quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Sobre sociedades de economia mista (e Petrobrás)

Semana de 15 a 21 de fevereiro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Qual o papel de uma empresa no sistema capitalista? Os desatentos e os descarados diriam que é produzir coisas úteis e atender os desejos das pessoas. Os empresários diriam: meu capital é aplicado para dar lucro, independente do que é produzido. Por sua vez, uma empresa pode ser de propriedade privada, de propriedade pública ou de propriedade compartilhada entre a iniciativa privada e o Estado. Este último caso forma o que chamamos de sociedade de economia mista. No Brasil, a lei (de 1967) obriga que o Estado tenha o controle sobre essa sociedade.

Um dos motivos é que nem sempre a iniciativa privada esteve disposta a correr sozinha os riscos de investir em determinadas atividades econômicas. A história da industrialização brasileira mostra que o Estado Nacional foi o grande responsável pela criação dos setores de insumos básicos, infraestrutura e serviços industriais de utilidade pública. Já a partir dos anos 1980, a esmagadora maioria das empresas sob controle dos entes da federação foi vendida à iniciativa privada. Começava a caçada do “capital financeiro” às empresas estatais brasileiras.

Como foi dito no primeiro parágrafo, toda empresa capitalista deve ter uma receita suficiente para cobrir todos os seus custos. Com este excedente, deve realizar um conjunto de outros dispêndios que lhes garanta a permanência e a expansão no mercado em que atua, como, por exemplo, investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. Pois bem, no passado, o Estado utilizou as empresas sob seu controle para subsidiar boa parte da industrialização nacional (insumos a baixo custo) e por aí tentou segurar a inflação. Contudo, em muitos casos, fez isso sem garantir sequer que as receitas cobrissem as despesas. Claro, o resultado foram as falências e a pecha de que o Estado é mal gestor.

Dentre as sociedades de economia mista brasileiras, a mais famosa e de sucesso é a Petrobrás. Provavelmente graças à icônica campanha “O Petróleo é Nosso”, a empresa não entrou no pacote de privatizações da década de 1990. Independentemente da causa, é uma empresa que trabalha com alguns dos produtos mais importantes de qualquer economia industrializada: petróleo e derivados. Estes setores são dos que mais influenciam toda a economia, tanto porque demanda muitos bens e serviços de outras empresas, quanto porque seus produtos são consumidos por um vasto leque de setores e famílias. Por isso a Petrobrás é considerada uma empresa estratégica para a nação.

A contrapartida da não privatização da Petrobrás foi a flexibilização dos preços de acordo com o “mercado”. Fazia parte do “acordo” com os acionistas minoritários a busca pelo lucro máximo e o aumento dos dividendos distribuídos. A flexibilização se concretizou em 2002, quando também se tentou alinhar os preços internos com os externos. Contudo, entre 2003 e 2016 não houve imediata correspondência entre o preço dos derivados no país e o preço internacional do petróleo. Mesmo assim, foi nesse período que a Petrobrás se tornou uma potência mundial, incluindo a descoberta e produção na camada pré-sal. A partir de 2016 obrigou-se o Estado brasileiro a abrir mão de seu poder dando aos acionistas minoritários a preferência no atendimento de seus interesses. Já vimos o resultado disso na “xepa” que tem sido a venda de ativos da empresa desde então.

Nos últimos dias, vimos Bolsonaro tentar tomar de volta as rédeas e trocar o presidente da empresa. A reação foi um movimento especulativo que derrubou as ações da Petrobrás na bolsa de valores, apesar de suas máquinas, plataformas e navios terem continuado a funcionar normalmente. Além de interferir diretamente no funcionamento da empresa, ele interferiu no pacto entre Estado e capital financeiro: a receita da Petrobrás é muito elevada às custas do brasileiro pagar caro por um petróleo que custa bem menos para ser produzido internamente. Ou seja, o lucro apropriado por um punhado de acionistas é bem grande e o número de brasileiros que pagam por isso também.

