quarta-feira, 27 de maio de 2020

A “seleção social” de Bolsonaro


Semana de 18 a 24 de maio de 2020

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Infelizmente, o caro leitor está cansado de ver, seja nos noticiários ou ao vivo, exaustivas e perigosas filas de pessoas nos arredores das agências da Caixa Econômica Federal. Sem falar da chuva de “memes” que circularam nas redes sociais, relatando a demora na avaliação dos requisitos para receber o auxílio emergencial do governo. Isto, claro, enfraquece ainda mais a capacidade dos cidadãos mais vulneráveis de enfrentar a pandemia. Além de expô-los ao risco de contágio.
Mas isso não é mera obra do acaso. É obra da circunstância da “Crise do Coronavírus”, mas não é casualidade. Ao longo de sua vida, Jair Bolsonaro nunca escondeu sua aversão a pobre (compartilhada por Paulo Guedes). Em diversos arroubos de dislate, o presidente defendeu a ideia (que não é tese) de que a esterilização dos pobres seria a solução para a pobreza, disse que metralharia a Favela da Rocinha, afirmou que o massacre do Carandiru deveria ter matado quase 10 vezes mais, etc.
O absoluto descaso no trato da pandemia de Covid-19 mostra que a situação fez o ladrão, quer dizer, o genocida. Ao afirmar que pessoas inevitavelmente vão morrer, que apenas os que têm comorbidade e os que não tem histórico de atleta serão os mais atingidos (e outras tolices), o presidente da república demonstra um “entendimento” perverso e deturpado do que é a seleção natural.
Para começar, a seleção natural ocorre entre indivíduos (de espécies) que apresentam características que melhor se adaptam às condições ambientais em que vivem. Essas condições resultam da ação de leis naturais (química e física) e das interações entre diversas outras espécies (biologia). Isto significa que os indivíduos que dispõem de certas características são selecionados por um ambiente em mudança, mas eles não podem escolher como se adaptar. Eles são determinados na sua concepção pela sua herança genética. Assim, a competição entre esses indivíduos é “justa”, já que ela ocorre de forma aleatória e não determinada por alguém.
No caso da sociedade humana, não. Temos uma formidável capacidade de utilizar e modificar as leis da natureza para adaptá-las a nossa sobrevivência como espécie. Por isso, nossos indivíduos nascem em condições anteriormente estabelecidas coletivamente por outros indivíduos. Consequentemente, o ambiente no qual a “batalha pela sobrevivência” acontece é resultado de um rígido processo histórico de acúmulo de riqueza para uns, mas ausência de acesso à riqueza para outros (muitos). Então, quando se trava a batalha para a seleção dos indivíduos mais fortes em uma sociedade humana, na verdade concorrem entre si as condições matérias pregressas de cada um deles. São elas que criam a oportunidade dele adquirir ou não certas características que os diferenciam dos demais (como a educação, por exemplo). Ou seja, a seleção não tem nada de aleatória, muito menos meritocrática. Ela é injusta, pois resulta do acesso que o indivíduo teve aos recursos materiais propiciados pela família que o criou.
É aqui que voltamos ao início da análise. O que está acontecendo atualmente no Brasil é uma tentativa de se aplicar na prática uma política mista de seleção social onde os indivíduos considerados mais fracos seriam eliminados. De um lado, os mais velhos e aqueles que apresentam problemas de saúde prévios poderiam morrer, tudo bem. (“Reduzirá nosso déficit previdenciário” nas palavras de Solange Vieira, assessora do sinistro Paulo Guedes). Seria o caso da eugenia, defendida pelo regime nazista. Mas, por outro, há a seleção social pelo nível de renda. Os indivíduos que vivem em habitações inadequadas, que não dispõem de educação e informação, que não têm acesso ao sistema de saúde eficiente, etc. também poderiam morrer. Seria o preço a se pagar.
O sonho já revelado pelo presidente era de que o Brasil adotasse a política de combate ao Covid-19 da Suécia. Se lá, onde boa parte das residências tem apenas um morador a situação está do jeito que está, imagina o que aconteceria aqui, onde muitas residências são abarrotadas de pessoas e as condições de vida nem se fala?

