quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Que venha 2022 e que se vá Bolsonaro

Semana de 20 a 26 de dezembro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

  

Em tom de retrospectiva e de esperança (quem diria!?), a presente análise pode trazer náuseas para os seus leitores. O motivo? Veremos frases proferidas por integrantes do Executivo Federal em 2021, bem como dados da última semana de dezembro sobre a realidade brasileira. Aos que têm o mínimo de juízo, fica claro que isso é mais do que suficiente para aproveitarmos o ano que se aproxima para uma mudança de rumo, mesmo que liderada por velhos conhecidos do passado.

Os ares de uma nova esperança não estão distantes de nós, pelo contrário. Nossos vizinhos já iniciaram seus processos de rejeição, seja a governos neoliberais ou a governos de cunho “neofascistas” (apesar de ambos estarem bastante interligados). México, Argentina, Peru e Chile elegeram presidentes que, a peso de hoje, são chamados de “esquerdistas”. Claro, ainda longe de uma esquerda de facto, esses governos de centro (talvez centro-esquerda) representam um conjunto de ideias progressistas e que têm um caráter civilizatório muito maior do que os seus antecessores/opositores de direita. Além desses, vale mencionar dois países onde há grande chance de mais “esquerdistas” ganharem em 2022: a Colômbia e, claro, o Brasil.

Começando pelas estatísticas brasileiras, algumas informações se destacam: a inflação dos últimos 12 meses está em 10,74%; o número de mortos por Covid-19 é de 619.000 pessoas; o desemprego ainda atinge 12,9 milhões de pessoas; o rendimento médio real do trabalhador é o menor em 10 anos; dos que estão ocupados, 40,7% estão na informalidade (são 38,2 milhões de trabalhadores); desses informais, 25,6 milhões são trabalhadores por conta própria que vivem de bicos.

Narrando os fatos que levaram a estes números, para além da titica externada nos anos anteriores, por aqui tivemos que passar o ano ouvindo: “Chega de frescura, de mimimi, vão ficar chorando até quando?”; “A Amazônia não pega fogo. Você pode jogar um galão de gasolina lá na mata. A floresta é úmida”; “Imprensa de merda. É pra enfiar no rabo de vocês da imprensa essas latas de leite condensado todas”; “Melhor perder a vida do que perder a liberdade”; “A universidade, na verdade, deveria ser para poucos”; “Todo mundo quer viver 100, 120, 130 anos. Todo mundo vai procurar serviço público”; “Deram bolsa pra quem não tinha nenhuma capacidade de saber ler”; “Qual é o problema de a energia ficar um pouco mais cara?”; “Não adianta ficar sentado chorando”.

Para piorar nossa situação, tempestades têm atingido a Bahia desde novembro. São 72 municípios do estado em situação de emergência devido às enchentes. São mais de 430 mil pessoas atingidas, sendo 31 mil desabrigados e outros 31 mil desalojados. O número de mortos chegou a 20. Enquanto mais essa tragédia ocorre no país, o que faz o presidente? Nada, continua suas férias em Santa Catarina. As férias do ano passado custaram R$ 2,4 milhões. As desse ano, para além das cifras monetárias, vão custar as perdas que os baianos até aqui abandonados terão de enfrentar sem o apoio da pátria mãe.

No início do século, o Brasil ensaiou dar um pequeno passo para frente. Hoje, estamos dois passos atrás (Lênin que me perdoe). Para não darmos mais tantos outros, em 2022 é preciso derrotar esmagadoramente aqueles que aglutinam e representam publicamente o pior da sociedade, seja em âmbito nacional, estadual ou municipal. Para isso, é preciso unir todas as forças em torno de candidatos que representem o pensamento progressista.

No caso das eleições para presidente, as pesquisas de hoje indicam que Lula venceria as eleições de outubro de 2022 no primeiro turno. As de amanhã podem indicar Ciro (duvido, mas quem me dera). Quem quer que seja, se representa um real enfrentamento ao fascismo e um projeto decente de redução das desigualdades sociais, que seja feito o esforço necessário para que seja eleito em primeiro turno.

Fascistas, já é hora de passar para o lixo da história! Feliz 2022!


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Carolina Nantua, Eduardo Oliveira, Maria Cecília Fernandes e Guilherme de Paula. 

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sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Estagflação e crise do coronavírus

 Semana de 13 a 19 de dezembro de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Nas duas últimas Análises discutimos dois assuntos controversos que caracterizam a situação atual: a estagflação e a crise. O Professor Lucas apontou algumas peculiaridades da chamada “crise do covid” mostrando que ela é uma crise econômica com peculiaridades especiais. No capitalismo as crises econômicas são crises de superprodução. Superprodução de capital sob todas as formas: mercadoria, produtiva e financeira. A sociedade entra em crise por ter criado riqueza demais. Isto não significa que todas as necessidades estejam satisfeitas. Nas condições do capitalismo, só consome quem tem dinheiro e as relações capitalistas de produção se encarregam de produzir uma gigantesca concentração de renda que empobrece os possíveis consumidores.

A crise manifesta-se pelo acúmulo de mercadoria que não encontra consumidores. Com o covid as coisas mudaram e novas características apareceram como bem referiu o Professor Lucas na Análise passada. Isto por si já é inusitado e dificulta o trabalho dos estudiosos. Com este novo tipo de crise surgiu, porém, outro problema: a inflação. Segundo a teoria oficial a elevação dos preços só ocorre quando há uma grande pressão da procura que a oferta não consegue atender. Mas uma pressão de demanda muito forte estimula os empresários a aumentar a produção. Por outro lado, esta demanda é resultado de pleno emprego e salários elevados, ou seja, quando o desemprego é muito baixo. O nosso caso é o oposto. Temos uma grande massa de desempregados, de subempregados, de desalentados e os salários são muito baixos. O número de pobres e miseráveis cresce, a fome se alastra e os empregos informais e de baixa qualidade com baixos salários superam os empregos de melhor qualificação e mais bem remunerados. Apesar disso a inflação continua a disparar. Eis o mistério que o sinistro Guedes e sua equipe de “Chicago oldies” não consegue decifrar.

