quarta-feira, 27 de abril de 2022

Crise mundial e golpe dominam o cenário

Semana de 18 a 24 de abril de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

A guerra Rússia x Ucrânia continua a ditar os caminhos da economia mundial. Enquanto as operações militares se expandem os países ocidentais ampliam as retaliações econômicas contra a Rússia. Para os EUA é mais fácil impor tais restrições. Em relação à Europa a situação é mais complexa. Os países europeus não podem prescindir do petróleo russo e muito menos do gás e estão sendo obrigados a pagá-los em rublo o que fez a moeda voltar a valorizar-se. Isto foi reconhecido pela própria secretária do tesouro dos EUA Janet Yellen que recomendou cautela em relação ao boicote, pois as consequências não serão significativas para os russos, mas catastróficas para os próprios europeus e para o mundo. Além da desorganização do sistema financeiro mundial, o agravamento da situação poderá trazer sérias consequências para os países emergentes com o aumento do endividamento e possibilidade de calotes. A dívida total do mundo que representava 28% do PIB já subiu para 256% atualmente.

No âmbito das operações militares os russos mudaram de tática e agora concentram suas ações no leste da Ucrânia tendo dominado boa parte da costa do mar Negro e conquistado a cidade de Mariupol onde o que resta de resistência é feita pelo batalhão Azov, mercenários neofascistas financiados e treinados pelos ocidentais. Lamentavelmente os ucranianos continuam a pagar o preço do belicismo da OTAN que age sob o comando dos americanos.

As consequências para a economia mundial têm sido desastrosas. A inflação disparou, o crescimento econômico abortou, criando-se o quadro da estagflação que se espalha por todo o mundo. Está em marcha um novo realinhamento político de países e blocos. As cadeias de suprimento são desorganizadas e vem se instalando grande volatilidade nos mercados financeiros.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu suas estimativas para o crescimento do PIB mundial. Para o mundo o rebaixamento foi de 4,4% para 3,6%. Para os EUA a previsão é de 3,7%. Para a China, de 4,4%, para a Europa da zona do euro, de 2,8%, para a Ucrânia -35%. O FMI reviu também as estimativas para a inflação: 5,7% para as economias ricas e 8,7% para os emergentes. As previsões estão no “Panorama Econômico Global” onde também se afirma que a guerra é a responsável. Destaca-se ainda a contribuição do lockdown na China que vem provocando a formação de gargalos nas cadeias de suprimentos globais e a elevação dos preços dos combustíveis e alimentos. Em outro documento do FMI, o “Global Relatório de Estabilidade Financeira” é feito um alerta para a ameaça à estabilidade financeira na economia global e o aumento da inflação que obrigará os Bancos Centrais (BCs) a uma elevação dos juros para o campo restritivo. É destacado o papel do Federal Reserve (Fed.) banco central americano e do aperto monetário por ele programado que provocará grandes fugas de capitais dos países emergentes. Que objetivos escusos a burguesia internacional pretende atingir a tal preço?

Para agravar a situação a epidemia do covid-19, que parecia ultrapassada, ressurge em nova onda na China provocando medidas severas de lockdown. Só em Xangai 25 milhões de pessoas foram afetadas. As consequências são sentidas no congestionamento dos portos e na movimentação de contêineres com repercussão no preço dos fretes.

A situação externa contribui para o agravamento dos problemas aqui dentro. O aumento da inflação vem provocando a elevação dos juros pelo Banco Central que promete novas elevações da Selic. A conjugação de juros e inflação provoca a queda na renda com o aumento da inadimplência de consumidores e empresas. A situação econômica do país se agrava. Acossado o presidente Bolsonaro arremete contra tudo e contra todos. Elegeu o STF como inimigo principal deflagrando dois conflitos: decretou a “graça” para anular a condenação do deputado Silveira e incitou o choque das forças armadas com o ministro Barroso por causa de declarações deste em um seminário na Alemanha. Há ainda outro atrito por causa das gravações do STM sobre as torturas no golpe de 64 que provocou novos pronunciamentos golpistas dos generais de pijama.

Com a derrota eleitoral no horizonte é duvidoso se chegaremos às eleições.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Ana Isadora e Roberto Lucas.

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quarta-feira, 20 de abril de 2022

É o fim da “Crise do Coronavírus”?

