sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Aos trancos e barrancos...

Semana 18 a 24 de setembro 2023

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Continuamos a aplaudir os sucessos do presidente Lula em seus deslocamentos pelo exterior. Finalmente podemos nos orgulhar de ter um presidente que não nos cobre de vergonha perante o resto do mundo, como ocorreu nos últimos 4 anos. Tinha muita dificuldade em explicar aos amigos de fora como permitimos que um demente como aquele chegasse ao mais alto posto da nação. Era difícil admitir que ele era o espelho do próprio povo. Era o seu legítimo representante. Que vergonha! 

Agora temos um presidente que desfila pelo mundo recebendo convites de muitos países. Depois do grande sucesso do discurso na assembleia da ONU, quando foi aplaudido muitas vezes, todos querem falar com o presidente Lula. Falta tempo para as audiências. Voltamos à arena mundial com propostas dignas e com a bandeira de defensores da paz e do meio ambiente. E com tal habilidade conseguimos sair dignamente, das pressões dos belicistas defensores da guerra da Ucrânia, nos EUA, e do próprio fantoche Zelensky. Conseguimos conversar com os países desenvolvidos nos fóruns internacionais e mantemos a liderança nos países participantes do bloco dos BRICS, em processo de ampliação. Surgem novas possibilidades de negócios com todos os países do mundo. Com a Rússia, por exemplo, aumentamos as importações de diesel e hoje ela é a nossa maior fornecedora, sendo responsável por 35,6% de todo valor importado, ultrapassando os EUA, que forneceram apenas 31%, o que significou uma queda de 65% no fornecimento americano.

Ainda no campo político, a semana foi rica em acontecimentos. Apresenta-se no horizonte mais um conflito entre o Congresso e o STF. Enquanto foi aprovado no Senado o PL 2.903/2023, que estabelece o marco legal para a demarcação das terras indígenas, afirmando que só podem ser demarcadas as terras que já eram ocupadas pelos indígenas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da constituição, o STF decidiu que, na constituição, não há qualquer estabelecimento de data para limitar as demarcações. Com isto, caso seja provocado, o STF poderá julgar inconstitucional a lei aprovada no parlamento. O conflito já está deflagrado com a declaração inédita da “bancada ruralista”, afirmando que vai bloquear todas as votações de interesse do governo até que o STF reveja sua decisão.

Mas o Congresso não ficou por aí. Aprovou o PL 4.438/2023, chamado de minirreforma eleitoral, que altera o funcionamento dos partidos, mexendo com as regras eleitorais. Foi apoiada por todos os partidos, exceto o Psol, Rede e Novo, e relatada por Rubens Pereira Júnior, deputado do PT-MA. Reduz a participação de mulheres e negros e o financiamento de suas campanhas, facilita a prestação de contas, permite as doações via pix, possibilitando a compra de votos, facilita a compra de vagas para vice e suplentes, perdoa as dívidas dos partidos e torna impenhoráveis os recursos do fundo partidário e do fundão eleitoral.  

Ainda no campo da política, continua a repercutir a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, com o vazamento de algumas partes. Complica-se a situação do almirante Almir Garnier, que fez declarações de adesão ao golpe, e surge a notícia de que o comandante do exército, Freire Gomes ameaçou Bolsonaro de prisão, se ele tentasse dar um golpe. Certamente teremos grandes novidades, quando tudo for divulgado.

Passando para a economia, temos a divulgação do Índice do Banco Central IBC-Br, que é tido como uma prévia do PIB calculado pelo IBGE. Para o mês de julho, o índice apontou um crescimento de 0,44%. Em 12 meses, isto significa um crescimento de 3,12%, o que coincide com outras previsões, como a da OCDE, que estima 3,2% e com o do próprio governo, que mudou suas estimativas passando de 2,5% para 3,2%. Mais uma notícia a comemorar é a reunião do Conselho de Política Monetária, que reduziu a taxa de referência Selic em 0,5%, ficando agora em 12,75%, o que dá uma taxa de juros reais de perto de 8%, ainda o segundo maior do mundo, perdendo apenas para a Turquia.

Aos trancos e barrancos vamos vivendo.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha e Raquel Lima.

