terça-feira, 25 de março de 2014

O abismo econômico e os juros do Brasil



Semana de 17 a 23 de março de 2014


Rosângela Palhano Ramalho[i]

            Caro leitor. A economia brasileira “não está à beira do abismo”. Ufa! É o que diz Paul Krugman, economista renomado em visita ao Brasil. O país que ficou de joelhos com a visita de Lisa Schineller (quem?) vai sobreviver à crise, assim como todos os outros. Mesmo que as agências estrangeiras de rating (aquelas que avaliam os riscos dos países) rebaixem a nota do Brasil, o mundo não vai acabar por causa disso e um acontecimento é certo: sobreviveremos a elas. Dentre os emergentes, segundo Krugman, o foco não deveria estar no Brasil já que, a China, é quem está em permanente desequilíbrio. Se o gigante chinês tombar, teremos problemas, já que exportamos para lá commodities e o peso deste item é duas vezes maior que o peso das exportações de manufaturados. Mas, o leitor assíduo da nossa análise já sabia disso.
            Claro que o governo brasileiro pode amenizar os efeitos da crise ou simplesmente agravá-los. Vimos, acompanhando a gestão de Dilma e testemunhamos todos os esforços possíveis e inimagináveis que foram feitos para fazer repetir o PIBão de 2010. Mas, com a crise mundial e a corrida ascendente dos juros, tem sido impossível repetir o feito.
            Nesse clima, a grande “novidade” da semana concentrou-se nas especulações sobre a próxima decisão do Copom. Bastou o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ir à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) para que o “mercado” ficasse em polvorosa. A autoridade monetária logo anunciou a escalada do preço dos alimentos. Esta alta, provocada pela seca, foi detectada através da divulgação da segunda prévia do IGP-M de março que registrou inflação de 1,41%, puxada pelos preços dos alimentos no atacado e também pelo IPC da Fipe, que, na segunda quadrissemana deste mês, subiu 0,68%, com os alimentos respondendo pela metade da variação.
            Sobre esta questão, foram estas as palavras de Tombini: “Em princípio, trata-se de um choque temporário e que tende a se reverter nos próximos meses. Mesmo assim, a política monetária deve atuar de modo a garantir que os efeitos desse choque se circunscrevam ao curto prazo”. Os analistas do português e das mensagens subliminares do Banco Central, logo se puseram a “decifrar” o comunicado, desta vez, oral, da autoridade monetária. Conclusão: fica em aberto o fim do ciclo de aperto monetário. Outra frase dita reforça esta conclusão: “em momentos como o atual, a política monetária deve se manter especialmente vigilante, de modo a minimizar riscos de que níveis elevados de inflação persistam no horizonte relevante para a política monetária”.
            Os termos atuação e vigilância deram o tom do discurso de Tombini. O “mercado” feliz comemora a provável elevação dos juros e elogia a independência do Banco Central. Antes mesmo do término da fala de Tombini, as perspectivas sobre o juro futuro começaram a subir. Prestes a comemorar um ano, o arrocho monetário deve continuar e a expectativa é de uma nova elevação dos juros em 0,25 pontos percentual, o que nos manterá no pódio de economia com os maiores juros do mundo e local mais atrativo para especular.
            O curioso é que, mesmo considerando a elevação do preço dos alimentos, que seria temporária, fato que logicamente provocaria uma inflação de oferta, o Banco Central continuará a usar o aumento da taxa de juros como remédio para evitar que esta alta se dissemine para o restante da economia. O purgante usado para combater a inflação de demanda, também combate a de oferta embora comprometa seriamente o crescimento, já débil, da economia brasileira.
            Tombini ainda frisou que a política de juros altos tem efeitos retardados e cumulativos, por esta razão, a resposta dos preços ainda não aconteceu. Esta observação contradiz o novo aperto. Parece-nos mais sensato que o Banco Central espere a manifestação dos efeitos antes de divulgar uma nova decisão. E se não há nada que nos condene por termos uma inflação fora do centro da meta, segundo o próprio Tombini, a decisão torna-se ainda mais insensata.
            Mas lembre, caro leitor, que a instituição está sob os olhares inquisidores do “mercado” e de um batalhão de Lisa’s. E se estes forem contrariados, o discurso inflamado de que o Banco Central não é independente e não é claro em seus comunicados, retorna.
            E o crescimento? Que crescimento?