O Banco Central (BC) comandado pelo Roberto Campos Neto, (neto do conhecido Roberto Campos chamado de Bob Fields nos velhos tempos pela sua subserviência aos americanos) e leitor da mesma cartilha, arranca os cabelos. Aplica a única receita que sua ideologia econômica lhe recomenda: a elevação dos juros. Os documentos do próprio BC reconhecem que as maiores causas da inflação atual, vêm do exterior ou de fatores naturais: preços das commodities (petróleo), crise hídrica, preços da energia, entraves ao comércio internacional, pandemia do covid, etc., sobre os quais os juros não exercem qualquer efeito. Por outro lado, sabem também que a elevação dos juros dificulta o financiamento dos negócios e entrava a retomada da produção. Mesmo assim, na sua demência ideológica prometem continuar a elevação da Selic até “ancorar as expectativas” dos agentes que deixariam de subir os preços. É isto que devemos esperar nos próximos tempos: juros contra o coronavírus, São Pedro e as condições climáticas, o comércio mundial etc.

Passemos então à parte mais chata da nossa análise. O que mostram os dados da semana? Citaremos apenas os que se referem às questões tratadas anteriormente.

As previsões de bancos e consultorias dizem que o BC vai elevar a Selic, dos atuais 9,25 para 11,75% ao longo de 2022 provocando aumento do custo fiscal para o setor público e dificultando empréstimos e financiamentos com consequências negativas para a recuperação da economia. Lembremos que em janeiro a Selic era 2%.

A Câmara Brasileira da Indústria de Construção (CBIC) estima que o PIB do país em 2022 terá crescimento entre 0,5% e 1% e que o PIB da construção civil cairá dos 7,6% atuais para 2% no próximo. O endividamento dos consumidores chegou a 60% em agosto e tende a piorar. A queda da renda do trabalho chega a -6,5% em 2021 Também na agroindústria, nosso carro chefe, a situação é grave. A FGVAgro divulgou seu índice PIMAgro para outubro mostrando queda na produção de -11,3% em relação a 2020. Estre as causas apontadas estão juros, inflação, covid, aumento de custos de produção, mercado de trabalho fraco. Todos consideram que a inflação continuará a crescer o consumo com a produção a cair e o desemprego aumentar. Eis a estagflação. Juros nela!  


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Alan Gomes, Ana Isadora Meneguetti.

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quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

As peculiaridades da Crise do Coronavírus

Semana de 06 a 12 de dezembro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

De uma forma geral, os economistas gostam muito de manual. Isso é um fato! Neles podemos encontrar as descrições e definições mais sintéticas e sistematizadas sobre coisas fáceis e difíceis do cotidiano. Tudo muito bem apresentado e seguindo uma lógica impecável.

Dentre as “coisas de manual” está o entendimento de que o crescimento das economias capitalistas (“economias de mercado” nos manuais) oscila entre fases de maior e menor intensidade. Essas fases são: 1) crise, onde ocorre o desaquecimento da atividade econômica (podendo até ser um decrescimento); 2) depressão, onde a atividade chega ao nível mínimo; 3) reanimação, onde a economia volta a crescer e intensifica-se a criação de produtos, emprego, renda, etc.; e 4) auge, onde a atividade econômica atinge seu pico de crescimento e se preparam as condições para uma nova reversão para baixo. Nesta sequência, isto se repete incessantemente (historicamente, desde o começo do século XIX). Este é um dos traços mais marcantes das economias capitalistas, elas se desenvolverem por meio de um movimento cíclico, chamado de ciclo econômico.

Cada uma das quatro fases citadas tem suas características. Como sugere o título da análise, falaremos apenas das que definem a fase de crise. A primeira coisa é inelutável: as crises no capitalismo são crises de abundância. A produção para porque não tem a quem vender. Com isso os estoques sobem, o desemprego aumenta, os preços caem, a renda também, a falta de confiança se generaliza, os bancos dificultam a concessão de crédito, os juros se elevam e os calotes aumentam. A crise se instala e o caos toma conta...

Certamente, essa abundância não é absoluta, ou seja, a abundância não se refere à totalidade das necessidades sociais. Também é uma característica do capitalismo haver riqueza e miséria ao mesmo tempo. Nas

 crises, os excessos (de produtos, de capacidade produtiva, de dinheiro, enfim, de capital em suas variadas formas) se referem à capacidade de compra da sociedade naquele momento histórico. De um lado, há uma quantidade enorme de riqueza, mas, do outro, não há demanda suficiente para absorver toda essa opulência. Por isso, as crises parecem se manifestar como um desequilíbrio entre oferta, em excesso, e demanda, “em falta”.

A partir dessas descrições, podemos ver as peculiaridades da Crise da Covid-19. Como dissemos algumas vezes nesta mesma coluna ao longo de 2019, a crise econômica já estava começando a se manifestar antes mesmo da Pandemia. Porém, como fator externo à economia e fora da lógica de funcionamento do capitalismo (apesar de, provavelmente, ser um produto deste), o coronavírus veio para “esculachar” os manuais.

A primeira coisa é que as necessárias e indispensáveis medidas de isolamento social para a contenção da contaminação resultaram numa piora muito mais intensa na produção, nos empregos, na renda, nos preços, etc. Do ponto de vista do desequilíbrio entre oferta e demanda, o que antes era uma falta relativa de demanda se tornou, também, numa redução drástica da oferta. Como medida compensatória, os Estados Nacionais passaram a distribuir renda para a população. Isto fez com que a demanda voltasse a ter poder aquisitivo, mas ainda sem haver uma oferta capaz acompanhar. Por isso e por muita especulação, os preços de produtos básicos voltaram a subir (commodities), elevando também os preços de quase todos os outros produtos (inflação no mundo todo). Com o fim das primeiras ondas da Pandemia, a produção foi se “normalizando” em alguns setores, mas não em outros. Por isso mesmo, aquilo que era pra ser um excesso geral de oferta sobre a demanda (uma crise “normal”) foi se transformando em uma demanda aquecida com falta de produtos essenciais para a vida cotidiana (insumos da tecnologia da informação e navios de carga, por exemplo). Não é nenhuma novidade o desmantelo das cadeias produtivas globais. Soma-se a isso o fato de que novas variantes têm causado novas ondas de contaminação, fazendo com que novas medidas sejam adotadas e, novamente, as economias sejam afetadas.

Diante deste cenário, não há mais o que discutir: ou se faz o controle devido da pandemia ou a crise econômica jamais será controlada. A não ser que você seja um jumento de faixa presidencial ou um hipócrita chefiando o ministério da saúde.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Nertan Gonçalves, Mariana Alves, Roberto Lucas e Guilherme de Paula.