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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Globalização e desglobalização: novos e velhos problemas

Semana de 11 a 17 de setembro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Caro leitor, não é de hoje que falamos sobre as mudanças que estão acontecendo na produção e na distribuição de mercadorias em escala mundial. Desde a pandemia de Covid-19 e a Guerra da Ucrânia, temos visto se acelerar um fenômeno que deu seus primeiros sinais após a “Crise do Subprime”, em 2008: a desglobalização produtiva. Mas, o que seriam a globalização e a desglobalização produtivas?

Desde o fim do século passado, a participação de alguns países na produção mundial de mercadorias se alterou. Regiões, que na década de 1970 eram meras produtoras de produtos primários, nos anos 1990 começaram a exportar manufaturados de média e alta intensidade tecnológica. Atualmente, a Ásia (especialmente as regiões Leste, Sul e Sudeste) é o continente que mais exporta produtos industriais elaborados no planeta e, por isso mesmo, é a região que mais importa commodities.

Isto foi possível graças à revolução causada pelas tecnologias da informação e comunicação e pelos transportes, que possibilitaram às grandes empresas multinacionais o fatiamento do processo de produção de algumas mercadorias e sua redistribuição territorial. Contribuíram também as mudanças nos modelos de gestão da produção, que foram se tornando mais flexíveis e adaptados aos nichos de mercado. O que norteou essas transformações, claro, foi a busca pelos menores custos de produção, seja com mão de obra, matérias primas, tarifas ou infraestrutura.

Os empresários pioneiros foram os do Japão, que se aproveitaram da pobreza e do atraso relativo dos seus vizinhos e investiram uma grande quantidade de capitais no Leste e no Sudeste da Ásia. Essas regiões, em seguida, passaram a exportar de volta ao Japão, que se aproveitou dos preços baixos dos insumos e dos bens de consumo importados para conter a inflação interna e aumentar sua competitividade externa.

Diante da força dessa nova organização industrial, baseada em cadeias de produção fragmentadas e internacionalizadas, as empresas ocidentais logo se adaptaram à novidade. Foi quando, nos anos 1990, a Ásia passou a receber os maiores volumes de investimentos estrangeiros. Várias empresas multinacionais passaram a abrir filiais ou subcontratar pequenas e médias empresas, as quais se tornaram suas grandes fornecedoras. Surgiu, assim, uma nova divisão internacional do trabalho, que passou a se organizar com base nas cadeias globais de valor.

Uma das principais consequências desse movimento foi a redução no consumo de produtos nacionais, os quais foram sendo trocados por importados. Isto aconteceu em diversos países e em todas as regiões do planeta, mas, sobretudo, nos mais ricos. Resultado: parte da velha estrutura produtiva dos países já industrializados foi perdendo espaço e se tornando obsoleta ou pouco competitiva. Por isso, na hora de fazer novos investimentos, as empresas optavam por investir fora do seu território originário.

Essa é uma (breve) história da globalização produtiva. A desglobalização, contudo, não é o retorno ao passado, quando a produção local era o núcleo central da industrialização. O que estamos vendo, agora, é uma redistribuição geográfica da produção de acordo com novos determinantes, para além do custo de produção: fatores estratégicos e geopolíticos. Ou seja, a produção industrial ainda terá o “internacional” como núcleo, mesmo havendo o retorno de algumas atividades às matrizes.

Isto pode ser visto na Alemanha de hoje. Segundo levantamento do Governo alemão, 33% das empresas de lá pretendem se expandir investindo no exterior. Por sua vez, empresas de todos os setores têm fechado plantas em solo alemão para abrir novas em países do Leste Europeu, ou mesmo na Inglaterra e na China. Dentre os motivos, estão o custo com energia, as barreiras ao comércio e a burocracia. Além disso, o trabalhador alemão é o que tem menor média de horas trabalhadas dentre os países da OCDE.

Esta situação é apenas um exemplo daquilo que afeta o movimento das empresas. Apoiadas em novas tecnologias, é assim que elas operam: “abandonam” seus territórios pátrios e vão em busca de menores custos em locais, agora, também estratégicos. Mais do que nunca, Estados e Blocos Econômicos serão fundamentais na formação dessa nova globalização que está por vir. Torcemos para que o Brasil garanta seu lugar ao sol.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Valentine de Moura, Helen Tomaz, Letícia Rocha e Raquel Lima.