[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)
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quarta-feira, 19 de março de 2014

Um país de joelhos



Semana de 10 a 16 de março de 2014

Nelson Rosas Ribeiro[i]

Ela vem aí! Tremei, senhores! Preparei vossas bundas que Lisa acaba de chegar e com a schinella na mão. È visível o nervosismo geral. Correm esbaforidos ministros, secretários, diretores, funcionários (até o encarregado do cafezinho). O governo está em polvorosa. Mas, quem será a Lisa? Garanto que não é a presidenta dos EUA, nem a secretária geral da ONU, nem a generala comandante das forças atômicas da OTAN, nem uma ET que aterrou distraída. Então por que ela põe um país de joelhos?
Por mais inacreditável que pareça, e para vergonha nossa, Lisa Schineller é uma reles economista da agência de rating Standard & Poor’s que vem “dissecar as contas do Tesouro” e “conversar” com as autoridades locais ameaçando rebaixar a classificação do Brasil, de BBB e retirar o “grau de investimento” que nos concederam desde 2008. Como os leitores sabem, existem três grandes agências que fazem a classificação do risco que os países apresentam para pagar seus compromissos: a Fitch (que já enviou seus fiscais) a Moody’s (que os enviará em abril) e a Standard & Poor’s que se encontra em pleno processo de fiscalização comandada pela temida Lisa. Aos pés dessa senhora derrete-se o ministro Mantega e toda a sua equipe prestando contas do dever de casa realizado. O Banco Central também é chamado à ordem. Seu presidente, o Tombini, Insaciável, Schineller continua seu périplo por Brasília, São Paulo e Rio ouvindo economistas, banqueiros, executivos, diretores de empresas e do setor financeiro. Nem a Petrobrás e o BNDES escapam das schinelladas da madame.
Esta é uma demonstração do poder do capital financeiro. É preciso dar garantias aos especuladores que todos continuarão pagando os juros a fim de obter novas esmolas. Temos um país vergonhosamente de joelhos ante o novo deus do planeta. Estamos todos pagando as penitências e prometendo um bom comportamento futuro para que, uma empresa de idoneidade duvidosa, não rebaixe a classificação do país.
Enquanto oramos e trememos o velho mundo continua a sua marcha. Nos Estados Unidos, o novo vice-presidente do Federal Reserve (Fed) banco central americano, Stanley Fischer, recomenda a manutenção de uma política monetária expansionista para não prejudicar a claudicante recuperação. No Japão, com medo da recente elevação do IVA (imposto sobre valor acrescentado), de 5% para 8%, o BC manteve a compra de ativos no valor de 60 a 70 bilhões de ienes, apesar do volume em carteira já ultrapassar um trilhão de ienes. Na Itália, o novo primeiro ministro Matteo Renzi sinaliza para o fim da austeridade, provocando irritação nas autoridades da Comissão Europeia que exigem o cumprimento dos compromissos assumidos. Na China, a situação continua a agravar-se com a desaceleração de todos os setores da economia nos dois primeiros meses do ano e o primeiro caso de insolvência de uma empresa incapaz de pagar US$ 14,7 milhões de juros de empréstimos contraídos. Suspeita-se que este será o primeiro de uma sucessão de outros estouros pois as dívidas das empresas e governos locais ultrapassam centenas de bilhões de dólares. As consequências espalham-se pelos mercados da Ásia com a venda precipitada de ações das empresas chinesas e queda nos preços das commodities que o país importa.
Resumindo tudo isto, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE) divulgou sua previsão sobre a desaceleração das economias dos emergentes e a expansão moderada da economia mundial. O Banco Internacional de Compensações (BIS) alertou para o perigo da elevação das taxas de juros nos emergentes (conselho que nosso BC não ouviu) ao mesmo tempo em que chamou a atenção para o montante global dos títulos de dívidas que já ultrapassa os US$ 100 trilhões, 42% maior que em 2007. Cálculos feitos pelo Instituto Internacional de Finanças (IIF) mostram que a dívida total do mundo, incluindo os setores públicos e privados, chega a US$ 223 trilhões, ou seja, 313% do PIB mundial.
No Brasil a produção industrial continua a rastejar e, em ano eleitoral, a presidente Dilma vem sendo pressionada a fazer uma política econômica de austeridade.
E no meio disto tudo, e das chantagens políticas, ela precisa ganhar as eleições!


[i] Professor Emérito da UFPB e Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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quinta-feira, 13 de março de 2014

Quando o gigante chinês tombará?



