quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Bestialidade econômica


Semana de 18 a 24 de novembro de 2019

Rosângela Palhano Ramalho [i]

Caro leitor, a conjuntura econômica mundial continua desacelerando. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), afirmou que as incertezas políticas e o fraco fluxo de comércio e investimentos dominam o cenário econômico. A instituição estima uma desaceleração no crescimento do comércio mundial de 1,2% este ano. O PIB global cairá de 3,5%, registro de 2018, para 2,9% este ano. Registros de arrefecimento também foram feitos para os Estados Unidos, Japão, Zona do Euro e China.
A economia interna apresenta sinais dúbios. O volume de vendas do varejo restrito cresceu 1,6% no terceiro trimestre, segundo o IBGE. O Monitor da FGV indica crescimento do PIB no trimestre, pois foi registrado um crescimento de 0,3% na passagem de agosto para setembro. No mercado de trabalho, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) detectou a abertura de 70,9 mil empregos em outubro. Mas a qualidade do emprego é o que chama a atenção. Houve criação líquida de 6.087 empregos com contrato intermitente e abertura de outras 2.569 vagas pelo sistema de jornada parcial. Estas duas modalidades foram criadas pela reforma trabalhista. O secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, comemorou: “...este vai ser o melhor Natal dos últimos anos na economia brasileira.”
O melhor Natal acontecerá, segundo a consultoria IDados (com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), com 26,6% do total de trabalhadores classificados como chefes de família ganhando um salário mínimo ou menos. O aumento do emprego informal é o responsável pelo aumento desta fatia que no segundo trimestre de 2015 era de 23,8%.
Mas os fatos não bastam e o desmonte da proteção trabalhista continua. Para justificar o “Contrato Verde e Amarelo”, que visa estimular o emprego dos jovens, o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, destacou o “bom senso” do governo, na revogação de trechos da CLT sobre fiscalizações trabalhistas. Além disso, falou a empresários na Federação das Indústrias de Minas Gerais que há muito “ruído” em relação à taxação dos desempregados. Aplaudido, defendeu ampliação da possibilidade de trabalho aos domingos, dizendo que o “domingo é um dia de trabalho como qualquer outro” e que o trabalhador não perderá seu dia de descanso remunerado que não precisa ser no domingo. O secretário, otimista prevê que a taxa de desemprego no Brasil se aproxime de um dígito até 2022. Ao que parece, o secretário especial de Previdência tem memória curta. No governo Dilma, as desonerações não provocaram o aumento automático do emprego como a equipe econômica previa.
Guedes e sua equipe não reconhecem o fracasso das políticas recentes e o retumbante fracasso das políticas liberais no mundo. Seu grupo se esforça em explicar que, à medida que o governo se retira da economia, o setor privado passa a ocupar os espaços que sobraram. Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica, esteve presente na imprensa durante toda a semana para defender a política econômica e em especial, o regramento fiscal. Ele chegou a afirmar que: “Pouca gente percebe, mas estamos fazendo um ajuste fiscal expansionista.” Em sua crença registrada como teoria econômica já está determinado o fim do ciclo recessivo. “Existem vários textos acadêmicos que dizem que, quando o governo faz um ajuste fiscal rigoroso, principalmente reduzindo gastos, isso estimula o PIB”, afirmou.
Na semana passada ficou demonstrado nesta coluna, quem irá pagar o pato pela política econômica do governo. Não devemos tratar com surpresas as reformas aprovadas e propostas por Paulo Guedes, porque o mesmo nunca escondeu sua pauta. O Posto Ipiranga do governo Bolsonaro agrada a elite econômica brasileira, que comemora o desmonte do Estado. E a bestialidade autoritária com a qual o governo flerta diariamente é tolerada pela promessa de entrega da pauta econômica. Até quando?

[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com.br) Contato: rospalhano@yahoo.com.br

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quinta-feira, 21 de novembro de 2019

O pato mudou de mãos...