Semana de 11 a 17 de abril de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como todos devem ter visto, o Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, decretou o fim da emergência em saúde pública causada pela covid-19. Para muitos, isto significa que está decretado o fim da Pandemia e, com isso, o fim dos problemas a ela associados: distanciamento social, uso de máscaras, vacina obrigatória etc. Nada mais errado do que isso, pois a Organização Mundial da Saúde já descartou a possibilidade de rebaixar a situação de Pandemia para Endemia, por enquanto. Para além disso, a crise que começou a se manifestar antes mesmo dos primeiros casos de Covid-19, mas que foi “perturbada” pela Pandemia e por isso ganhou seu nome, parece estar de volta.

Como já foi mencionado antes, as análises de conjuntura divulgadas pelo PROGEB em 2018 e 2019 já indicavam os sinais de que a atividade econômica mundial estava iniciando uma fase de desaceleração do seu crescimento. Ou seja, estavam sendo cridas as condições para a manifestação de uma crise econômica em escala global. Porém, em 2020, veio a Pandemia e aquilo que poderia ter sido um simples “pouso suave” se transformou numa grave crise econômica e sanitária. Por um lado, mais de 2 milhões de mortes pelo novo coronavírus. Por outro, queda de 3,6% no PIB mundial.

Em 2021, contudo, esses dois efeitos da Pandemia andaram em sentidos opostos.  Em 2021 as mortes aceleraram e o total de óbitos no mundo já somava quase 6 milhões (desde o início da Pandemia). Enquanto isso, a economia mundial cresceu 5,9% em relação à 2020. Ou seja, apesar da piora no quadro sanitário, a dinâmica econômica se aqueceu e se recuperou do tombo do ano anterior, levando o PIB mundial a superar os valores pré-pandemia. Um dos sinais da grande intensidade dessa expansão foram alguns desequilíbrios setoriais, como a falta de insumos e de navios de transporte no mercado mundial. Isso, naturalmente, impediu o crescimento de ser ainda maior.

O problema é que a economia mundial é regida por leis econômicas e estas, cedo ou tarde, se impõem sobre quaisquer elementos externos que venham a interferir no seu funcionamento (os choques exógenos, como se diz no economês). Obviamente, caso não seja um fenômeno de ordem terminal, como uma guerra nuclear, um cataclismo planetário, o impacto de um grande asteroide ou mesmo uma revolução social que acabe com a ordem econômica atual, todos os fatores que interferem na acumulação capitalista serão passageiros.

Como foi dito no início do texto, as leis econômicas que regem o ciclo econômico (a alternância entre maior e menor intensidade do crescimento) estão se impondo novamente. Tanto as crises quanto as fases de aquecimento da economia são necessárias, cada uma tem sua função. A aceleração abre espaço para a bonança e é o momento em que o capitalismo se esbalda, pois aumentam a produção, o emprego, a renda etc. Como balde de água fria e choque de realidade, vem a crise para excluir do mercado os menos eficientes, aqueles que não se adequam às condições médias da concorrência. Junto com isso, chegam o desemprego, a redução na renda, a ociosidade etc. Ocorre uma espécie de saneamento dos capitais mais fracos, para que, em seguida, venha nova fase de aquecimento e abertura de espaço para os sobreviventes e os novos concorrentes. Isso até que uma nova crise chegue e o processo se repita periodicamente.

É isto o que está se desenhando na economia mundial, capitaneada pelos EUA. Para além de consultorias privadas, até o principal assessor econômico da Casa Branca, Brian Deese, está pessimista com os rumos da economia dos EUA neste ano de 2022 e para 2023. Os motivos são muitos: desde a elevada inflação (maior dos últimos 40 anos) e o remédio para controlá-la (forte elevação dos juros) até a desaceleração da China (que ainda faz lockdown para garantir a política de Covid zero) e a guerra entre Rússia e Ucrânia (que contribui para faltar insumos e subir ainda mais os preços das commodities). Claro, com algumas especificidades, tudo isso também vale como gatilho para o estouro da crise em outros países.

Esta é a realidade que condena a maior parte da população mundial a viver em um sistema que alterna entre momentos de menor (fase de crescimento) e maior (fase de crise) penúria. Enquanto o capitalismo existir, a crise sempre virá como uma de suas leis.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Nertan Gonçalves e Carolina Nantua.