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quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Elas chegaram: recessão com inflação = estagflação

Semana de 29 de novembro a 05 de dezembro de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Estamos assistindo a “coisa dramática” anunciada por A. C. Pastore: “subida da taxa de juros com economia encolhendo”. O espetáculo provoca os lamentos de todos os economistas oficiais (neoclássicos), incluindo o próprio Pastore, que apoiam a ação do BC de subir os juros para conter a inflação, a única receita que eles conhecem.

Nós já estávamos prevendo isto há mais de 4 meses. Agora todos admitem o fenômeno que julgavam ultrapassado. Mas, vamos aos dados. O leitor nos perdoe pelo aborrecimento. Os indicadores antecedentes do Banco Central (IBC-Br) e do Centro de Estudos em Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Agro), o PIMAgro, que apresentamos na Análise passada, mostraram-se confiáveis e precisos. Agora, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os números que mostram a realidade

Segundo estas estatísticas, no terceiro trimestre do ano, em relação ao segundo trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) (soma de todas as riquezas produzidas no país pela indústria, agricultura e serviços) sofreu uma queda de -0,1%. Como no segundo trimestre o PIB já havia caído -0,4%, em relação ao primeiro, configurou-se o que eles definiram como “recessão técnica”, (a queda do PIB por dois trimestres seguidos). O sinistro da economia, Paulo Guedes, está metido em uma saia justa. A sua recuperação em V configura-se como um voo de galinha. Mas ainda não foi o bastante para ele calar o bico. Como bom falastrão ele já saiu por aí afirmando que “A arrecadação está muito forte o que mostra que o Brasil está decolando de novo”. Além disso chamou de “conversa de maluco” as previsões de baixo crescimento feitas pelas consultorias e economistas. O Ministério da Economia continua mantendo sua previsão de crescimento de 5,1% para 2021 e de 2,1% para 2022 (segundo o Boletim Focus do BC 4,7% e 0,5%)

Mas há ainda outras estatísticas negativos. A agropecuária, que tem sido o carro chefe do crescimento, teve uma queda de -8%. A indústria de transformação caiu -0,7%. A indústria extrativa -0,4%, os investimentos -0,1%, mas o consumo aparente de máquinas e equipamentos caiu -2,6%. Os analistas apontam como possíveis causas a escassez de insumos, a inflação, a elevação dos juros, o mercado de trabalho fraco, as precariedades das vagas de emprego, os salários baixos, a pandemia, a fragilidade das contas públicas, a escassez hídrica os preços das commodities.

Este ambiente adverso provocou uma queda nas expectativas dos empresários. Sobre isto a FGV calcula 3 Índices: o Índice de Confiança Empresarial que caiu 3,3 pontos ficando em 97 pontos (abaixo de 100 indica desconfiança), o Índice de Situação Atual (ISA), com queda de 2,5 pontos e o Índice de Expectativas (IE) que caiu 4,5 pontos.

Como este quadro tende a se manter não são boas as expectativas para o quarto trimestre e, portanto, para o ano de 2021.  O BC já divulgou que vai manter a elevação da taxa Selic mesmo sabendo que isto é mortal para a recuperação econômica, mas ele não conhece outra receita, pois não consta do seu manual de instruções. Segundo a ideologia deles a inflação é provocada pelo excesso de procura e taxas de juros elevadas reprimem os negócios tanto pelo lado de quem compra como de quem vende, ao dificultar os financiamentos. O governo continua sua louca política de criar entraves para a batalha contra o coronavírus, que nos ameaça com a nova mutação Ômicron, tendo o apoio do incompetente bolsominion ministro da Saúde. A campanha política vai se intensificando com o aparecimento de novos candidatos e parece pouco provável uma alternativa diferente da polarização final de Lula contra Bozo ou Moro duas faces da mesma moeda.

As últimas pesquisas têm mostrado a queda na avaliação do governo o que está levando Bolsonaro ao desespero. Ninguém pode prever o que o louco poderá fazer se encurralado. Temos dito aqui que ele é capaz de jogar pedra na lua. A degradação do ambiente econômico agrava muito a situação.

A recessão técnica chegou e com a inflação. Temos assim a tão temida estagflação para a qual nenhuma receita consta no manual. Coitado do Guedes!


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ana Isadora Meneguetti, Carolina Nantua, Guilherme de Paula e Maria Cecília Neres.

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Recortes da conjuntura atual

Semana de 22 a 28 de novembro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Uma nova mutação do Coronavírus entrou no rol das chamadas “variantes de preocupação” da Organização Mundial da Saúde. Batizada de Ômicron, esta variante foi detectada em vários países do mundo. Pouco se sabe sobre ela, até agora, mas seu potencial perigo está no número de mutações que tem. Porém, ainda não há estudos que comprovem se ela é mais mortal, mais transmissível ou tem resistência às vacinas já desenvolvidas. O que sabemos é que o governo brasileiro não tem seguido as recomendações da Anvisa em relação aos turistas que chegam por aqui. Por exemplo, até hoje, não é preciso do “passaporte vacinal” para entrar no Brasil.

Estar atento a isto é crucial para podermos (tentar) dimensionar a largura e a profundidade do buraco que a Pandemia de Covid-19 está causando nas economias brasileira e mundial. Em outras análises, já falamos inúmeras vezes sobre como as medidas necessárias para combater o vírus desmantelaram as cadeias produtivas. Para além da geração de emprego e renda, isto resultou em desabastecimento de certos insumos básicos e aumento de preços em todo o mundo. Os países onde a inflação mais se elevou nos 12 meses terminados em outubro de 2021 foram Argentina (49,9%), Turquia (19,9%), Brasil (10,7%), Rússia (8,1%) e México (6,2%).

E por falar em inflação, o Federal Reserve (Banco Central dos EUA) e o Banco Central Europeu resolveram manter políticas comedidas contra a elevação dos preços. Segundo os comunicados oficiais, a inflação oficial das regiões não está em patamares alarmantes. Nos EUA os preços subiram 6,2%, enquanto na Zona do Euro a subida foi a maior em 13 anos, de 4,2%. Na interpretação deles, a causa fundamental da inflação atual é o desmantelo causado pela Pandemia. Isto não mudou, apenas ameaça se prolongar para 2022 com o surgimento de novas variantes do Coronavírus. De toda forma, as autoridades monetárias mais importantes do planeta dão sinais claros de que se preocupam mais em resolver os problemas “reais” do que com as “expectativas” dos agentes.

