quarta-feira, 26 de julho de 2023

A realidade se impondo sobre as expectativas

Semana de 17 a 23 de julho de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Em junho passado comentamos os bons dados da economia brasileira nos três primeiros meses de 2023. Em torno disto, criou-se no governo a expectativa de que as coisas iriam de vento em popa. Normal, faz parte do pacote os governos enaltecerem seus ganhos e disseminarem “boas energias”.

Porém, expectativa não é realidade. Já trouxemos, em textos passados, explicações sobre aquilo que os economistas chamam de ciclo econômico. Falamos também como os elementos que causam o movimento alternado de aceleração e desaceleração da economia sempre se impõem. E isso está acontecendo agora no Brasil, o que pode ser visto em alguns dados consolidados que indicam uma desaceleração no segundo trimestre de 2023. Como sempre, é a realidade penalizando as expectativas mais otimistas.

Atualmente, o mundo está passando por uma fase “complementar” de crise econômica. Os elementos que causam a crise atual se instalaram nas economias centrais entre 2018 e 2019. Com a Pandemia, ela foi “deformada” e algumas economias até cresceram intensamente. Porém, a crise mundial voltou à carga no fim do ano passado.

No caso do Brasil, contudo, a coisa foi um pouco diferente. Como estávamos em um longo período de estagnação, causada por políticas econômicas restritivas, a vitória de Lula trouxe novo alento ao país. Desde a crise de 2014, nosso crescimento ficou abaixo do resto do mundo e de outras economias emergentes. Mesmo quando saímos do fundo do poço, em 2017, isto se manteve. Mas a esperança de melhora se confirmou nos dados do primeiro trimestre de 2023: na contramão das principais economias do mundo, o Brasil acelerou seu crescimento.

Com isto, governo e partidários passaram a acreditar que era só surfar nessa onda de bonança e manter as expectativas em alta para que a economia acelerasse ao longo de todo o ano. A ideia era estimular o “espírito animal” dos empresários, para que estes contratem trabalhadores, encomendem insumos e produzam mais mercadorias. Assim, a roda da economia voltaria a girar intensamente e retomaríamos um ciclo virtuoso de crescimento. Com este objetivo, algumas políticas que visam o aumento do consumo já foram adotadas, como a redução do preço dos carros e a negociação de dívidas com instituições financeiras.

A questão é que a realidade se impõe. Apesar de ser papel do governo criar o “oba-oba”, o empresariado não se deixa enganar. As condições econômicas ainda não estão suficientemente favoráveis aos investimentos. Mesmo com as estimativas de desaceleração um pouco mais suave, a economia mundial não se recuperou. Os dados da China, nossa maior parceira comercial, mostram que por lá as coisas estão ruins como há muito não se via. O próprio governo brasileiro está com dificuldades para puxar os investimentos pesados, tendo em vista que o lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi adiado novamente. Mesmo assim, a verba anunciada é pouca, chegando a apenas R$ 60 bilhões por ano.

Os bancos estão trabalhando com prazos e custos de crédito em patamares restritivos, porque não sentem confiança na economia. Entre janeiro e maio de 2023, o número de empresas brasileiras que pediram recuperação judicial subiu 50,5%, enquanto as falências cresceram 40,2% e a taxa de inadimplência de pessoas jurídicas quase dobrou. Segundo sondagem da CNI, a produção industrial se retraiu em junho de 2023. Além disso, a instituição indica que o emprego industrial esteve em queda nos últimos 9 meses. Por sua vez, o uso da capacidade instalada na indústria brasileira ficou em 69% em junho e o indicador da formação de estoques tem mostrado elevação desde fevereiro.

Diante desses dados, não podemos descartar a influência da criminosa política monetária adotada por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. Porém, a Selic alta é um agravante em meio à crise econômica que o mundo, como totalidade, e o Brasil, como parte, vem passando. O governo tem tomado as medidas corretas, tentando amenizar os efeitos da crise. Porém, realisticamente, não devemos nos empolgar muito, afinal, o capitalismo tem seu movimento próprio. O máximo que podemos fazer é surfar, ou não, nesta onda que inevitavelmente vai quebrar na praia.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha, Lucas Santos e Valentine Moura.

