terça-feira, 20 de setembro de 2016

Confiança x realidade

Semana de 12 a 18 de setembro de 2016

Rosângela Palhano Ramalho[i]

Caro leitor, esta semana foi agitada. Começou com um placar de 450 a 10. A Câmara dos Deputados finalmente cassou, na segunda 12/09, o mandato de Eduardo Cunha. O agora ex-deputado ameaça jogar tudo no ventilador com um acordo de delação premiada que ele nega veementemente estar negociando. Como se não bastasse, promete ainda, escrever um livro contando os bastidores do impeachment.
E na quarta, 14/09, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mais sete pessoas foram denunciadas pelos procuradores da Operação Lava Jato pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. A imprensa foi convocada e o procurador Deltan Dallagnol detalhou a denúncia com uma apresentação em PowerPoint digna de um estudante do primeiro período de graduação. Com carência de provas concretas, a equipe concluiu que Lula é o “... comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato.” Na quinta, 15/09, Lula se pronunciou destacando as falhas da denúncia e desafiou: “Provem uma corrupção minha que irei a pé para ser preso”.
Enquanto se espera o desenrolar destes fatos, só temos boas notícias do lado subjetivo, irreal da economia. O Valor Econômico realizou uma enquete junto a 199 empresários e estes se declaram “confiantes” em relação à recuperação da economia brasileira. Diferentemente da maioria dos economistas, os empresários conseguem fazer um elo entre a ficção e a realidade. Sem ilusão, afirmam que o avanço da confiança, deve vir acompanhado de altas no nível de emprego, das vendas e dos investimentos.
Não é à toa que eles chegam a esta conclusão. A realidade econômica continua a decepcionar. As vendas no varejo restrito (exceto as vendas de veículos e material de construção) caíram 0,3%, em julho, comparadas a agosto. O varejo ampliado teve queda de 0,5%. Entre janeiro e julho, o setor já perdeu 6,7%. Com exceção dos que fazem esta coluna, a maioria dos analistas encara com surpresa o resultado, pois, afinal, as expectativas do comércio haviam melhorado e por isso, as vendas “deveriam” aumentar. Mas elas não aumentarão. O indicador da Serasa de atividade do comércio registrou recuo em agosto devido à queda das vendas do Dias dos Pais. Espera-se então, um péssimo terceiro trimestre.
O setor automobilístico registrará uma queda de 45% das vendas nos últimos quatro anos além de altíssima capacidade ociosa em 2016 (em torno de 50%).
Mesmo assim, a maioria dos economistas insiste em afirmar que o fundo do poço foi superado. O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) alerta para a ocorrência de um “falso positivo”. Ou seja, o sobe-e-desce da economia não oferece segurança sobre o processo de recuperação. E as altas taxas de desemprego, aliadas ao baixo nível de investimento e às incertezas quanto à contribuição do comércio internacional, poderão abortar o que nem começou.
Mas não devemos nos preocupar. Afinal, temos a “equipe econômica dos sonhos” (ou dos pesadelos?) que nos tirará do atoleiro. E um primeiro passo foi dado. O governo lançou em 13/09, sob a máxima de vender o que puder, um novo pacote de concessões. Serão 34 projetos de concessão e privatização nas áreas de aeroportos, portos, ferrovias, rodovias, áreas de exploração de petróleo e distribuidoras de energia. O governo sairá em “road show” para oferecê-los em Londres, na Índia, Japão, China, Espanha, Estados Unidos. R$ 30 bilhões estarão disponíveis para financiamento: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai entrar com R$ 18 bilhões e o FI-FGTS, canal de infraestrutura do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) entrará com R$ 12 bilhões. Tudo vai dar certo, conclui o governo, afinal, as empresas só terão que injetar 20% em recursos próprios e pegar o resto emprestado do BNDES a 7,5% ao ano.
Confiante, o presidente Temer declarou que o objetivo do programa é gerar emprego por meio dos investimentos feitos pela iniciativa privada, ou seja, a privataria é em beneficio dos trabalhadores.
Aguardemos. Confiança e realidade teimam em não caminharem juntas.

[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com.br) Contato: rospalhano@yahoo.com.br
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