Continuando no tema, o caro leitor deve ter visto o movimento encabeçado pelos EUA e seguido por China, Reino Unido, Japão, Índia e Coreia do Sul para conter o aumento no preço internacional do petróleo. Estima-se que, juntos, os seis países vão por pra jogo entre 65 e 70 milhões de barris que eles têm estocados como reserva estratégica. O motivo? A inflação e a consequente insatisfação da população, que estão aumentando junto com o preço da commodity. Lembrando que no caso do Brasil é pior, pois o preço da gasolina aumenta ainda mais por conta da política artificial de paridade internacional, praticada pelo governo Bolsonaro. A reação das grandes potências foi inútil. A OPEP e os especuladores foram mais poderosos e os preços continuaram a subir nas bolsas de Nova Iorque e Londres.

E por falar em petróleo, saíram os Planos de Negócios propostos pelo governo Bolsonaro para a Petrobrás entre os anos de 2022 e 2026. Duas coisas chamaram a atenção. A primeira é a garantia de uma renda mínima, literalmente, para os acionistas da empresa. Segundo o Plano, enquanto o barril estiver acima dos US$ 40, a empresa vai distribuir para seus acionistas um mínimo de US$ 4 bilhões, ou R$ 22 bilhões na cotação atual. Isso daria para pagar R$ 400 para 17 milhões de brasileiros por pouco mais de 3 meses. Mas esse é só o mínimo. A previsão é de que, entre 2022 e 2026, a empresa pague entre US$ 65 bi e US$ 70 bi aos acionistas, sendo que cerca de um terço seria para a União. O segundo destaque é o processo de ampliação dos investimentos em refinarias, mas não para aumentar a produção de derivados pela Petrobrás. O objetivo é deixar as refinarias prontas, modernas e eficientes para vendê-las a empresas privadas. Naturalmente, empresas como Crédit Suisse, BTG Pactual, Ativa Investimentos e o Banco Safra foram a público elogiar o que o governo Bolsonaro está fazendo com a Petrobrás.

Eis os recortes da conjuntura atual...


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: lan Gomes, Guilherme de Paula e Ana Isadora Meneguetti.

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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

A receita está nos manuais de economia

Semana de 15 a 21 de novembro de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

As notícias econômicas da semana não são das melhores. O Banco Central (BC) divulgou o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) para o mês de setembro, considerado um indicador antecedente para o PIB. Este índice mostrou uma queda da atividade econômica de -0,27%. A economia já vinha caindo em agosto -0,29% e no trimestre -0,14%. Foi o resultado das quedas de -0,4% na indústria, -1,3% no varejo restrito, -1,1% no varejo ampliado e -0,6% nos serviços. O BC apontou como causas o crescimento dos juros e da inflação, a queda da renda das famílias, além do rompimento nas cadeias de suprimentos, os ruídos e incertezas políticas e a queda de confiança de consumidores e empresas. Concluiu o BC que a retomada no terceiro trimestre será “morna”. O V do voo da galinha do sinistro Guedes está se confirmando.

Na agricultura as coisas também não estão boas. O Índice de Produção Agroindustrial Brasileira (PIMAgro) calculado pelo Centro de Estudos em Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Agro) aponta uma queda de 7% para 2%. Eles apresentam como causas a fragmentação das cadeias produtivas, a inflação, a elevação dos custos e a queda na economia. Conclusão: a agroindústria perde fôlego.

O próprio ministério da economia reduziu suas estimativas. Para o crescimento do PIB, em 2022, a redução foi de 2,5% para 2,1%, enquanto o mercado propõe valores inferiores a 1%. Para 2021 a redução foi de 5,3% para 5,1%. Em sentido contrário a correção para o IPCA, que mede a inflação, foi de 7,9% para 9,7% no ano atual. Além disso o ministério adiantou que as condições externas não são boas diante da crise de energia, do rompimento das cadeias produtivas, da piora das condições financeiras e da inflação. 

Este panorama externo adverso é reforçado pelas declarações da Organização Mundial do Comércio (OMC). O Barômetro do Comércio de Mercadorias, por ela calculado, mostrou uma desaceleração de 110,4 pontos, em agosto, para 90,5 pontos, em novembro (100 pontos é o equilíbrio). Esta desaceleração é reforçada pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), em seu relatório sobre transporte marítimo. Esta organização constatou uma desaceleração nas trocas ocasionada pelo congestionamento dos portos, falta de navios e de contêineres, de trabalhadores e a desorganização das cadeias produtivas.

A situação em geral é muito adversa e perigosa. Em sua ignorância o governo nada vê e continua investindo como louco tendo diante dos olhos apenas a sua reeleição. Violando todas as regras que ele mesmo criou com seu cinismo moralista atropela todas as normas legais. É preciso ter dinheiro para comprar deputados e senadores, para o aumento do funcionalismo, para os caminhoneiros, para a Renda Brasil e tudo o que lhe puder render votos. O sistema financeiro está em polvorosa, os capitais fogem, o dólar dispara. A inflação aumenta o que é mostrado em todos os índices. O BC em sua cegueira ideológica, para enfrentá-la, aplica a solução que está em todos os manuais de economia: aumento de juros. No entanto todos reconhecem que aumento de juros só tem algum efeito se a inflação for causada por excesso de demanda o que não o caso atual. A disparada dos preços tem por base a desorganização da economia causada pelo coronavirus o que é uma característica singular. É uma particularidade da crise atual. Nestas condições, a elevação dos juros nada vale, pelo contrário, agrava o problema ao restringir mais ainda a oferta. Vivemos a estagflação, o que já temos apontado há mais de 3 meses. Agora os economistas ortodoxos começam a admitir e chorar. Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC, lamenta “Vamos assistir uma coisa dramática: a subida de taxa de juros com economia encolhendo”. Mas aconselha o BC a subir os juros “o suficiente para contrair a demanda agregada”, mesmo admitindo que “o cenário provável é que ocorra em 2022 uma recessão”.

Que venha a recessão! A teoria econômica é sagrada. É isto que dizem os atuais manuais e é esta a receita recomendada. Amém!


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Daniella Alves e João Carlos da Silva.