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quarta-feira, 19 de julho de 2023

Sofrendo com a herança maldita

Semana 10 a 16 de julho de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

A primeira etapa da reforma tributária foi finalmente concluída, mas ainda há muito trabalho pela frente. Mais uma vez foi demonstrada a grande habilidade do atual governo de formar consensos e negociar. No entanto é um grande engano pensar que esta reforma representou algo progressista que contribuiu para reduzir as desigualdades e injustiças tributárias no país. Foi uma reforma para apenas arrumar a casa e muito ainda terá de ser feito. Temos de esperar as negociações no Senado, a volta para a Câmara e a assinatura do presidente. Depois das férias será a finalização do arcabouço fiscal, e o Legislativo poderá voltar à normalidade. Poderemos nos ocupar com as decisões a serem tomadas no Judiciário, o andamento das punições aos golpistas que, esperamos, sejam muito rigorosas e, certamente, com os movimentos da economia.

Por enquanto as coisas correm bastante bem. A equipe do governo tem sido capaz de acalmar o “mercado” e o ambiente de tragédia que a direita anunciava vai sendo levado ao ridículo. A bolsa anda calma, o dólar se desvaloriza, os investimentos retornam, os agiotas da Faria Lima baixam a crista e começam a cacarejar e abanar o rabinho. Até conhecidos reacionários estão tecendo elogios ao governo e, particularmente, ao Haddad, ministro da Fazenda, o que não deixa de ser um motivo de preocupação. A desaceleração da inflação está contribuindo para isto e colocando o Banco Central (BC) em maus lençóis. As justificativas para a manutenção da Selic nos 13,75% atuais estão acabando. Resta apenas a demência ideológica do Campos Neto.

Além da questão dos juros altos e da escassez do crédito, o governo central tem três grandes problemas a enfrentar: a herança maldita do governo anterior, que exige dispêndio de energias com a reconstrução do Estado, a fase de crise do ciclo econômico e a tumultuada situação internacional provocada principalmente pela guerra na Ucrânia.

Confesso não partilhar do otimismo do ministro Haddad que, entusiasmado com o IPCA de junho, que alcançou 3,16% no acumulado de 12 meses, afirmou: “O Brasil hoje está na melhor situação possível e nós temos tudo para começar um ciclo novo de desenvolvimento”. Na verdade, o índice oficial da inflação do país caiu apenas 0,08% em junho. Muito pouco para justificar o otimismo do ministro que pode ser perdoado diante das teorias econômicas em voga. Acreditam que são “as expectativas” que levam os capitalistas ao investimento. Por isto, todos os ministros da Fazenda são mais ou menos mentirosos. Tem a ilusão de assim criar “expectativas” positivas que levam naturalmente ao crescimento da economia: ingenuidade, má fé ou cegueira ideológica.

A queda da inflação não permite muitas comemorações, pois se deveu fundamentalmente a dois fatores: a queda dos preços do petróleo, que fez cair os preços dos combustíveis, com repercussão sobre os preços dos alimentos (-0,7%) e dos transportes (-0,4%) e o programa do governo com subsídios na compra de veículos (queda de 2,8% nos preços). O IBGE também identifica a influência da desvalorização do dólar nos preços da alimentação e dos eletrodomésticos e eletrônicos.

Apesar da desaceleração da inflação as perspectivas não são muito boas. O Indice de Atividade Econômica Stone Varejo, calculado pela Stone e pelo Instituto Propague, mostrou uma queda das vendas no varejo, de 4,2%, no primeiro semestre, e de 0,1% em junho. Os pesquisadores apontam como causas a inadimplência dos consumidores e a renda das famílias muito comprometida, problemas que permanecem agravados pelo aperto monetário provocado pelo BC.

No que se refere à indústria a situação também não é das melhores. A produção física da indústria de transformação recuou 1,2% no primeiro trimestre segundo cálculos do Iedi. Para o setor de máquinas, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimac) mudou suas projeções para baixo prevendo uma queda de 3,4% para este ano.

Eis as consequências da herança maldita deixada por um desgoverno incompetente, por um lado, e por uma situação econômica adversa, por outro.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Raquel Lima, Helen Tomaz, Gustavo Figueiredo e Letícia Rocha.