Duas questões se colocam: o presidente do Brasil tem noção do que está fazendo e, terá capacidade de vencer essa batalha? Desconfio que as respostas são não. Aliás, ele nem sequer sabe quais são os interesses da nação. É esperar para ver...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

Share:

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Novas ameaças à economia e à democracia

Semana de 08 a 14 de fevereiro de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Pelas nossas previsões, 2021 não começaria bem. Os dados continuam a provar que tínhamos razão. A recuperação em V do sinistro Paulo Guedes, que ninguém viu, foi abortada. Preciosa colaboração para isto foi dada pela incompetência do general pau mandado, que se senta na cadeira de ministro da Saúde. Sua ação desastrosa contribui para a propagação do covid-19, agravado agora pelo surgimento de nova cepa brasileira ainda mais contagiosa. Os números de mortos e contaminados continuam a aumentar. Com as irresponsabilidades carnavalescas, mesmo sem carnaval e a conivência criminosa das autoridades caminhamos para a catástrofe. O sistema de saúde, já saturado, vai entrar em colapso para satisfação do presidente, que delira com o cheiro da morte. Apesar do reconhecimento de que a economia só se recupera com a vacinação em massa, os incompetentes não conseguem disponibilizar o número de doses necessárias para a população. A imunização se arrasta. Ao ritmo atual calcula-se que os maiores de 60 anos serão vacinados em 4 meses e 50% da população só no final do ano.

Os dados de 2020 mostram o que todos deviam saber. Os impactos da covid-19, do fim do auxílio emergencial e do desemprego derrubaram a economia não só para o ano de 2020 como para o ano atual. Segundo a Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE, a incerteza e a insegurança afetaram as expectativas de consumidores e empresários. Em dezembro, o varejo caiu -6,1%, quando as estimativas dos analistas eram de queda de -0,6%. Foi o pior dezembro desde 2000. O varejo ampliado caiu -3,7%. Segundo a Pesquisa Mensal de Serviços, também do IBGE, o setor de serviços teve uma queda de -7,8%. Em dezembro, sobre novembro, a queda foi de -0,2%. Os serviços prestados às famílias caíram -35,6%. Todas as atividades de serviços caíram. É do conhecimento geral que só a vacinação em massa pode alterar este quadro.

Para o primeiro trimestre deste ano as perspectivas não são boas. O Ibre/FGV espera um crescimento negativo do PIB. A recuperação de 2020 abortou. Segundo eles, a pandemia dá à crise uma característica inédita com as restrições à circulação. Temos um quadro de desaceleração da economia e, no entanto, aumenta a inflação colocando o BC, e seus economistas, no pior dos mundos, o terrível velho dilema: combater a inflação ou a desaceleração. Segundo a teoria, por eles professada, tal fenômeno não pode acontecer pois não é possível, é teoricamente inconcebível. O presidente Roberto Campos Neto reconhece que a recuperação, que esboçava um V, perdeu fôlego. O endividamento aumentou com os gastos com a pandemia, mas o BC se preocupa com o aumento da inflação que ele considera provocada por fatores temporários como os alimentos (aumento da demanda pelo auxílio emergencial), o câmbio e os preços das commodities. Campos Neto não consegue acalmar o mercado financeiro que entrou em polvorosa e a bolsa caiu.

Neste ambiente a Câmara aprovou, em regime de urgência, a autonomia do BC por 339 a 114 votos. O grande pretexto: blindar o BC de influência política. A realidade: entregar diretamente o BC nas mãos do sistema financeiro. E parte da oposição embarcou nesta canoa furada. É do conhecimento geral a existência da porta giratória que comunica os bancos e o BC. A função do BC passa a ser garantir a estabilidade da moeda e controlar a inflação. “Na medida das possibilidades” buscar o “pleno emprego”. O presidente perde o estatuto de ministro e terá um mandato de 4 anos não coincidente com o do presidente da República sendo indicado por ele e aprovado pelo Senado. As metas do banco serão estabelecidas pelo Conselho de Política Monetária (Copom) que é formado por uma Troika: o ministro da Economia, o secretário especial da Fazenda e o presidente do BC. Estamos mesmo em boas mãos.