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quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Bolsonaro e Guedes contra a Petrobrás e o Brasil

Semana de 08 a 14 de novembro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

No final da década de 1940 e ao longo dos primeiros anos da década de 1950, o Brasil passou por uma intensa discussão sobre o que fazer com o petróleo existente no país. Os “entreguistas”, como Roberto Campos (avô do atual presidente do Banco Central) e Eugênio Gudin, defendiam que o Brasil não tinha condições de explorar petróleo e, por isso, deveriam entregar essa árdua tarefa para as empresas estrangeiras. Já os nacionalistas, dentre os quais destacam-se Getúlio Vargas, os militares e partidos de esquerda principalmente o PCB. Era comum ver nos muros das grandes cidades a frase “O PETRÓLEO É NOSSO” pichada por militantes do PCB.

O resultado dos mais acalorados debates públicos vistos até hoje, foi a instituição do monopólio estatal da exploração do petróleo no Brasil em todas as suas fases. A empresa responsável por esta tarefa foi criada em 1953, chamada de Petróleo Brasileiro S.A, ou simplesmente Petrobrás. Outro resultado importante foi o sentimento nacionalista criado em torno da empresa, que é até hoje reconhecida como “patrimônio nacional”. Em 2015, segundo pesquisa do Datafolha, 61% dos brasileiros eram contra a privatização da empresa. Em 2020, segundo a Fórum, 57% não queriam a venda da Petrobrás.

A força desse sentimento coletivo é tão forte que a companhia resistiu às ondas de privatizações promovidas pelos Fernandos, Collor e Henrique Cardoso, nos anos 1990. Contudo, o monopólio da Petrobrás sobre o petróleo brasileiro durou até 1997, quando FHC abriu o mercado para qualquer empresa que quisesse atuar em quaisquer das áreas no setor, desde a pesquisa até a distribuição.

Apesar disso, a Petrobrás continuou com o poder de monopólio no mercado brasileiro em quase todas as áreas. Mas só um imbecil ou mau-caráter esperaria o contrário. Em todo o mundo, poucas são as empresas que dominam o setor. Tirando umas marginais aqui e ali em alguns países, não é qualquer corporação que tem cacife para concorrer num mercado como o brasileiro. Mesmo que entrassem aqui empresas com potencial (como entraram), o poder de mercado da Petrobrás se manteria como já é.

Nesse contexto, sob o pretexto de aumentar a concorrência no setor e reduzir os preços, a partir de 2015 iniciou-se um processo de fatiamento e venda de partes da Petrobrás para o setor privado (processo também chamado de “desinvestimento”). Segundo dados do Privatômetro, criado pelo Observatório Social da Petrobrás (acesso aqui), a preço de hoje, já foi vendido um total de R$ 239,9 bilhões em ativos até outubro de 2021. Os principais compradores têm origem no Canadá (27,5% do total), na França (20%), no Brasil (14,8%) e na Noruega (11,7%). Só esses quatro compraram 74% dos ativos vendidos desde 2015. Das áreas vendidas, 38,4% corresponde às atividades de exploração e produção, 30% à transporte e 23,5% à distribuição e revenda.

Achando pouco, mas como medida complementar ao “desinvestimento”, desde 2016 a diretoria da Petrobrás tem adotado um sistema de preços que tem duas frentes: uma é que o preço do petróleo no Brasil está baseado na cotação internacional do produto; outra é a simulação dos custos da companhia brasileira em dólares. Isso mesmo, apesar de produzir no Brasil e com boa parte dos custos em Reais (R$), o preço cobrado simula o preço internacional e os custos em Dólares (US$), inclusive custos que não existem, como fretes e tarifas. Tudo isso para elevar os preços internos dos derivados e tornar viável a comercialização dos produtos importados pelos concorrentes, tornando o mercado brasileiro “rentável” às empresas estrangeiras. Como mostra o Observatório Social (acesso aqui), esse é o verdadeiro vilão dos preços que pagamos hoje pela gasolina, diesel, gás de cozinha e gás natural.

A política de preços, caros leitores, é uma imposição dos interesses capitalistas (estrangeiros, mas nacionais também) sobre toda a sociedade brasileira.

Mas, onde está a culpa dos dois meliantes citados no título da análise, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, e seus crimes contra o Brasil? O crime está em se utilizar desta farsa para tentar acabar com a imagem da Petrobrás perante os brasileiros e privatizá-la de uma vez por todas. Todos criminosos, desde o Golpe de 2016!


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Nertan Gonçalves, Mariana, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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quarta-feira, 10 de novembro de 2021

O que está ruim está piorando

Semana de 01 a 07 de novembro de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Em Análise anterior dissemos que “o que está ruim sempre pode piorar”. Foi uma profecia. Está mesmo piorando. Além da situação interna temos agora a vergonha externa. Triste o papel do Brasil nos dois encontros internacionais que ocuparam a semana: a reunião do G-20, reunião dos países que representam as 20 maiores economias do mundo, na Itália, e a COP26, 26ª Conferência das Nações Unidas Sobre as Mudanças Climáticas, em Glasgow, na Escócia. No G-20 o presidente ficou acuado pelos cantos sem que ninguém lhe desse atenção. Deu a cara e saiu para fazer turismo em Roma provocando conflitos e sendo vaiado nas ruas com os seus seguranças agredindo os jornalistas que se aproximavam. Em afronta aos brasileiros que morreram na segunda guerra lutando contra os nazifascistas, foi visitar o cemitério de Pistoia onde estão sepultados os que faleceram, acompanhado por um membro de um partido neofascista italiano. Na COP26 nem apareceu e seus representantes nada tinham a dizer e tiveram de aguentar calados as críticas. Vergonha internacional. O país foi criticado pelos grandes jornais do mundo.

Enquanto passamos vergonha lá fora, por cá a situação continuou a deteriorar-se.

A inflação ameaça sair de controle, se já não saiu. Fala-se em estagflação, o terror dos economistas: inflação com estagnação o que é incompatível com a teoria oficial do Banco Central (BC). O Comitê de Política Monetária (Copom) já corrigiu sua estimativa para o IPCA do ano, que era de 8,5%, para 9,5%. Na última reunião a Selic foi elevada de 6,25% para 7,75% e declarou-se que ela subirá mais 1,5%, passando a 8,25%, em dezembro. Nas sondagens feitas o BC apurou que 80% dos analistas consideram que a situação fiscal piorou e o risco de desancoragem da inflação aumentou.