Semana de 11 a 17 de novembro de 2019

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Foi no começo de 2015 que surgiram as primeiras manifestações pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Ao longo daquele ano, as ruas foram tomadas por manifestantes e movimentos que se diziam apartidários (apesar de muitos deles terem se partidarizado e assumido cargos políticos em 2016 e 2018). Dentre aqueles que encabeçaram essas mobilizações, destaca-se a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Quem não se lembra daquele grande pato amarelo (e plagiado de um artista holandês) inflado em plena Avenida Paulista? O mote da campanha era: “Não vou pagar o pato”. Como todas as demais, essa “obra” da arte visual tinha seu conteúdo: não pagar mais impostos para financiar o funcionamento do Estado brasileiro.
Assim, o pato seria o aumento da carga tributária, seja pelo aumento dos impostos existentes ou, principalmente, pelo retorno da CPMF (o “imposto do cheque”). Esta foi a contribuição da Fiesp para o impeachment, que se concretizou em 2016.
A partir daí Michel Temer assumiu a presidência. Com sua “Ponte para o Futuro”, aprofundou ainda mais as políticas restritivas iniciadas por Dilma em 2015. Apontada como uma das principais vias para um futuro próspero, a Reforma Trabalhista foi aprovada em 2017.
A promessa, claro, era diminuir os custos de contratação e modernizar as relações de trabalho. Com isto, 2 milhões de empregos seriam criados em dois anos. Ledo engano (e enganação). O desemprego até caiu entre 2017 e 2019, mas, principalmente, porque os trabalhadores passaram a fazer “bico” sem carteira assinada ou passaram a se virar por conta própria. O outro resultado esperado da reforma era reativar a atividade econômica do país. Nem preciso dizer que isto também está longe de se concretizar.
Seguindo nossa linha temporal, chegamos ao segundo semestre de 2018. Na campanha presidencial, o então candidato (e então filiado) do PSL, Jair Bolsonaro, declarou: “O trabalhador terá que escolher entre mais direito e menos emprego, ou menos direito e mais emprego”. Desde o início do seu mandato ele vem cumprindo sua promessa.
A mais nova medida é o que deve ser chamado de “imposto sobre as grandes pobrezas”. A ideia é simples: reduzir a arrecadação dos tributos pagos pelos empresários e compensar a queda na receita por meio da tributação dos trabalhadores recém-desempregados.
O que parece piada é, na verdade, a Medida Provisória (MP) n° 905 de 2019. Com ela, fica instituído o “Contrato Verde e Amarelo”. Segundo a MP, os patrões que aderirem ao programa irão gozar de uma série de benefícios tributários, principalmente sobre a folha de pagamento dos funcionários que se enquadram no programa. As empresas não vão pagar suas contribuições do INSS, do salário-educação (que financia parte do ensino fundamental público) e do Sistema S (SESI, SENAI, SENAC, SEBRAE, etc.).
Outras medidas também estão previstas. O empresário não pagará mais a multa rescisória de 10% sobre o valor do FGTS em caso de demissão sem justa causa. Essa mesma multa cai de 40% para 20%. Será ampliada a jornada dos trabalhadores do setor bancário de 6 para 8 horas semanais (incluindo os sábados). Será limitada a ação do Ministério Público do Trabalho na fiscalização e aplicação de multas a empresas infratoras. Além disso, segundo o DIEESE, a Medida revoga 86 itens da CLT.
Nos cálculos do ministro da Economia, Paulo Guedes, o custo aos cofres públicos da MP 905/2019 será de R$ 10 bilhões até 2022. Claro, para quem vive chorando a falta de dinheiro isto é um absurdo. Mais absurdo ainda é a saída para este problema: tributar em 7,5% (ou até 8,14%) os trabalhadores que recebem o seguro-desemprego (auxílio financeiro temporário dado a quem é demitido involuntariamente). Com isso, a nova receita vinda da ajuda de quem acabou de ser demitido seria de R$ 11,5 bilhões até 2022.
Agora, voltemos ao título e às primeiras linhas do presente texto. Se não foi a Fiesp quem pagou o pato, quem está a pagar?