Enquanto isso Bolsonaro, com os seus novos decretos sobre armas, continua a preparar sua milícia privada, com a conivência das forças armadas, e o leão desdentado general Villas Boas ruge impunemente ameaças à democracia.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

Share:

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Novamente, o preço do combustível fóssil no Brasil

Semana de 01 a 07 de fevereiro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Desde 2020 circulam diversos memes que achincalham o patamar atingido por alguns preços aqui no Brasil: desde o gás de cozinha, passando pela carne e pelo alho, até chegar ao dólar.

Hoje, vamos começar falando sobre o preço da gasolina e do óleo diesel. Em outubro de 2016, com o Golpe já consumado e sob o comando de Pedro Parente, a Petrobrás anunciou a adoção da política de preços que até hoje vigora: os preços internos dos combustíveis vão estar submetidos ao preço internacional do petróleo. Isto significa que o preço no Brasil depende das oscilações dos preços no mercado mundial. Além disso, como o barril de petróleo é cotado em dólar, a taxa de câmbio também entra na determinação dos preços básicos nas refinarias brasileiras.

Qual a razão para a adoção desta política? Como já alertava a Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) à época, isto serve apenas para garantir aos acionistas da empresa a máxima rentabilidade possível. Na prática, isto significa que, os consumidores, nós, a esmagadora maioria dos brasileiros, pagamos um combustível caro para que meia dúzia de proprietários de ações da Petrobrás aumentem seus dividendos. É uma espécie de programa de transferência de renda, um dos maiores promovidos pelo Estado brasileiro.

A este crime de lesa-pátria se soma o desmonte da empresa realizado desde então. A Aepet, ela novamente, mostrou que os principais pontos da política adotada são equivocados ou desnecessários para se cumprirem os objetivos da Petrobrás como empresa (fonte). Dentre os principais elementos denunciados pela entidade, está o abandono da participação em projetos de desenvolvimento de energia alternativa. Só para termos uma noção do quão isto é importante para as empresas do setor, a petroleira francesa Total irá propor aos seus acionistas a mudança de nome como um dos passos para a renovação da matriz energética explorada por ela. No Brasil, a Petrobrás já se arriscou e obteve sucesso com a exploração de petróleo em águas profundas (vide o pré-sal). Porém, para seus diretores atuais, mesmo com todas as evidências da necessidade de mudança na matriz energética, eles consideram que a companhia não deve se arriscar nesta empreitada.

Este é o segundo elemento que destaco aqui. Não é de hoje que o mundo busca alternativas aos combustíveis fósseis para geração de energia. Até a tradicional indústria automobilística, símbolo da “Era da produção em massa” do século XX, se rendeu e busca se adequar àquela que em breve será a nova realidade das economias avançadas: o petróleo será cada vez mais relegado a segundo plano na matriz energética.

Em 2020, mesmo com a pandemia de Covid-19, houve um aumento de 9% nos investimentos na chamada “economia de baixo carbono”, totalizando US$ 501,3 bilhões. As fontes de energia que puxaram esta expansão foram a solar e a eólica offshore (onde os parques eólicos são instalados em alto-mar). Só em transporte limpo, a Europa investiu U$ 64,7 bi e a China, US$ 45,3 bi. O investimento em “economia verde” também é um dos destaques das promessas de Joe Biden para recuperar os EUA no pós-pandemia.

No Brasil, infelizmente, estamos décadas atrás no tema. E a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) sabe disso. A entidade já se prepara para se aproximar do governo e discutir o futuro do setor no Brasil. Isto porque, na experiência internacional das montadoras, o Estado tem sido uma peça fundamental na tomada de decisões sobre como os veículos irão funcionar.