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sexta-feira, 14 de julho de 2023

Enfim, a primeira parte da reforma tributária

Semana de 03 a 09 de julho de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

O último “sextou” do brasileiro foi diferente. O caro leitor deve ter acompanhado a festa e ouvido as trombetas em comemoração à aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados. De fato, como alguns anunciaram, aquele 07 de julho foi um dia histórico. Caso tudo ande dentro do esperado no Senado, a reforma deve começar a ser implementada em 2026, sendo completamente finalizada em 2078, quando termina o prazo de 50 anos de mudança gradual no local de cobrança dos impostos (que sai do local de produção e vai para o da compra do produto).

As bases do atual sistema tributário brasileiro foram implementadas ainda nos primeiros anos da Ditadura que sucedeu o Golpe de 1964. Como coincidência histórica, Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central, foi um dos líderes das chamadas “reformas estruturais” ocorridas no período. O famoso Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) reformou não só o sistema tributário, mas também o sistema financeiro brasileiro. Dentre outros elementos de ordem fiscal, foi com ele que surgiram: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM, que depois virou ICMS), o Imposto Sobre Serviços (ISS), o Fundo de Participação dos Estados e Municípios (que garante a transferência de recursos federais para esses entes) e um conjunto de mecanismos de incentivos e isenções concedidos a setores considerados estratégicos. A Constituição de 1988 mudou pouca coisa em relação a esta forma de arrecadação, mas garantiu maior descentralização quanto a distribuição dos recursos.

Falando em forma de arrecadação, dentre outras coisas, vale destacar que esta reforma tributária recém aprovada pelos Deputados busca simplificar os impostos sobre o consumo (imposto embutido no preço de venda dos produtos) e muda algumas regras dos impostos sobre propriedade (IPTU, herança e IPVA). Ao entrar em funcionamento, de fato, a proposta vai simplificar muito a vida dos empresários. São eles quem repassam ao fisco os cinco tributos sobre o consumo, mas, ao entrarem no preço, quem termina pagando são os consumidores finais. Os tributos serão convertidos em dois: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substitui os federais PIS, COFINS e IPI; e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substitui os locais ICMS e ISS.

Para o consumidor final, há a promessa de que os preços irão se reduzir. O motivo é que os novos tributos vão incidir apenas sobre o que chamamos de valor adicionado. No cálculo de qualquer empresa, o preço ao produtor é composto pelos custos de produção (que correspondem aos gastos com os insumos consumidos, os quais já têm imposto embutido) mais o valor que é adicionado no processo de produção (que vai virar lucro, tributos etc.).

Atualmente, os impostos incidem sobre o preço total “cheio”. Por exemplo, grosso modo, se o preço para o produtor de uma camisa é R$ 100 e a alíquota do imposto é de 20%, o valor do imposto pago será de R$ 20. Ou seja, o preço pago pelo consumidor final será de R$ 120 (R$ 100 + 20% sobre R$ 100). Isso é o que chamamos de cobrança em cascata: o imposto incide novamente sobre insumos que já “pagaram” seus impostos.

Com a reforma, a tributação incidirá apenas sobre o valor adicionado. Por exemplo, se dos R$ 100 do preço da camisa, R$ 80 for custo de produção e R$ 20 for de valor adicionado, e mantendo a alíquota do imposto de 20%, o valor do imposto pago será de R$ 4. Assim, o preço da camisa ao consumidor final será de R$ 104 (R$ 100 + 20% sobre R$ 20). Este é o famoso IVA (Imposto sobre Valor Adicionado), considerado o mais moderno e o mais praticado nas demais economias do mundo (mais de 170 países).

Naturalmente, dois fatores podem não garantir a queda nos preços. O primeiro é o governo estabelecer uma alíquota que mantenha o valor final do imposto. Pelo exemplo, para manter o imposto em R$ 20, a alíquota do IVA seria de 100%. Outro fator é o repasse de imposto por parte dos empresários. A depender do poder de controlar o mercado, eles podem manter os preços, mesmo que haja alguma redução nos impostos cobrados.

O próximo passo, tal como aprovado pela Câmara, é aguardar a reforma na tributação que incide sobre a renda (que deve ser enviada em até 180 dias). Em relação a este assunto, recomendo uma análise que fiz em 2020, mas que se mantém absolutamente atual (https://progeb.blogspot.com/2020/02/alguns-pontos-sobre-reforma-tributaria.html). Agora é torcer para que o governo continue a vencer as batalhas com o Congresso Nacional; e que venha a reforma socialmente justa, porque a de agora ainda não é.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha, Lucas Santos e Valentine Moura.