[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma, Monik Helen e Márcio B. da Silva.
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quarta-feira, 20 de maio de 2020

Avança a crise do covid-19


Semana de 11 a 17 de maio de 2020

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           
Como era previsto, a “crise do covid-19” segue seu rumo infetando e deixando um rastro de mortos pelo caminho. Já não adianta citar os números, pois amanhã eles estarão desatualizados e caminhamos para o primeiro lugar no podium. Seremos campeões com a ajuda de um presidente fanático: Brasil acima de tudo.
Há, porém uma correção importante a fazer: a crise não é do covid-19, mas uma crise econômica deflagrada pelo coronavírus, para a felicidade dos economistas.  Já esquecemos as crises dos anos 70, 80, 90, 2000 e 2008 quando não havia vírus nenhum. Para elas foram encontradas outras desculpas furadas: um bode expiatório. Até 2018 se passaram 10 anos e, portanto, já era tempo de começar mais uma fase de crise do ciclo econômico e ela se gestava desde o segundo semestre de 2019. Nós já vínhamos alertando para isto. Basta ler as nossas Análises do ano passado. Era uma grande mentira do Sinistro da Economia Paulo Guedes a afirmação de que a economia do país estava se recuperando e foi abortada pelo vírus. Foi uma pena a tragédia do covid-19. Daria mais satisfação ver a derrota da política econômica, e da ideologia econômica a ela associada, praticada por ele. Sua equipe agora tem um excelente pretexto: foi o coronavírus e a quarentena decretada pelos governadores e a oposição.
Mas, ao passo em que os fatos se desenvolvem Guedes vê sua crença no Estado mínimo ir para o buraco. Bem afirma Claudio Considera, pesquisador do Ibre-FGV. Com ajuste fiscal não há recuperação: “Esse raciocínio (ajuste fiscal) tem de ser jogado para o alto. Essa agenda acabou. Não tem como insistir em ajuste com pandemia”. “Ou o governo se convence disso ou não vai ter retomada em 2021”.
O Sinistro Guedes está a ponto de morrer de infarte. Não é por outra razão que as ajudas monetárias aprovadas pelo congresso se arrastam. Ele e sua equipe, propositadamente, adiam e atrasam a liberação dos recursos. Cada real pago é uma facada na sua teoria louca. A “equipe dos pesadelos” formada pelos “Chicago oldies” será a responsável pela violência da queda da economia deste ano e pelas dificuldades da recuperação. A reacionária burguesia que os apoia pagará caro pela austeridade fiscal da sua ideologia. Aí está o desespero. Para eles, cada vida poupada pela quarentena representa alguns milhares de reais que deixam de entrar na caixa. Por isso a pressão pelo fim do isolamento social. Que morram os trabalhadores, pelo trabalho ou pelo covid-19, mas que o dinheiro entre na caixa enquanto os senhores empresários guardam, em suas mansões, uma rigorosa quarentena. Sua falta não é sentida pois eles nada produzem.
O mais aberrante é que o presidente de um país, que nem para capitão prestou, arma-se em médico, vendedor de remédios e infectologista e com piadas de mau gosto gasta seu tempo violando a lei e participando em manifestações ilegais. E nada acontece.
Enquanto para os trabalhadores os tostões são liberados a conta gotas, e falta dinheiro para combater a pandemia, para os bancos são liberados R$1,216 trilhões o que corresponde a 15,7% do PIB e daria para comprar 6 respiradores por habitante e distribuir R$2.000,00 de subsídio para cada um durante 3 meses.
Na economia a situação continua a agravar-se. Sem trabalho, não há produção e sem salários não há consumo. A consequência é o aprofundamento da crise. As estimativas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) são revistas para baixo. O boletim Focus do BC estima uma queda de 10% para este ano. A Pesquisa Industrial Mensal (PIM) do IBGE calculou uma queda de 2,3% para o primeiro trimestre e de 5,4% para São Paulo, apenas em março. Neste mês a produção caiu em todos os estados. A receita das empresas cai os prejuízos aumentam, o desemprego cresce. Segundo a FGV no ano o desemprego chegará aos 18,7%. Em março o comércio encolheu 12,5% e entre 15/3 e 2/5 o varejo caiu 56%. O dólar ronda os R$6,00, os investimentos diminuíram e a receita do governo, em abril caiu 28%. Para completar a semana, estoura o escândalo do vídeo da reunião dos ministros com cenas impublicáveis e a pesquisa CNT/Instituto MDA mostrou que 43,4% consideram o governo ruim ou péssimo e 32% bom (ainda é muito).

[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik Helen.

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quarta-feira, 13 de maio de 2020

CNPJ versus CPF


Semana de 04 a 10 de maio de 2020

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Quem não viu, a estapafúrdia visita de Bolsonaro, ministros e uma comitiva de empresários ao presidente do STF na semana passada? Mais do que uma tentativa de intimidar um dos corroídos pilares da nossa frágil República, ou uma demonstração de estupidez frente à pandemia, o ato mostra quais interesses o atual governo representa.
Antes de tratar tal fato, gostaria de limpar a poeira de um velho debate que surgiu nas ciências sociais na década de 1960, quando o trabalhador passou a ser chamado por alguns de capital humano. O termo parece inocente. Enaltecedor, talvez. Mas na realidade traz uma carga ideológica e desumanizadora ao trabalhador.
Uma das primeiras consequências dessa nova alcunha é que numa relação entre trabalhadores e patrões, não se encontram mais duas pessoas de distintas classes. Antes, no jargão “chulo-esquerdista”, era negociação entre burguesia e proletariado. Agora, dois capitalistas se encontrariam no mercado e negociariam cada um o seu capital. Desapareceria, assim, a diferença entre operário e capitalista, sendo todos capitalistas.
É dessa aparente igualdade que surge um segundo elemento: a contratação do trabalhador surgiria como uma relação entre pares, que detêm iguais condições de negociação. Isto porque, como se disse, cada um ofereceria um tipo de capital ao negócio a ser empreendido: o trabalhador, o capital humano e o patrão, o capital físico/monetário.
A dura realidade do Brasil hoje mostra que isto permeia a cabeça do empresariado (e alguns economistas de fé), mas não é a realidade vivida pela maioria.
Na referida invasão ao STF, o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio Batista Costa, disse que haveria “morte de CNPJ”, caso as medidas de isolamento não fossem afrouxadas. Segundo ele, fazendo menção aos 100% de uso da capacidade da atividade industrial, seu “coração” estava “batendo a 40”. Já Marco Polo de Mello Lopes, da Coalizão Indústria, disse que o setor “está na UTI”.
Seria necessário mencionar, aqui, que quem vai parar na UTI, de fato, são pessoas? Que em estados como AM, CE, MA, PA, PE, RJ e SP a lotação das UTIs está acima dos 80%? Que morreram mais de 10 mil de todos os níveis de renda, mas mais ainda aqueles que não têm acesso ao privilegiado fornecimento de UTIs particulares?
Acho que isso é o óbvio e não precisa ser lembrado. Mas a burguesia nacional vive demonstrando que está pouco se lixando para a grande massa da população. E, como demonstrado na invasão já citada, utilizarão qualquer recurso para pressionar as instituições que poderiam garantir um mínimo de civilidade. Amparados pela maldade travestida de demência de Jair Bolsonaro, o desejo desses cidadãos é que os ditos CPFs paguem o preço máximo da sua própria vida para que os CNPJs “não morram”. O que falta dizer é que, caso o CNPJ “morra”, ainda restará um CPF vivo, pois a empresa pode até morrer, mas o empresário falido ainda vai viver. Os CPFs sacrificados, não.
É aqui que vemos a diferença fundamental que bota abaixo a teoria do capital humano: o empresário sobreviveria sem seu capital, enquanto o trabalhador, não. Por isso mesmo, cenas como a de trabalhadores ajoelhados nas calçadas implorando pela reabertura do comércio são vistas (caso de Campina Grande que já é alvo de investigação do Ministério Público do Trabalho por coação). Se tivessem a chance de viver do seu “capital”, não estariam sujeitos a isso.
E é aqui que entra o Estado como mediador dos conflitos sociais. Deveria proteger a classe vulnerável da pressão de morte empresarial. Como? Fazendo funcionar a distribuição do auxílio ao mais necessitados, por exemplo. Não medir esforços para garantir a vida. Só a ação estatal, que resulta de ações coletivas, pode fazer isso.
Com todos os pesados pesares que possamos elencar, têm sido a estrutura institucional do Estado brasileiro a criadora de barreiras para que certas atrocidades não aconteçam. Porém, vivemos numa sociedade capitalista, e o Estado não está alheio a isso. Será, que nossa frágil República aguenta as pressões da crise, agravada pelo covid-19?