É triste ver que, no Brasil, ainda estamos na primária discussão simbolizada pela política de preços dos combustíveis fósseis. Nosso presidente não é esperança, pois ele não sabe nada de nada, muito menos de economia ou sequer se importa com algo além do seu clã. Como sugestão, deveria ler um estudo de 2020 que estima em R$ 2,8 trilhões o potencial de ganho no PIB e em 2 milhões o número de empregos a mais no Brasil a partir da “economia verde” (fonte). Mas é querer demais de um Bolsonaro.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

Share:

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

“No pior dos mundos”

Semana de 25 a 31 de janeiro de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Como temos alertado os nossos leitores, a recuperação em V do sinistro Paulo Guedes ninguém viu até agora, exceto ele, que continua repetindo a ladainha. Aliás, a mentira é atributo dos ministros da economia, por exigência da teoria que professam e do cargo. A ideologia econômica que os inspira afirma que são as expectativas que comandam a economia. É o subjetivo que cria o objetivo. Se os empresários acreditarem, eles vão investir. É obrigação dos ministros, portanto, mentir para induzir os empresários a fazer os investimentos. Guedes é do time que pensa que economistas enganam capitalistas. Coitados dos técnicos que se sentem obrigados a torcer os números. Há quem diga que as modernas técnicas de tratamento de dados, como a econometria, “são instrumentos para torturar os dados até que eles confessem”. Muito conveniente para os defensores das ditaduras usuários desses métodos.

Apesar disso ainda há analistas que prezam sua honra e não querem manchar os seus currículos e, mesmo a contragosto, revelam a realidade. De dentro do próprio Ministério da Economia sai a afirmação de que “teremos um trimestre difícil e não adianta dourar a pílula.” Não haverá recuperação em V. Já o Ibre/FGV estende a má notícia para o 1º semestre quando se vai caracterizar uma “recessão técnica”. Prevê queda no Produto Interno Bruto (PIB), de -0,5%, no 1º trimestre e de -0,2, no 2º trimestre. Na 1ª edição do Boletim Macro deste ano está previsto um crescimento do PIB, em 2021, de 3,5%, mas com viés de baixa. A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro desabafa: “Estamos no pior dos mundos com inflação alta, câmbio depreciado, atividade muito fraca.” O desemprego previsto é de 15,5% no 1º trimestre e 16% no segundo.

Como também já comentamos em várias Análises anteriores estamos diante de uma situação nova que ultrapassa a análise econômica, a ação de um agente externo, o Coronavírus, que ameaça toda a humanidade mas que é subestimado pelo “psicopata agressivo, tosco e desprezível” que finge que nos governa, apoiado por uma horda de fanáticos e sustentado por uma elite empresarial reacionária e inculta e, para nossa vergonha, pelos oficiais de alta patente das forças armadas saudosos dos velhos tempos da ditadura.

A recuperação da economia que, em condições normais, já deveria estar ocorrendo, pois é a fase do ciclo onde deveríamos estar, é perturbada, em todo o mundo, pela pandemia. Não existe a alternativa entre combater a pandemia ou estimular a economia. Todo o mundo sabe disso. O presidente Biden dos EUA, o Banco Central Europeu (BCE), os governos dos países da UE. Por todo lado ouve-se a afirmação “sem vacina não há recuperação” e “vacinas para todos”. Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que a pandemia já custou US$2,4 trilhões e que o atraso nas vacinas pode resultar num aumento das mutações do vírus o que tornará ainda mais difícil o combate. A Câmara Internacional de comércio (ICC) calculou que sem vacinas nos países em desenvolvimento as economias dos países desenvolvidos perderão US$9,2 trilhões. Estamos todos no mesmo barco.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou seu Panorama Econômico Mundial onde revisou suas previsões para a evolução da economia. Calculou o custo global da pandemia em US$22 trilhões. As revisões de crescimento foram: para os EUA, de 3,1% para 5,1% e para o mundo de 5,2% para 5,5%. Para o Brasil a projeção passou de 3,45% para 3,49%. O FMI alerta para os efeitos positivos da vacinação, e afirma que vivemos um período de “excepcional incerteza”.

Mas, se no mundo apenas o covid-19 perturba a economia por cá temos um desgoverno que é uma ameaça adicional. Com a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, candidatos do governo, prepara-se um massacre de leis e medidas que certamente contribuirão para dificultar ainda mais a possibilidade de recuperação.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

Share:

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog