sétimo de cavalaria para salvar não os mocinhos, mas os bandidos, digo os banqueiros. No caso, é o Dexia, o conglomerado franco-belga-luxemburguês, a ser socorrido -pela segunda vez- pelos governos dos três países.

Na prática, é o exato inverso do slogan "Ocupe Wall Street" que ganha adeptos nos EUA. O que os governos estão fazendo é financiar Wall Street ou, no caso específico do Dexia, a Place Rougier de Bruxelas, onde fica a sede central do banco.
É um claro desafio à regra básica do capitalismo, a de que "não há almoço grátis". Para a banca, não há apenas almoço grátis, mas também janta.

Afinal, o Dexia já havia sido socorrido em 2008, com imponentes € 6 bilhões. É um pouco menos do que os € 8 bilhões que a Grécia é obrigada a mendigar para poder pagar os salários de outubro de seus funcionários, entre outras contas, e que compõem a última fatia do crédito concedido por União Europeia/FMI para resgatar o país.

Diferença fundamental: o crédito à Grécia está amarrado a duríssimas condições que, entre outras tragédias, levaram a um aumento de 40% no número de suicídios nos cinco primeiros meses de 2011, na comparação com 2010. Uma linha telefônica para desesperados dispostos ao suicídio passou a receber mais de 100 chamadas por dia, quando a média normal era de 10.

Não consta que algum banqueiro tenha tentado o suicídio. Já estou até ouvindo o resmungar dos economistas de bancos e de seus amigos na mídia me acusando de demagogo por fazer esse tipo de comparação. Sacarão do coldre, como é de praxe, o argumento maroto de que banco não pode quebrar porque seria um prejuízo para todo o mundo, inclusive para suicidas em potencial.

Não se trata de pregar a estatização do sistema financeiro global, até porque banqueiros a soldo do Estado não pecam menos -nem mais- que os banqueiros privados. O problema está na recorrente estatização dos prejuízos, como ocorre agora no caso do Dexia, e na privatização do lucro. Assim até eu quero ser capitalista.

Não faz sentido o Estado ajudar a banca e não assumir o controle da gestão. Acaba sendo um convite para que os erros que levaram ao primeiro auxílio governamental se repitam e obriguem a um segundo pacote, como acontece com o Dexia.

Tampouco faz sentido permitir que bancos que só não quebraram porque entrou dinheiro público, na crise de 2008, continuem pagando salários e bônus obscenamente altos para os executivos que os arruinaram. Deveriam responder com o seu patrimônio pelos prejuízos.

Menos mal que duas figuras políticas relevantes estejam cobrando algo parecido. A presidente Dilma Rousseff, que quer que o G20 adote regulação estrita para o "descontrolado" sistema financeiro, e o presidente do Partido Social Democrata alemão, Sigmar Gabriel, para quem a palavra de ordem deve ser: "Nenhum centavo do Estado para salvar um único banco, a menos que aplique reformas profundas em seu modo de operar". Para Gabriel, a crise bancária está colocando para o mundo uma escolha entre "democracia ou o domínio das finanças". O que você escolhe?

crossi@uol.com.br

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sábado, 8 de outubro de 2011

Dólar sobe, real desce

Semana de 26 de setembro a 02 de outubro de 2011

Nelson Rosas Ribeiro[i]

De repente, lá se vai o real ladeira abaixo. Logo após a histórica e inesperada redução de 0,5% da taxa Selic, pelo Copom, e da divulgação da ata da reunião, começou o pânico: o dólar subiu sua cotação em reais e, consequentemente, a moeda nacional iniciou o seu processo de desvalorização. Como é possível se, ao que dizem as autoridades, a economia mundial está em crise, mas o Brasil não. Afinal, os fundamentos de nossa economia são robustos, e temos muita munição para enfrentar a catástrofe se ela por cá aparecer.

Estamos diante de mais uma prova do grau de manipulação do “mercado”, que opera criminosa e impunemente dentro das bolsas de valores onde se reúnem as mais inescrupulosas quadrilhas de assaltantes que sugam o suor e o sangue da humanidade. Além da redução de 0,5%, o Copom apontou para a possibilidade de novas reduções futuras. Com isto, instalou-se o efeito manada.

Mas, que relação poderia haver entre a redução dos juros e a cotação do câmbio?