No entanto, os aumentos da Selic fazem elevar o custo da dívida pública mobiliária, que ronda os R$5 trilhões. Este custo passará a ser de R$360 bilhões por ano. Com a rolagem de R$1,1 trilhão, que vencerá em 2022, se a Selic estiver em 11%, o custo aumentará mais R$270 bilhões por ano. O BC pretende lançar títulos NTN-Bs indexados à inflação. Se esta estiver em 9,5% (e não os 3,75% da meta atual) o custo da dívida crescerá mais R$90 bilhões por ano. E nada disto detém o BC que se mantém fiel à sua ideologia de combater a inflação com juros. Lembremos que todos são unanimes em apontar como causas da inflação atual a crise hídrica, a elevação dos preços da energia, os preços dos combustíveis ligados ao preço do petróleo, a valorização do dólar, os preços das commodities, a escassez de insumos, a crise dos transportes e dos portos, a pandemia do covid-19. A elevação dos juros não tem qualquer efeito sobre nenhum destes fatores. Pelo contrário, a elevação dos juros prejudica a produção e o funcionamento dos negócios o que impulsiona o aumento dos preços. Vejam o tamanho da loucura!

O desemprego continua elevado e os salários baixos. Aliás, os foguetes que o sinistro Guedes soltou comemorando a criação de empregos em 2020 devem ser recolhidos. Os dados foram corrigidos e em vez de um saldo de 142.690 empregos com carteira assinada foram criados somente 75.883. Cometeu-se um erro de 46,8%.

Esta situação reflete-se no desempenho da indústria. Na balança comercial da indústria o déficit foi de US$37,3 bilhões. A indústria de alta tecnologia participou apenas com 3,8% do total e a de média-alta tecnologia com 23,4%. A produção industrial caiu -0,4% em setembro, em relação a agosto, e no terceiro trimestre em relação ao segundo a queda foi de -1,7%. Em 4 meses a queda foi de -2,6%.

O agravamento da situação econômica e o desespero do Bolsonaro em eleger-se para escapar das punições agravou a situação política. A tentativa de substituir o Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, com a distribuição de R$400 e aumento do número de famílias atendidas, sem espaço no orçamento, levou à criação da PEC dos precatórios, uma autorização para adiar o pagamento dos precatórios criando um espaço fiscal de R$91,6 bilhões, suficiente para pagar o Auxílio Brasil, a bolsa diesel aos caminhoneiros e sobraria dinheiro para as emendas do relator, hoje contestadas pelo STF. Há uma grande tensão dentro do parlamento. Não se sabe o que ocorrerá na segunda votação.

Desmoralização internacional, estagflação na economia, crise política, governo em desagregação. A situação anda difícil para a família Bolsonaro!


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Carolina Nantua, Daniella Alves, Guilherme de Paula e Maria Cecília Fernandes.

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quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Estado moderno, burguesia e bloco no poder

Semana de 25 a 31 de outubro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Certa vez, Karl Marx disse que o Estado é um “comitê que administra os negócios comuns da classe burguesa como um todo”. Claro, esta é uma simplificação de uma situação real que muitos observam: a esmagadora maioria das decisões dos governantes beneficiam os mais ricos. Apesar de estar certo, uma boa visão do que é o Estado burguês não é tão simples assim. Inspirado pela fala de André Esteves, Sócio Sênior do BTG Pactual (banco fundado por Paulo Guedes, Ministro da Economia no governo Bolsonaro), hoje falarei um pouco dos “bastidores” da relação entre economia e política.

 Para falar de Estado, precisamos antes saber o porquê de ele existir. A razão fundamental da sua existência é intermediar os conflitos que surgem na sociedade e legitimar o resultado desses conflitos com o uso, dentre outros elementos, da força. Do ponto de vista econômico, o principal conflito a ser mediado no capitalismo é a luta de classes. De um lado estão os empresários, ávidos por lucro. Eles buscam utilizar ao máximo os recursos produtivos que dispõem, dentre os quais, a força de trabalho. Do outro, os trabalhadores, que buscam se unir para enfrentar uma possível ação predatória vinda do patrão. Ao fim e ao cabo, este conflito é uma luta em torno da apropriação da riqueza gerada pelos trabalhadores contratados pelos capitalistas, pois o aumento da remuneração de um resulta na queda da remuneração do outro. Frequentemente os trabalhadores perdem: nos salários, no poder de compra (inflação) ou mesmo nos direitos adquiridos.

Porém, esta não é a única disputa pela apropriação da riqueza travada no capitalismo. Dentro da própria classe burguesa também há! Em outros tempos não muito remotos, era comum a ladainha dos empresários dos setores industrial e comercial criticando as elevadas taxas de juros praticadas no Brasil. Isto porque os bancos são financiadores dessas empresas (e dos consumidores também, mas isto fica para outra ocasião). Como consequência, os demais setores têm que dividir os lucros com os bancos através do pagamento dos juros. Novamente, o que é aumento de remuneração de um resulta na queda da remuneração do outro. A diferença é que esta disputa é mais amena, apesar dos bancos deterem poder econômico suficiente para sempre impor seus interesses.

Para superar esses conflitos e ampliar ainda mais seus ganhos, algumas empresas se tornaram capazes de, ao mesmo tempo, serem bancos, indústria e/ou comércio. São megacorporações (muitas das quais têm o setor bancário como origem) que se apropriam de uma parcela relativamente maior da riqueza social.

Nesse contexto, podemos observar que a sociedade capitalista é bastante complexa. Há classes sociais e fragmentos (frações) dessas classes que, ora tem conflitos, ora tem concordâncias (e não apenas na “pauta econômica”, mas em outras pautas também). Em cada momento histórico, em cada conjuntura, essas classes e frações de classes conformam uma unidade contraditória, um bloco que assume as rédeas do poder. Liderado pelos mais poderosos e associados a outros nem tanto assim, este bloco no poder conduz o Estado. Esta direção normalmente não é feita de forma direta, ou seja, os empresários não assumem o poder Estatal diretamente. Eles delegam isto a políticos profissionais que tenham adesão (ideológica ou a soldo) aos seus interesses.

Apesar disso, ultimamente temos visto empresários “botando a mão na massa” e entrando na política com o discurso de que são “gestores técnicos” e isentos de qualquer vício. Conversa fiada. De uma forma ou de outra, os mais poderosos se utilizam de tudo o que for possível para que seus interesses sejam atendidos, seja por meio de instrumentos legais ou não, seja pelas próprias mãos ou pelas mãos dos seus representantes, muitas vezes acionados em conversas particulares pouco republicanas.

Voltando ao André Esteves, não surpreende ninguém que ele tenha influenciado pessoalmente integrantes do Executivo, do Legislativo ou mesmo do Judiciário na questão da independência do Banco Central. Eis o Estado burguês!