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quinta-feira, 14 de abril de 2022

A política e a economia: a guerra e as ameaças de golpe

Semana de 04 a 10 de abril de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Há dois fenômenos que continuam a comandar a evolução da economia dentro e fora do país. E não são fenômenos econômicos. Lá fora a guerra Rússia-Ucrânia continua com mortes, migrações e destruição. As tropas russas continuam na ofensiva ocupando a região leste da Ucrânia enquanto o comediante alçado a presidente discursa para os políticos da OTAN e em lugar de paz ele pede mais armas, armas e armas. O povo vai pagando em vidas a fatura do belicismo europeu manipulado pelos EUA e gerenciado pelo fantoche. É espantoso como os europeus, a serviço dos americanos, se envolvem em uma guerra que não interessa nem aos seus países nem aos seus capitalistas,

O efeito bumerangue das sanções continua a ampliar-se. Aumenta a possibilidade de crise na União Europeia (EU) e nos EUA. As sanções aplicadas à Rússia voltam-se contra seus criadores. Como retaliação os russos decidiram vender gás, petróleo e carvão em rublos, obrigando todos a comprarem a moeda cuja cotação subiu no mercado. O rublo valorizou-se voltando ao valor anterior à guerra de 85 rublos por um dólar. Além disso Rússia e China começaram a criar um mercado independente do dólar atraindo o Japão, outros países asiáticos e árabes. O dólar começa a ter seu reinado mundial contestado. O sistema financeiro internacional está posto em xeque. O tiro ocidental está saído pela culatra e os EUA poderão pagar caro.

O comércio mundial vai se desarticulando junto com as cadeias de produção. Os países tendem para a reindustrialização e autossuficiência. Redefine-se a ordem econômica mundial. A globalização que já vinha sofrendo desgaste com a pandemia recebe mais um rude golpe e fica ainda mais enfraquecida. Há mesmo quem fale na desglobalização em marcha. A Organização Mundial do Comércio (OMC) reduziu as suas estimativas de crescimento do mercado mundial de 4,7% para 2,5% neste ano, prevendo uma disrupção imediata do comércio. A UE decidiu proibir a importação do carvão da Rússia, mas manteve o petróleo e o gás que representam 10% e 33% do consumo total do país, respectivamente. Ocorre que o carvão representa apenas 4 bilhões de euros enquanto as duas outras commodities representam 100 bilhões. Muito espertos!

Como era previsto a crise vem provocando a elevação dos preços das commodities e particularmente dos produtos alimentícios. A inflação corrói o poder aquisitivo dos salários provocando reações e protestos. O secretário geral da ONU António Guterres fala em “furação de fome” no mundo. Os governos têm recorrido a subsídios e transferência de renda comprometendo os orçamentos e aumentando a dívida pública.

Todos estes fenômenos adversos abalam a débil recuperação da nossa economia. As notícias não são boas. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI) o faturamento da indústria caiu 0,1% em janeiro e 0,2% em fevereiro. A utilização da capacidade instalada ficou em 81% e o rendimento médio caiu 0,1%.  A taxa de desemprego, que atingiu 13,2% em 2021, cairá para 11,9% em 2022, segundo estimativas do Boletim Macro, mas a taxa composta de subutilização da força de trabalho (que inclui os desalentados e indisponíveis) atingirá 23,5%. A inflação continua a ultrapassar os dois dígitos, as taxas de juros tendem a aumentar e o crescimento do PIB deverá ser muito pequeno.

Sem resultados econômicos o governo continua a sua campanha para a reeleição. Vários ministros afastam-se para concorrer a cargos eleitorais destacando-se o ministro da defesa, considerado o mais importante pelo presidente “com a tropa em suas mãos”. Em mais um discurso na cerimônia de promoção dos oficiais generais Bolsonaro voltou a falar nas forças armadas como “âncora do Brasil”, “na luta do bem contra o mal”, “em um país conturbado por questões ideológicas, mas lá atrás foi mais difícil e vencemos e agora venceremos novamente.” Em outra cerimônia, na filiação de dois ministros ao PL, ele já havia falado em “batalha espiritual”, “batalha do bem contra o mal” e que “embrulha o estômago cumprir a constituição”. A chantagem de golpe continua. Chegou a hora de dar um basta nesta pregação golpista antes que seja tarde.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Roberto Lucas e Alan Henriques Gomes.