Para nós, humildes mortais, a relação não parece lógica. O nível dos juros afeta a procura de empréstimos. Quanto mais elevados os juros, menor é o estímulo à produção e ao consumo. Quanto à taxa de câmbio, em um país que adota “a absoluta liberdade de movimento de capitais e o sagrado regime de flutuação imaculada” (nas palavras de Delfim Neto), o problema resume-se à lei da oferta e da procura. Se a procura por dólar aumenta e a oferta não acompanha, a moeda sobe de preço, isto é, o real se desvaloriza.

Mas, qual terá sido o motivo que fez a procura disparar, em poucos dias, fazendo o dólar passar, do nível de 1,60, para 1,90?

Pelo que se sabe, a balança de pagamentos vem tendo o comportamento habitual, com os déficits de praxe, e a balança comercial também mantém seus superávits. Tanto a entrada como a saída de divisas do país continuam dentro da normalidade.

De onde virá o temor que abala os “mercados”?

Ele é fruto dos movimentos dos capitais especulativos. A ameaça de sucessivas reduções na Selic apavorou os capitais que para cá vieram em busca da diferença de juros, provocando a necessidade da reconversão de reais em dólares, visando o seu retorno. Por outro lado, os agentes econômicos, que jogavam com a valorização do real, diante da iminente desvalorização, correram para passar das posições vendidas (operações em que se vendem dólares para entrega futura), para as posições compradas (quando se compra agora para recebimento futuro). Anteriormente, os bancos, apostando na valorização do real, procuravam aumentar suas carteiras de vendas de dólares para entrega futura. Com estas operações os agentes vendem, a preços atuais, dólares que não possuem, e quanto tiverem de fazer a entrega, posteriormente, compram-nos a preços mais baixos, embolsando a diferença.

Inesperadamente, a mudança da política do Banco Central (BC) trouxe o medo da valorização da moeda estrangeira o que levou todos, em manada, a tentarem comprar o máximo, antes que a cotação subisse, passando às posições compradas. Acrescente-se a isto o aumento da demanda para remessa de lucros e dividendos das empresas estrangeiras, pressionadas pela necessidade de liquidez em suas matrizes, e a antecipação de compras por todos os que tinham compromissos em dólares, ou pretendiam viajar para o exterior, e estará completo o quadro que vem provocando a valorização absurda da moeda americana.

O setor industrial festeja a valorização, pois melhoram as condições de competição, embora ainda não seja o bastante para compensar as perdas sofridas. O embaixador brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC) Roberto Azevedo afirmou, em um seminário, que entre 2001 e 2008 a valorização do real foi de tal ordem que, para ser compensada, exigiria uma tarifa de importação de 180%.

Aliás, o real valorizado vinha favorecendo as importações que abasteciam a forte demanda do mercado interno, que vinha sendo empurrada pela política de distribuição de renda, pelo aumento do nível de salários e do emprego. Desse modo, o efeito de estimulo à produção, que a política econômica desenvolvimentista criava, era transferido para fora do país, favorecendo outras economias, como a chinesa. Para reverter a situação, o governo deu uma grande reviravolta na política econômica aumentando os impostos, que incidiam nas vendas de veículos com menos de 65% de nacionalização, e agora pretende estender esta medida às máquinas adquiridas através do Pronaf e aos notebooks. As indústrias de calçados e têxteis passaram também a ter um incentivo através da vantagem de 8% nos preços, nas licitações feitas pelo estado.

Enquanto o governo procura defender a economia do país, a crise desaba lá fora com violência cada vez maior. O iminente colapso do banco franco-blega DEXIA, revela a debilidade do sistema bancário que está à beira da falência.

Mais uma a vez, a solução que se procura adotar vai na direção de proteger o capital financeiro, aumentando a liquidez dos bancos, e jogando sobre o povo o rigor das medidas de contenção que provocam desemprego, redução de salários e do consumo, e a desaceleração da economia. A situação vai provocar cada vez mais revoltas que deverão ser reprimidas com violência aumentando os conflitos sociais.

Este á o quadro que o futuro nos reserva. Preparemo-nos então.



[i] Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Em época de crise, todos são keynesianos

Semana de 19 a 25 de setembro de 2011

Rosângela Palhano Ramalho [i]

Caro leitor.