Semana de 03 a 09 de março de 2014


Rosângela Palhano Ramalho[i]

            Caro leitor. Mal conseguimos vislumbrar a recuperação da atual crise da economia mundial, e já há rumores de que um novo problema está prestes a eclodir. Não cessam as notícias relacionadas à desaceleração da economia chinesa e em particular, do seu problemático sistema financeiro.
            Este ano, espera-se uma taxa de crescimento para a China próxima a 7,5%, o mesmo número do ano passado. Vale ressaltar que a média do crescimento chinês dos últimos 30 anos foi de 9,9% anuais. Os altos níveis de crescimento observados neste país têm provocado sérios problemas estruturais como o excesso de crédito, alta utilização da capacidade na indústria, altos níveis de poluição e elevado êxodo rural, problemas que condicionaram o governo chinês a pôr o pé no freio. Mas, o freio não será tão grande. O governo, segundo declaração oficial no 14º Congresso Nacional do Povo, tentará garantir os 7,5% e tolerará um mínimo de até 7,2%.
            A desaceleração na China certamente reduzirá os números do comércio global e o crescimento mundial, já que o país ocupa o primeiro lugar no ranking mundial em termos do volume de comércio, além de ser a segunda maior economia.
            Associado à questão da desaceleração está outro problema: o sistema financeiro chinês. O país que, como todos os demais, para fugir dos efeitos da crise, injetou recursos na economia, sofre uma expansão violenta do crédito e convive com o crescimento de um monstro: o sistema financeiro paralelo.
            Os meios de pagamento em conceito amplo, chamado M2 e que inclui aplicações financeiras, títulos do governo, poupança e depósitos à prazo, além do dinheiro em poder do público, alcançaram 110,7 trilhões de yuans, ou US$ 18 trilhões, quase o dobro do PIB do país, em 2013. A China então passou a limitar o papel dos intermediários financeiros dos bancos comerciais. A medida acabou estimulando o crescimento do setor bancário não regulamentado e como as pequenas e médias empresas não conseguem crédito formalmente, o setor financeiro paralelo não para de crescer.
            A taxa de juros que remunera estes empréstimos, como é de se esperar, é bastante alta, chegando em média a 10%. Como muitas empresas, principalmente as do ramo imobiliário estão financiando suas atividades no setor paralelo, cresce a inadimplência e os riscos de uma “bolha” financeira. Dados mostram que pelo menos 250 empresas apresentam uma relação dívida/patrimônio maior que 200%, sendo que em 65 delas, esta relação ultrapassa 400%.
Outra realidade pode reduzir o pânico em relação à possível crise chinesa. A recuperação das economias dos Estados Unidos e da Europa, se garantida, revigoraria a demanda externa, o que elevaria as exportações chinesas em mais de 10%, em 2014. Tal condição garantiria o crescimento do PIB deste ano, entre 7,5% e 8%.
            Num mundo em que a economia é globalizada, globalizados também são os seus problemas. Impossível partilhar a opinião de alguns economistas brasileiros de que a nossa pífia taxa de crescimento seja culpa exclusiva das irresponsabilidades do governo. Nenhuma das economias afetadas pela crise se recuperará, sem que haja a recuperação americana e europeia. Basta para isso olhar os efeitos mundiais do “tapering” dos Estados Unidos e da desaceleração chinesa.
            Mas a emissão desenfreada de papéis que é feita no mercado financeiro, a intervenção governamental de crédito realizada por todas as economias afetadas pela crise, a desaceleração econômica da China e sua “bolha financeira” lançam dúvidas de como a economia mundial se recuperará. Por causa destas questões, alguns analistas já consideram a proximidade de uma nova crise, que pode vir novamente das bolhas financeiras geradas no período pós-crise.
Segundo o economista francês François Chesnais, “as sementes de uma nova crise estão postas”, garantidas principalmente pela alta desregulamentação do sistema financeiro mundial. A prevalecer esta opinião, a situação chinesa é que está mais propícia para impulsionar tal processo.
            Será que o gigante chinês tombará?