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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Nem ata, nem desata

Semana 04 a 10 de setembro 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

A economia mundial continua aos grandes solavancos. A reestruturação da globalização é muito complexa, pois envolve os interesses de países que procuram se estruturar em blocos opostos. Esta oposição vem se consolidando com mais um grande passo que foi a reunião dos BRICS na África do Sul e a decisão de ampliação com a entrada de mais seis países:  Egito, Arábia Saudita, Etiópia, Argentina, Emirados Árabes Unidos e Irã. Eles deverão juntar-se aos 5 existentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Consolida-se, assim, a tentativa de constituição de um outro polo de atração, que já conta com a intenção de adesão de quase 40 países. A formação deste novo polo tem provocado muita preocupação nos países ditos ocidentais, liderados pelos EUA, que agora buscam desacreditar e sabotar todas as iniciativas neste sentido.

Embora sejam conhecidas as inúmeras contradições que existem entre os vários países participantes do bloco, algumas particularidades devem ser consideradas. Juntos, Rússia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos controlam o mercado mundial do petróleo. Juntos, os países possuem mais da metade da população e 40% do PIB mundial. A China, além de possuir um complexo e moderno parque industrial, é um dos polos mais avançados de tecnologia do globo, e a Rússia possui o maior arsenal de armas atômicas do mundo. Se os países do novo bloco conseguirem uma razoável integração de suas economias, o mercado mundial capitalista sofrerá um grande choque. 

Neste momento, a China já pressiona o mercado de carros elétricos, montando grandes fábricas de baterias, em condições de abastecer toda a demanda internacional. Isto ocorre no momento em que a atividade econômica global está em desaceleração. O setor de serviços encontra dificuldades diante da fraca demanda, desacelerando na França, Alemanha e Reino Unido. A Zona do Euro corre o risco de entrar em recessão. O Hamburg Commercial Bank (HCOB) e a S&P Global estimam que o PIB desta zona deverá sofrer uma contração de 0,1%, no trimestre atual. Os indicadores apontam igualmente para uma desaceleração das economias da China e da Índia. Só para a economia japonesa é que os dados são positivos.

Os prognósticos para o crescimento da Alemanha, locomotiva da União Europeia, são muito pessimistas. O Instituto Kiel para a Economia Mundial cortou sua previsão, estimando uma contração de 0,3%, no trimestre, e 0,5% no ano de 2023. No mês, a produção industrial caiu 0,8% e 9% no setor automotivo. Nos últimos três trimestres a economia estagnou ou encolheu. As causas apontadas são os preços da energia, a elevação dos juros e a desaceleração do comércio com a China, seu segundo maior importador. Por trás dessas causas está a guerra da Ucrânia, que os incompetentes governantes, subservientes aos interesses americanos estão engolindo.

O quadro internacional continua então muito sombrio. Do exterior, não podemos ter grandes esperanças. Internamente a situação é também muito preocupante. Continuamos a juntar os cacos que nos deixou o desgoverno passado. As investigações sobre os desmandos e conspirações para o golpe continuam e os primeiros resultados dos julgamentos já começam a aparecer. Infelizmente, apesar de necessárias, estas ações desviam a atenção dos reais problemas da economia e nos obrigam a ouvir impropérios vindos de bocas sacramentadas por togas sagradas.

Apesar de tudo a economia começa a reagir. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu no segundo trimestre e estima-se que, no ano, ficará acima dos 3%, o que será uma grande vitória, diante dos prognósticos anteriores. Apesar de uma difícil gestão, acossada por todos os lados, com um Congresso hostil, dirigido por dois honoráveis bandidos, algum resultado vai sendo conseguido. O emprego vai aumentando, embora lentamente, a distribuição de renda vai tendo resultados e alguns programas vão apoiando o aumento do consumo. Não há como negar o papel do agro e das exportações de commodities. Mas, nada nos dá garantias de uma arrancada da economia. Vamos continuar torcendo para que a troca de ministros aplaque a ira do centrão e dê maioria, para que o governo consiga aprovar seus projetos.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz e Raquel Lima.