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ana Isadora Meneguetti, Eduardo Oliveira da Silva, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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quinta-feira, 28 de outubro de 2021

“O que está ruim pode sempre piorar”

Semana de 18 a 24 de outubro de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]


Depois da lição do Professor Lucas na Análise da semana passada voltemos aos problemas da conjuntura. É sempre bom lembrar características essenciais do sistema capitalista pois isto nos permite derrubar algumas pseudoverdades que costumam encher os jornais e TVs, como a conversa do “desenvolvimento sustentável”, meta absurda e impossível de ser atingida no capitalismo. Na busca do maior lucro possível o capital procura sempre reproduzir suas relações de produção, ou seja, os trabalhadores assalariados têm que se reproduzir para que o sistema exista, mas não podem ganhar salários tão elevados que os permita ultrapassar sua condição de assalariados eternos. Esta conversa de “empreendedorismo” é completamente furada, é vender ilusões.

Para falar de conjuntura esta semana, recomendamos a leitura da nossa Análise de 15 dias atrás. Tudo que lá está escrito é completamente atual, com alguns agravantes. O desespero da quadrilha Bolsonaro tornou-se ainda maior com a divulgação do relatório da CPI do Senado sobre a covid-19. São escândalos e horrores o que ali está revelado. O pior é que, se os processos forem abertos e julgados, o Bolsonaro poderá pegar no mínimo 78 anos de prisão. A família está em pânico e o chefe tentará de tudo para não perder o mandato. Mas, a saída via golpe se tornou pouco provável, pois parece que as Forças Armadas criaram vergonha na cara por apoiar um aspirante a capitão já expulso do exército. Só mesmo as crias da ditadura militar, como o general Heleno, poderiam concordar com isto e acobertar toda a corrupção que envolve o governo. Resta, portanto, a reeleição e para isto é preciso recuperar a economia para ganhar os eleitores.

O relatório da CPI revelou, porém, o escândalo. São 70 indiciados entre os quais, além do próprio presidente, estão seus 3 filhos, 4 ministros, 2 ex-ministros, 6 deputados, 3 assessores do presidente, 1 pastor e 4 empresários. Entre os deputados estão os da tropa de choque: Ricardo Barros, porta-voz do governo na câmara, Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis, Carla Zambelli, Osmar Terra, Carlos Jody. Os empresários apontados são Luciano Hang, Carlos Wizard, Mauro Tolentino e Otávio Fakhoury.

Esperamos agora os desdobramentos e as pressões sobre as autoridades que têm a obrigação de dar continuidade ao processo.

Todo este tumulto provoca fortes instabilidades nas decisões dos agentes econômicos. A imagem do Brasil no exterior está mais suja que pau de galinheiro. Não satisfeito, o presidente abriu a boca para vomitar mais absurdos tentando associar a vacina contra a covid com a AIDS. Mais ruido! O desespero de Bolsonaro para ganhar as eleições levou aos desatinos mais recentes. As propostas de aumento das despesas furando o teto dos gastos, com o Auxílio Brasil de R$400 (com 100 fora do teto), mais o auxílio diesel, mais orçamento secreto para comprar deputados. O próprio Guedes passou a defender o abandono dos limites do teto de gastos, já abalado com o calote dos precatórios pregado na PEC em tramitação.

Claro que o “mercado” reagiu de imediato. O dólar disparou subindo 1,6% para R$5,644 e o Ibovespa caiu 3,28% em um só dia. A própria “equipe dos pesadelos” desmoronou com a demissão de 4 secretários: Bruno Funchal (Tesouro e Orçamento), Jeferson Bittencourt (Tesouro), Gildenora Dantas (adjunta do Tesouro e Orçamento) e Rafael Araújo (adjunto do Tesouro). Mas o rombo no orçamento ainda não está coberto. Foi preciso ainda alterar a forma do cálculo do teto de gastos: em vez de julho a julho passou a ser usado o indicador de dezembro a dezembro por refletir uma taxa de inflação maior.

Descrédito total do Guedes e do governo junto ao mercado. Guedes está pendurado na brocha. O posto Ipiranga só não se demite porque está ganhando muito dinheiro. É a raposa tomando conta do galinheiro. Seus milhões de dólares de sua off Shore crescem a cada dia graças a suas ministeriais decisões para não falar das comissões e propinas que eventualmente possam cair no cofre.

Enquanto isso a economia afunda e a inflação dispara. Como diria o jornalista “Em se tratando do atual governo, o que está ruim pode sempre piorar”. E vai!



[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ana Isadora, Alan Henrique, Carolina Nantua, Daniella Alves, Eduardo Silva, Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Maria Cecília, Nertan Alves, João Carlos e Roberto Costa.

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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

O capitalismo e a fome

Semana de 11 a 17 de outubro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Não dá para falar de outro assunto. A semana começou com tapas, murros, chutes, voadoras e todo tipo de porrada na cara do brasileiro. Chocou-nos a cena de pessoas atacando um caminhão de lixo em Fortaleza. A motivação era o resgate de produtos descartados por um supermercado. Na cena viram-se, de crianças a idosos, as pessoas “reciclando” alimentos vencidos, ou que foram considerados inadequados para a venda pelo estabelecimento. Esse é o cenário do Brasil hoje. Mas, para além de apontar os culpados da conjuntura, precisamos falar sobre a estrutura econômica que permite e precisa dessa situação: o sistema capitalista.

Um dos elementos que caracteriza o capitalismo é a propriedade privada. Não de qualquer coisa, como casa, roupa, telefone, TV... A propriedade privada mais importante no capitalismo é daquilo que se pode usar para produzir outras coisas. São os chamados meios de produção. Esta, sim, é parte fundamental desse sistema.

Vamos por partes. Se existe uma parcela da sociedade que é proprietária dos meios de produção, existe outra que não é! A parte que é dona dos meios de produção tem, portanto, a possibilidade de produzir coisas e usufruir delas (seja diretamente ou usando o dinheiro que recebe ao vendê-las). O problema é que, dentre outros motivos, a quantidade de pessoas que detém os meios de produção é tão pequena que eles não conseguem pô-los em funcionamento sozinhos. Por sua vez, a parte da sociedade que não é dona dos meios de produção não pode produzir nada, pois não tem acesso aos meios para tal. No capitalismo, os despossuídos formam a esmagadora maioria da sociedade. São seres humanos que têm habilidades, qualificação e disposição, falta-lhes os meios de produção. Em outras palavras: de um lado, a minoria da sociedade detém os meios de produção, mas não os usa diretamente, do outro temos a maioria da sociedade, que tem capacidade de trabalho, mas não tem onde empregá-la. Para resolver este problema de ordem social e de sobrevivência, já que nessas condições não haveria produção, é que o capitalismo precisa de um segundo elemento que o caracteriza, o mercado.