[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)

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quarta-feira, 13 de novembro de 2019

O rei dos animais


Semana de 04 a 10 de novembro de 2019

Nelson Rosas Ribeiro[i]
           
Semana morna em relação aos dados econômicos e quente em relação aos acontecimentos políticos.
Em relação à economia as notícias confirmam as tendências que temos apontado aqui: desaceleração da economia mundial e arrastamento da recuperação nacional.
Na América Latina o consumo de aço, indicador da produção industrial, caiu ao nível de 2016. Os maiores consumidores, Brasil, México e Argentina encontram-se em dificuldades. A indústria americana recuou com a queda da demanda por bens industriais, em setembro, contra agosto, considerada a maior queda em 4 meses. No Reino Unido o Banco Central (BoE) manteve as taxas de referência em 0,75% ao ano alegando desaceleração da economia em 2019 e as consequências do Brexit. Na Alemanha o Conselho de Especialistas Econômicos do governo estimou para este ano um crescimento do PIB de 0,5% e para o próximo 0,9%. No segundo trimestre a economia encolheu 0,1%. Para a economia mundial como um todo os analistas consideram que o setor automotivo continua a puxar a desaceleração. Em 2018 as vendas caíram 3% e a produção 2,4%. Para este ano prevê-se a continuação da queda que afeta a economia mundial graças ao efeito de arrastamento que este setor tem.
Para o Brasil as principais notícias foram: a manutenção da inflação sob controle, o IPCA, em outubro, teve alta de 0,1% e em 12 meses o acumulado ficou em 2,54%. (Viva o desemprego que esmaga o consumo!); a estimativa do boletim Focus, publicação do BC, para o crescimento do PIB deste ano que ficou em 0,92%; a piora das contas externas, que diante das saídas de dólares apresentaram um saldo negativo de US$ 8,494 bilhões em outubro. A saída é atribuída à desaceleração das exportações, à remessa de lucros e dividendos e à saída de investimentos estrangeiros, o que indica uma falta de confiança dos investidores estrangeiros; e a publicação, pelo IBGE, da pesquisa “Síntese de Indicadores Sociais 2019”, que mostrou que o contingente de 13,5 milhões de pessoas em condições de extrema pobreza no ano passado é o maior da série histórica iniciada em 2012. Representam 6,5% da população brasileira. Este número é superior às populações de países como a Bélgica, Bolívia, Grécia, Portugal e Cuba. Mostrou ainda que o número de trabalhadores informais é o maior dos últimos 7 anos constituindo 47,4% da população ocupada.
Enquanto a situação social se agrava, choramos o fracasso do leilão do pré-sal, onde não apareceu nenhum gigante petroleiro do mundo e apenas a Petrobrás salvou a paróquia. Choramos também o embargo da carne bovina brasileira exportada para os EUA, pois nosso amigo preferencial não se comoveu com o voto brasileiro de apoio na ONU. Pela primeira vez em 27 anos o Brasil juntou-se a Israel no apoio aos americanos votando contra a condenação do bloqueio à Cuba feito unilateralmente por aquele país.
Passemos aos acontecimentos políticos que ocuparam a semana.
O caso do assassinato de Marielle, que ainda vai causar grandes problemas à família Bolsonaro. Voltou à cena o depoimento do porteiro sobre a autorização dada para a entrada de um dos assassinos no condomínio do presidente.
O apelo ao AI-5 feito pelo deputado Eduardo Bolsonaro e apoiado pelo general Heleno causou repulsa geral e condenação de partidos e autoridades e inclusive do próprio presidente apanhado com saia justa.
Para culminar foi publicado na internet a cena do leão sendo atacado pelas hienas com cartazes personificando órgãos, pessoas, organizações, entidades etc. e que foi rapidamente tirado do ar servindo de motivo para o presidente ser chamado de “rei dos animais” pelo humorista Jô Soares.
Para terminar vale citar o editorial do jornal Valor Econômico alertando para a destruição da Amazônia pela política do governo. O maior problema não é o fogo, mas o desmonte legal e institucional dos mecanismos de proteção da região permitindo a ocupação das terras indígenas, a legalização da mineração, do desmatamento e a expansão da agricultura e pecuária.

[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com).