Há duas semanas, quando o Copom resolveu promover a queda da taxa básica de juros alegando que a economia mundial enfrentaria uma recessão, a celeuma foi geral. Mas, desde aquela decisão, a conjuntura internacional só se agrava.

Uma nova série de indicadores, divulgados esta semana, tem reforçado o cenário alarmante para a economia européia. O índice de gerentes de compras para a região caiu de 50,7 pontos, em agosto, para 49,2, em setembro, atingindo a faixa técnica de contração da atividade econômica que acontece quando o índice é menor que 50 pontos. O indicador de novas encomendas também perdeu fôlego no terceiro trimestre.

Prevendo anos de estagnação, a Itália divulgou novas projeções de crescimento. Em 2011, a economia italiana crescerá aproximadamente 0,7%. Para os dois anos seguintes, o crescimento não ultrapassará 1%, fechando em 0,6% em 2012 e 0,9% em 2013.

A situação da Grécia continua a mesma e os trabalhadores gregos realizaram um novo protesto contra as medidas de austeridade fiscal implantadas como condição para o recebimento da última parcela do pacote de ajuda externa. Houve cortes de pensões e salários do setor público. O (de) crescimento da economia grega ficará em torno de 5% este ano.

A Autoridade Bancária Européia (ABE), supervisora do setor bancário na região, detectou que 16 bancos precisam urgentemente obter recursos para recapitalização. As instituições, inicialmente, devem buscar fundos no setor privado, e já começaram a corrida à Ásia para tomar emprestado de indivíduos e empresas. Enquanto isso, os governos europeus admitem a possibilidade de usar o fundo de estabilidade financeira européia de € 440 bilhões, para socorrer os bancos e garantir a estabilidade econômica do bloco.

Nem a tão falada ajuda dos Brics à Europa faria diferença na debilitada economia. Segundo o Deutsche Bank, se a China investir os € 150 bilhões de euros em títulos europeus, conforme o prometido, este montante não representa nem a metade do refinanciamento necessário aos PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) que gira em torno de € 730 bilhões.

Nos Estados Unidos, o Conference Board divulgou o índice de indicadores antecedentes que subiu apenas 0,3%, em agosto, comparado a julho, e embora os pedidos de seguro-desemprego tenham caído em 9.000, em agosto, não foram criados novos postos de trabalho.

Tentando estimular a economia, o Federal Reserve lançou a “Operation Twist” que incluiu até 2012, a compra de títulos de longo prazo no valor de US$ 400 bilhões. Por outro lado, o presidente Obama lançou um pacote que, ao longo de 10 anos, pretende reduzir o déficit orçamentário americano em mais de US$ 3 trilhões. Entre as novas medidas adotadas estão o aumento do imposto de renda para as classes mais abastadas e cortes de benefícios sociais. O presidente americano mandou um recado aos insatisfeitos, enfatizando que as medidas não acentuam a guerra de classes, mas seria simplesmente uma questão de matemática.

Enquanto cada país busca soluções internas para as finanças públicas, tentando atenuar os efeitos da crise, o G-20 defendeu, em sua reunião, “ações coletivas” e sugeriu que os países assegurem a liquidez financiando os mercados e garantindo o correto funcionamento dos sistemas bancários.

A presidente Dilma, em discurso na Assembléia Geral da ONU, afirmou que a saída para a crise ainda não foi encontrada “por falta de recursos políticos, e, algumas vezes, de clareza de idéias”. E, dando conselhos, completou: “Os países mais desenvolvidos precisam praticar políticas coordenadas de estímulo às economias extremamente debilitadas pela crise.”

Até o FMI, quem diria, defendeu o uso de políticas keynesianas para combater a crise. Segundo Cristine Lagarde, chefe da instituição, as economias desenvolvidas deveriam lançar estímulos fiscais para se recuperarem da crise, pois, “sem uma arrojada ação coletiva, há o risco de as maiores economias irem pra trás.”

O fato é que a realidade comprovou, mais uma vez, a impossibilidade dos “mercados” se “auto-ajustarem” e promoverem o “equilíbrio de pleno emprego” e, mesmo com as economias debilitadas pelos altos níveis de endividamento público, em épocas de crise parece não restar alternativa: todos são keynesianos.



[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e crise na economia brasileira. (www.progeb.blogspot.com)

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