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quarta-feira, 6 de setembro de 2023

A economia muda, a política também

Semana de 28 de agosto a 03 de setembro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Desde a década de 1970, a literatura econômica discute um fenômeno que ficou conhecido pelo termo “desindustrialização”. Basicamente, o conceito se refere à perda do poder da indústria na dinamização da atividade econômica de um país ou região. É uma situação na qual o setor reduz sua capacidade de gerar emprego, renda, produção, etc. Assim, reduz também a demanda por insumos, máquinas, equipamentos, etc. A consequência disso é a fragilização da estrutura produtiva.

Por sua vez, com a retração do setor industrial, abre-se espaço para a expansão relativa de outras atividades econômicas: agricultura, extrativismo, comércio, bancos, serviços, etc. Em outras palavras, novos setores passam a liderar o desenvolvimento econômico no lugar onde antes predominava a indústria. Longe de ser uma compensação, a depender da localidade, essas atividades normalmente representam um retrocesso em várias dimensões: econômica, política, ambiental, trabalhista, urbana, social, etc.

No Brasil, os estudos apontam a década de 1990 como marco zero da desindustrialização. Não por acaso, foi nesta década que o país se adaptou à nova ordem mundial que emergiu da “Crise do Petróleo” dos anos 1970: a ordem econômica neoliberal. Como uma de suas características e um dos pilares da globalização, surgiu uma nova divisão internacional do trabalho. Nesta, países periféricos passaram a dividir com os países centrais o protagonismo nas exportações mundiais de produtos manufaturados, através do que ficou conhecido como cadeias globais de valor (CGV). A questão é que esse sol não brilhou para todos.

Sem entrar em detalhes sobre a “qualidade” dessa inserção, alguns países da Ásia, do Leste Europeu e o México se integraram intensamente às CGV como exportadores de bens industrializados. O Brasil, não. No nosso caso, houve um reforço da nossa tradicional e originária posição de exportador de produtos primários. Assim, passamos por um retrocesso na pauta comercial, com uma reprimarização das exportações e um aumento da importação de bens industrializados de maior intensidade tecnológica. Com isso, nessas duas primeiras décadas do século XXI, a economia brasileira foi perdendo sua diversificação industrial e foi se ampliando o papel das atividades voltadas à produção agrícola, pecuária e extrativista.

Como era de se esperar, essa mudança na estrutura econômica se refletiu no jogo político, tanto regional quanto nacional. Já no final da década de 2000, vimos emergir uma série de discussões legislativas ligadas às atividades primárias, com destaque para o código florestal (aprovado em 2012) e o código mineral (que não virou lei, mas serviu de base para Medidas Provisórias e outros instrumentos legais).

Por sua vez, as eleições de 2012 (prefeituras e câmaras de vereadores) e as eleições de 2014 (presidência e Congresso) vieram como uma verdadeira onda que formou o tripé do conservadorismo no Brasil: as bancadas do boi, da bala e da bíblia. Este movimento teve seu clímax com o Golpe de 2016 e assumiu seu tom reacionário ao fim das eleições de 2018. Se no governo Temer o Brasil já viu uma série de medidas que buscaram facilitar a exploração mineral no país, com Bolsonaro os ataques foram piorados e se estenderam às atividades agropecuárias e florestais (incluindo os povos originários).

Apesar da eleição de Lula, a situação não mudou e, se nada for feito, tende a piorar. Por exemplo, enquanto a indústria de transformação anda a passos de tartaruga, a indústria extrativa já programa investimentos na ordem de R$ 250 bilhões entre 2023 e 2027. Para alguns especialistas no setor, esse valor pode chegar a R$ 500 bilhões. O motivo é a expansão da “economia verde”, que demandará mais minérios brasileiros para a fabricação de baterias, chips, painéis solares, etc. O problema é que, como sempre na história econômica do Brasil, o capital nacional (privado ou estatal) não desenvolve essas novas tecnologia em nosso território. Isto vai se traduzir em um fortalecimento das atividades primário-exportadoras.

Para não aumentar o predomínio do poder reacionário no Brasil, não basta dialogar. É preciso ir à causa do problema. Como a estrutura política reflete a estrutura econômica, enquanto o agro e o minério forem os setores produtivos mais dinâmicos, minúsculo será o espaço para um verdadeiro progresso civilizacional no Brasil. Por isso, cada vez mais, uma “neoindustrialização” é preciso.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha e Raquel Lima.

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