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quinta-feira, 6 de julho de 2023

A nova globalização

Semana 26 de junho a 02 de julho de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

            

E como anda a economia mundial?

Não há grandes alterações no quadro geral, mas toda a tendência indica uma evolução no mesmo sentido. Continua a desestruturar-se a globalização, como a conhecemos, diante dos fatores já por nós apontados destacando-se a pandemia e a guerra da Ucrânia. Toda a discussão sobre as novas estratégias onshore, nearshore, offshore, friendshore, indicam as tentativas de rearrumar a casa mundial. Como resultado da guerra destruíram-se os canais de circulação do comércio internacional bem como desagregaram-se as cadeias de valor e os países da OTAN viram a vulnerabilidade de suas estratégias, principalmente em relação ao abastecimento de matérias-primas, componentes e energia. A forma de integração das economias adotada levou a um impasse. Como o capitalismo não pode sobreviver sem a globalização trata-se de encontrar outras formas de fazê-la. As diversas tentativas estão em andamento. Além de internalizar setores de produção (onshore), torna-se necessário trazer para perto (nearshore) outros setores ou pelo menos para os países amigos (friendshore). As opções são poucas e exigem complicados cálculos econômicos e estabelecimento de novas alianças. O problema é que isso envolve muitos países e nesta hora cada um tenta tirar os maiores proveitos, o que esperamos que o nosso país também o faça. Aliás o atual governo vem operando com bastante habilidade, e as viagens realizadas pelo presidente trabalham neste sentido. Não só a brutalidade da guerra exige ações, mas a busca por uma nova posição na integração da economia mundial torna-se muito importante.

Neste sentido merece destaque a perda de influência dos EUA e do dólar e o nascimento de novas forças sediadas nos BRICS, nos países da Ásia, da África, da América do Sul e do mundo árabe. No banco dos BRICS e no Mercosul têm sido feitas importantes tentativas para a criação de moedas de referência para o comércio internacional, que possam servir de alternativa ao dólar.

A guerra tornou-se o maior fator de perturbação da ordem mundial. Continua a exaurir e desequilibrar os orçamentos dos países envolvidos e o descontentamento nas populações já começa a provocar reações, o que vem ocorrendo na França, Inglaterra e Alemanha. A solução para o conflito parece que não poderá ser encontrada fora de negociações para a paz. Dificilmente as populações dos países estarão dispostas a enfrentar uma guerra com a Rússia em defesa da Ucrânia. Já se disse que um país com o maior arsenal nuclear do mundo não perderá jamais uma guerra, o que é verdade. O resultado poderá ser a catástrofe geral, risco que os europeus não estarão dispostos a correr. A Rússia não sairá derrotada, não devolverá a Crimeia nem a faixa ocupada do leste da Ucrânia, onde a maioria da população é russa. Aliás, estas regiões, bem como toda a Criméia, durante muitos anos fizeram parte da própria Rússia.

Neste momento, mesmo os países da OTAN mostram-se preocupados com a possibilidade de desagregação do governo russo e a subida ao poder de alguém mais louco que o Putin, depois da revolta de elementos do batalhão Wagner liderados pelo Prigozhin. Esta revolta revela um outro fenômeno nestas guerras atuais: a terceirização da guerra. Já havíamos visto falar do batalhão Azov que luta a serviço do governo da Ucrânia, e agora temos este outro grupo. Surgem então relatos sobre diversos grupos mercenários que têm sido contratados por diferentes governos, entre os quais os próprios EUA.

Falando da situação interna, além de lamentar a decisão da manutenção da Selic nos 13,75%, poucos foram os acontecimentos econômicos diferentemente dos políticos. No Congresso, os entendimentos e as articulações ferveram diante da aprovação da reforma tributária e do novo arcabouço fiscal que servirá de âncora em substituição ao teto dos gastos. Na próxima semana deveremos ter muitas novidades.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Tomás Cisneiros, Gustavo Figueiredo, Lucas Santos e Valentine de Moura.

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