O mercado é um local democrático, onde as pessoas das diferentes classes sociais se encontram e interagem. De um lado, empresários buscando pessoas que possam pôr em funcionamento seus meios de produção. Do outro, pessoas que têm força de trabalho. Assim, o mercado é o local em que se celebra o acordo de dois tipos de pessoa: uma que tem tanta riqueza que não pode pô-la em ação sozinha e outra que não tem nada. Claro, a aparência democrática do mercado logo se desfaz quando isto é levantado. O capitalista contrata um trabalhador que, se não arrumar logo um emprego, morre de fome. Esse é o contexto em que se estabelecem as relações capitalistas de trabalho.

O trabalho assalariado é o terceiro elemento que caracteriza o capitalismo. Os trabalhadores vendem sua capacidade de trabalho aos empresários por um prazo determinado e, em troca, recebem os salários. Esse dinheiro deve ser suficiente para o trabalhador manter-se vivo, mas não mais do que isso. Ou seja, o salário é a garantia de sobrevivência daqueles que não têm os meios de produção, mas por um período curto. Tão curto que no fim do mês o trabalhador já está preocupado novamente com a possibilidade de passar fome. Não fosse isso, a possibilidade de morrer, o que obrigaria o trabalhador a vender sua força de trabalho?

Caso não houvesse a propriedade privada dos meios de produção, ou seja, se os meios de produção fossem acessíveis a todos, as pessoas (ou grupos de pessoas) com capacidade para tal poderiam usufruir deles e produzir o que precisam para viver decentemente. Desta forma, não precisariam se submeter ao mercado e nem ter que transformar sua força de trabalho em mercadoria. Não precisariam viver constantemente à sombra da morte. Mas esse não é o capitalismo. O capitalismo precisa que a maioria da sociedade esteja sempre preocupada se vai comer amanhã.

O capitalismo é a fome!


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Com o rabo entre as pernas

Semana de 04 a 10 de outubro de 2021

  

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

O presidente anda calado. Como um vira lata sarnento ronda as latas de lixo e os esgotos a procura da próxima podridão para saciar sua fome de destruição. É só o que ele sabe fazer liderando o seu bando de fanáticos. Como ele mesmo declarou “sou especialista em matar”. Mas não só matar pessoas. Matar a natureza, a economia, a cultura, a saúde, a educação, as florestas, o meio ambiente, tudo enfim. Até os símbolos nacionais foram profanados. Hoje, com patriotismo, lembramos a atualidade das palavras de Castro Alves ao referir-se à bandeira nacional: “Antes te houvessem roto na batalha, que servires a um povo de mortalha...”. Que fatores teriam concorrido para colocar no governo tal monstro? A humanidade já conheceu situações semelhantes que levaram ratos medíocres como Hitler e Mussolini ao poder. E todos conhecemos as consequências. A situação atual exige muito estudo e reflexão. Onde erramos e como corrigir os erros? Certamente há fatores internos, externos e tecnológicos cuja discussão ultrapassa os limites desta coluna.

Mas o que terá levado o cão hidrófobo a deixar de ladrar?

Destaco aqui dois tipos de fatores. Ele precisa ser reeleito sob pena de ir para a prisão junto com a família. É desesperador. As pesquisas mostram que toda vez que ele abre a boca aumenta a rejeição e a avaliação negativa. Já ultrapassam os 60%. Seus assessores lembraram o efeito “facada” que lhe deu a vitória, pelo silêncio, nas eleições passadas. O homem tem de ficar calado ou corre o risco de não ir para o segundo turno. Será que aguenta? Ou vão inventar nova facada? Há uma outra razão ligada a esta. Ele descobriu que mesmo sendo “comandante em chefe” das forças armadas nada comanda se não der ordens razoáveis. É de lembrar a figura do reizinho do “Pequeno Príncipe” que nunca era desobedecido porque só dava ordens razoáveis. Ele não pode dar um golpe pois não será obedecido pelos militares. Terrível descoberta. Resta um caminho: a reeleição.

Mas, a cada dia que passa torna-se mais difícil. A economia caminha para o desastre. A tão propalada recuperação em V (de voo da galinha) do sinistro Guedes vira K ou boca de jacaré: rico para cima e pobre para baixo. Até o próprio Guedes não confia na sua gestão. Guarda seus milhões de dólares em uma offshore. O crédito está mais caro comandado pelo Banco Central (BC) que continua a elevar a taxa de referência Selic, atualmente em 6,25%, mas com tendência de subir o que for necessário para “conter” a inflação, podendo chegar a 10% no fim do ano. Tudo de acordo com a ideologia do BC. A taxa de desemprego, apesar de uma pequena queda, se mantém em dois dígitos 13,7%, mas, há 14,1 milhões sem trabalho, dos postos criados 66,8% são de emprego informal, há 7,73 milhões de pessoas trabalhando menos horas e 25,172 milhões de trabalhadores por conta própria. As estimativas de crescimento do PIB são rebaixadas por todas as consultorias, e segundo o Banco Mundial será inferior à média da América Latina. O varejo restrito teve, em agosto, em relação a julho, a terceira maior queda da história (3,1%) e o varejo ampliado caiu 2,5%. É preciso juntar a isto a crise energética e a inflação que se mantém em alta, sem controle.

Do exterior não temos boas notícias. A recuperação em marcha mostra fortes sinais de desaceleração agravados pelo crescimento da inflação e pela crise energética que agora se expande para os Estados Unidos, Índia e China. Em todos os casos o problema é a falta de combustíveis fósseis, principalmente carvão e gás natural. Na Índia o carvão é responsável por 70% da energia produzida. O petróleo atinge os US$80, a maior cotação em 3 anos e o gás tem o mais alto preço em 7 anos. Os portos estão congestionados, as cadeias de abastecimento rompidas, há escassez de mão de obra, e a inflação se expande para os alimentos. O índice de preços de alimentos da FAO subiu 1,2% em setembro.

Somando-se a desmoralização do Brasil em todos os fóruns internacionais o ambiente externo tanto para a reeleição como para o golpe está muito adverso.

Pobre presidente! É mesmo muito difícil governar!


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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