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quinta-feira, 7 de abril de 2022

Comércio Brasil-China: perdemos muito nesse século?

Semana de 28 de março a 03 de abril de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Enquanto o Brasil vivia seu Milagre Econômico na década de 1970, a China ainda era um país essencialmente agrário e, no fim daquela década, apenas iniciava suas reformas em prol da industrialização. Hoje, não é novidade que a China é uma potência tecnológica e o maior parceiro comercial do Brasil.

Desde a década passada, a China é o maior destino das nossas exportações e maior fonte de nossas importações. Em 2020, 31,7% das exportações brasileiras tiveram a China como destino, enquanto 22,7% das importações brasileiras vieram de lá. Em 2021, eles foram uma grande fonte de dólares, pois nossas vendas para lá (US$ 89,7 bilhões) foram bem maiores do que as compras de lá (US$ 48,3 bilhões). Isso é bem mais do que nosso comércio com os EUA ou mesmo com todo o Mercosul. Mesmo assim, não podemos dizer que, simplesmente, ganhamos. Pelo contrário.

Para começar, o Brasil é pouco relevante para o comércio externo chinês. Em 2020, fomos responsáveis por apenas 1,4% das exportações e 4,4% das importações chinesas. Apesar dos saldos comerciais positivos ao longo dos anos, eles resultaram de uma pauta exportadora nada diversificada. No ano de 2020, por exemplo, apenas quatro produtos foram responsáveis por mais de 80% das exportações brasileiras para os chineses: soja (30,8%), minério de ferro (27,3%), petróleo cru (16,7%) e carne bovina congelada (5,9%). Por outro lado, de tudo que o Brasil importou da China, 45% foram máquinas, equipamentos e suas partes (de telefones e semicondutores a lâmpadas de led).

Isto, claro, resultou em uma alteração significativa na estrutura de comércio de insumos e bens de capital entre os dois países. Em estudo recente, o Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira (PROGEB) estimou o quanto se alterou a capacidade da economia brasileira de gerar dinamismo internamente após trocar produção local por produtos importados da China entre 2000 e 2014. Dentre as atividades nacionais que mais perderam capacidade de gerar estímulos produtivos dentro do próprio Brasil, estão: Informática, Produtos Óticos e Eletrônicos; Têxteis, Vestuário e Couros; e Máquinas e Equipamentos. Isto significa que os setores da economia brasileira reduziram seu potencial de gerar emprego e renda dentro do país. Por sua vez, esse potencial de dinamizar a produção de riqueza foi transferido para a economia chinesa. Mas também houve ganhos no período. O Brasil aumentou sua inserção na economia chinesa, mas foi uma penetração de baixa “qualidade”. Essencialmente, houve um aumento da influência de duas atividades brasileiras sobre a atividade chinesa: Agropecuária e Indústrias Extrativas.

Por si só, as provocações aos chineses realizadas pelo governo federal durante a Pandemia foram uma estupidez. Não só por causa das relações de comércio, mas pelo uso da Coronavac e pelos insumos das vacinas produzidas aqui no país. Se o objetivo do governo liderado por Bolsonaro era confrontar a China, o caminho adequado não era por meio de incidentes diplomáticos (como o causado por ex-ministros, que chamaram o Covid-19 de “comunavírus”). Além do estudo que foi mencionado, outros mostram como estamos longe do nível de desenvolvimento tecnológico já alcançado pelos chineses (mesmo eles tendo iniciado a “corrida” bem depois de nós). A estratégia estatal de expansão econômica por lá é diametralmente oposta à nossa, sobretudo a adotada a partir dos anos 1990. Apesar de as políticas brasileiras de cunho neoliberal terem sido flexibilizadas nos primeiros anos deste século XXI, elas mantiveram sua essência. O país até melhorou um pouco, mas manteve-se longe do desenvolvimento chinês.

Enfim, mais do que um confronto com os chineses, os brasileiros poderiam se inspirar em suas estratégias de desenvolvimento econômico. Só assim haveria a possibilidade de sonharmos com um país um pouco melhor. Mas, como tenho dito, sob a batuta do bolsonarismo, apenas nos resta o descompasso e o atraso.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Polianna Almeida, Nertan Gonçalves e Ana Isadora Meneguetti.

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