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)
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quarta-feira, 5 de março de 2014

PIB de 2013 e eleição de 2014



Semana de 24 de fevereiro a 02 de março de 2014


Lucas Milanez de Lima Almeida[i]

            Nas vésperas do carnaval saiu o dado oficial do Produto Interno Bruto brasileiro do ano passado. O esperado era um crescimento de 2,2%, mas, surpreendentemente, o PIB cresceu ainda mais: “incríveis” 2,3%. Este 0,1% foi motivo de muita alegria por parte dos integrantes do governo, especialmente para a “presidenta Lula”, segundo as palavras da Ministra do Planejamento, Miriam Belchior, na cerimônia de anúncio do corte de R$ 44 bilhões no orçamento de 2014.
            Por falar em Lula, um espectro ronda o Planalto Central. Muitos analistas políticos falam de um movimento nos bastidores para o retorno dele ao pleito deste ano. Dois seriam os motivos: o PIBinho da Dilma e a sua postura muito à esquerda no gosto do “mercado financeiro”. O PIB não é culpa só dela, mas em parte, da fase atual do desenvolvimento em ciclos do capitalismo. Já a tentativa de reanimar a economia por meio da redução dos ganhos financeiros com juros, é sim culpa dela e de sua equipe econômica.
            Graças à fase de ascensão do ciclo econômico global, que foi de 2003 a 2008, o crescimento médio do PIB brasileiro durante os governos Lula foi de 4%, enquanto a taxa média de juros de referência, dada pela Selic, foi de 15,5%. Ao fim do mandato, a Selic estava num patamar de 10,75%, depois de ter caído a 8,75% na reação à crise em meados de 2009. No primeiro mês do mandato da presidenta Dilma, os juros foram elevados dos 10,75% para 11,25%, até atingir o teto de 12,5%, em julho de 2011. A partir daí começou a descida dos juros, pois, apesar do crescimento de 7,5% em 2010, a crise econômica ainda não havia passado completamente. O resultado foi o seguinte: a Selic atingiu o menor patamar da história entre outubro de 2012 e março de 2013, apesar da taxa de 7,25% ainda ter sido uma das maiores do mundo, na época (a maioria dos bancos centrais colocaram suas taxas abaixo de 2%).
            Mesmo com todo o esforço da presidenta, a taxa de crescimento do PIB, em seus três anos de mandato, foi a metade da que conseguiu seu antecessor. Diante disto, um dos principais trunfos para a reeleição de Dilma Rousseff seria a redução da Selic a um patamar simbólico: menor do que uma dezena. Este era seu legado econômico, já que o PIB não tinha mais jeito. Outro problema, porém, apareceu: a inflação medida pelo IPCA. Como vimos em análises passadas, a teoria oficial que fundamenta a política econômica tem apenas um remédio para a alta dos preços, a saber: a elevação da taxa de juros. Assim, o Banco Central resolveu não agradar a presidenta, mas convencer o mercado de sua independência, e elevou, na última reunião, a Selic a um patamar de 3 anos atrás, 10,75%.
            Entre 1999 e 2002, no segundo mandato de FHC, o IPCA registrou um aumento médio de 8,8%, enquanto a Selic média foi de 20,1% e o crescimento médio do PIB foi de 2,2%. No primeiro governo Lula (2003-2006), o índice médio oficial de crescimento dos preços foi de 6,4%, enquanto a Selic média foi de 18,9% e a elevação média do PIB foi de 3,5%. No segundo mandato do PT (2007-2010) o IPCA cresceu em média de 5,1%, a Selic média foi de 11,1% e o crescimento médio da economia foi de 4,6%. Já nos três primeiros anos do governo Dilma o crescimento médio dos preços foi de 6,1%, a Selic ficou em média a 9,5% e o PIB cresceu em média 2%.
            Não é que a inflação tenha galopado, ou algo do tipo, mas o “mercado” já não confia mais na equipe econômica, muito menos no Ministro da Fazenda, que teve sua saída pedida por muitos e até mesmo pelo Financial Time: “Guido Mantega, o ministro da Fazenda, há muito perdeu a consideração por parte dos investidores. Substituí-lo por um nome pró-mercado poderia fazer maravilhas”, disse o editorial de 26 de fevereiro do corrente ano. Na verdade, este é um ponto que se apresentará como fundamental aos candidatos à presidência do Brasil: a conquista do “mercado financeiro”. Poucos são aqueles que criticam os programas sociais do PT. Porém, muitos são os descontentes (principalmente do setor financeiro) com a situação econômica do Brasil.
            O resultado do PIB de 2013 ainda não é suficiente para dar a Dilma uma imagem positiva diante dos empresários. Porém, não podemos atribuir exclusivamente a ela este resultado pífio, mas à dinâmica mundial. Talvez seu principal problema tenha sido confrontar interesses de um bloco que atualmente domina a economia internacional.
            Não podendo ser a presidenta do “PIBão”, tentou inutilmente ser a presidenta da “Seliquinha”.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)
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