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quinta-feira, 7 de novembro de 2019

A aceleração econômica “autossustentável” de Paulo Guedes


Semana de 28 de outubro a 03 de novembro de 2019

Rosângela Palhano Ramalho [i]

À medida em que o clã dos Bolsonaro segue flertando com o autoritarismo e produzindo polêmicas, a realidade mantém o seu curso. A atividade econômica continua em passos lentos. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego fechou em 11,8% no terceiro trimestre encerrado em setembro permanecendo estável em relação ao segundo trimestre. O país ainda registra 12,5 milhões de desempregados e os novos recordes do mercado de trabalho não nos servem de orgulho: são 11,8 milhões de trabalhadores sem carteira assinada e 24,4 milhões que trabalham por conta própria. O número de desalentados, trabalhadores que desistiram de procurar trabalho, caiu de 4,9 milhões no segundo trimestre para 4,7 milhões no terceiro trimestre, mas ainda é recorde.
Estes números demonstram que não há perspectivas de melhora no mercado de trabalho. Sendo assim, espera-se que a demanda interna continue fraca nos próximos meses. Com demanda baixa, a taxa de inflação continua a cair. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil achou espaço para mais uma vez reduzir os juros. A taxa Selic caiu de 5,5% para 5% e o Copom sinalizou para mais um corte em dezembro. Sem fazer referências às causas da queda da inflação, a instituição caracterizou o cenário inflacionário como benigno e citou a alta ociosidade da economia como fator favorável. Por fim, afirmou que a economia brasileira está em “retomada gradual”, como se o alto desemprego, a baixa demanda e a enorme ociosidade do parque produtivo fossem indicadores compatíveis com um cenário de recuperação “gradual”.
Ao divulgar a ata da última reunião, o Copom foi “bastante preciso” ao apresentar o cenário do quarto trimestre. “O comitê estima que o Produto Interno Bruto (PIB) deve ter apresentado crescimento no terceiro trimestre. Os trimestres seguintes devem apresentar alguma aceleração, que deve ser reforçada pelos estímulos decorrentes da liberação de recursos do FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] e PIS-Pasep [Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público] - com impacto mais concentrado no último trimestre de 2019.” Ao julgar pelos destaques em negrito, o Copom reduziu sua análise econômica a uma simples crença.
Enquanto isso, seguimos atentos aos resultados econômicos mundiais. A desaceleração econômica dos EUA continuou no terceiro trimestre. Segundo o Departamento de Comércio, o PIB americano cresceu 1,9% (taxa anualizada), ficando abaixo da expansão de 2% registrada no segundo trimestre. Analistas preveem que o resultado do quarto trimestre será de 1,4%, pois os investimentos continuam a cair e a guerra comercial com a China tem produzido efeitos na economia real.
A atual realidade econômica mundial imporá desafios à Christine Lagarde, nova presidente do Banco Central Europeu. Lidar com a crise que se avizinha é o maior deles. Renomados economistas como Olivier Blanchard, chegaram à conclusão de que “a política monetária está sem munição para reagir, mas, se os bancos centrais disserem isso explicitamente demais, poderão descontrolar o mercado.”
No momento em que o mundo se prepara para a crise, o ministro da Economia, Paulo Guedes, comemora a aceleração “autossustentável” da atividade econômica (!). Em sua definição, até a liberação de saques de contas ativas e inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e a criação do saque-aniversário, figuram como um “empurrãozinho autossustentável”. Sem apresentar dados, o ministro disse que a economia brasileira já voltou a crescer e prometeu um PIB entre 2% e 2,5% em 2020. E, ao ser questionado sobre as promessas econômicas que fez e que até agora não foram concretizadas, o ministro respondeu como de praxe, dando piti: “Foram 30 anos de centro-esquerda. Dá para esperar quatro aninhos de um liberal-democrata? Se não melhorar, troca, sem intolerância. Mas deu três meses e já começaram: cadê o crescimento? Vamos ser razoáveis. Não é justo.” Em seu grande finale o ministro mostra ignorância ao concluir que foi o único liberal a assumir a pasta da Economia com o intuito de culpar os outros pelo seu próprio fracasso.

[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com.br) Contato: rospalhano@yahoo.com.br

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