[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik Helen.

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quarta-feira, 6 de maio de 2020

A queda do superministro Moro


Semana de 27 de abril a 03 de maio de 2020

Nelson Rosas Ribeiro[i]
            
Mais uma semana com intensa agitação política. Ainda na ressaca da demissão do ministro da Saúde, o governo resolve derrubar mais um: o todo poderoso supersinistro da Justiça Sergio Moro, o paladino da luta contra a corrupção. Bolsonaro precisava demitir a direção da Polícia Federal (PF) no Rio que comandava as investigações contra sua família e não foi atendido pelo Diretor Geral da PF Maurício Valeixo, então ameaçado de demissão. Moro se opôs à mudança e jogou pesado. Levou a pior. Foi ele próprio demitido juntamente com o diretor Valeixo. Moro decidiu sair atirando e a confusão está armada prometendo muitos seguimentos nas próximas semanas. O novo ministro nomeado, André Luiz Mendonça (terrivelmente evangélico), discursou na posse jurando ser um servo de Bolsonaro classificado como “Profeta”.
A segunda bronca da semana foi a nomeação do substituto do delegado Valeixo como Diretor Geral da PF. O escolhido foi Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro. A nomeação foi vetada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, através de uma liminar. O mundo quase veio abaixo.
Tudo isto enquanto o covid-19 se espalha e faz mais vítimas. Na sexta-feira passada, em 24 horas, o número de casos confirmados subiu de 101.17 para 105.222 infectados e o de mortes, de 7.025 para 7.288, com uma letalidade de 6,9%. O novo ministro da Saúde anda como barata tonta a fazer discursos para nada dizer. Em alguns estados já se chegou ao ponto de ruptura do sistema de saúde pública e a tendência é piorar com a ajuda do presidente que continua a fazer propaganda contra o distanciamento social e apelando para a reabertura das atividades econômicas.
Na economia a situação continua a agravar-se. As estimativas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) são revistas para baixo. De -3% já está em -5% e há piores previsões. O dólar disparou já superando os R$5,53 apesar da intervenção do Banco Central (BC) que, só na terça feira, injetou US$50 bilhões no mercado. Em relação à 2019, os pedidos de seguro desemprego aumentaram 150 mil, e 52% das famílias não conseguirá pagar suas contas.
Preocupados com a situação econômica, a ala militar do governo lançou o programa Pró-Brasil, um programa para a recuperação da economia pós-covid-19. O general Walter Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, cercado por outras autoridades, apresentou um grande programa de investimentos em infraestrutura visando relançar a economia e gerar empregos. Entre os participantes não havia ninguém do Ministério da Economia. Os rumores de um racha dentro do governo levou Bolsonaro a fazer uma declaração de que na economia quem manda é o Guedes e em seguida em uma conferência de imprensa, Guedes e Braga Netto trocaram elogios tentando mostrar que tudo estava na completa paz.
Mas o Índice de Incerteza da Economia, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), atingiu um novo recorde de 210,5 pontos superando o anterior que era de 136,8 pontos, em setembro de 2015. As causas apontadas para este aumento são as demissões dos ministros da Saúde e da Justiça e as atitudes do presidente e seus filhos que têm provocado atritos com o Congresso, com o poder judiciário e com a imprensa.
Como consequência, uma pesquisa da Consultoria Atlas Político, nos dias 24 a 26 de abril, mostrou que 49% dos entrevistados apontaram o governo como ruim ou péssimo e apenas 21% como bom ou ótimo. Em pesquisa anterior esta percentagem era de 26%. Em relação ao impeachment de presidente, 54,1% foram favoráveis e apenas 36,6% foram contra. Esta possibilidade, porém, ainda parece remota, pois o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está sentado sobre um grande pacote de pedidos que alcança quase 3 dezenas e declarou que a prioridade agora é o coronavírus.
Parece que o presidente é que não está de acordo pois, no domingo, participou em uma nova manifestação contra o isolamento social, o STF, o Congresso, a imprensa etc. Mais um apelo à ditadura e intervenção militar. Continua testando os limites.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik H. Pinto.

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