quinta-feira, 25 de junho de 2020

Pra quê gastar dinheiro público contra a pandemia?


Semana de 15 a 21 de junho de 2020

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

No final de semana, ao noticiar a morte de mais de 50 mil pessoas pela covid-19, o Jornal Nacional da TV Globo iniciou enfatizando que a “história fica para sempre”. Os fatos ficam marcados e mostram quem enfrentou e quem se acovardou ou se aproveitou perante esse que deve ser o maior desafio de uma geração.
Por exemplo, para termos uma dimensão do problema nos EUA, em quatro meses o novo coronavírus já matou mais que o dobro dos militares americanos mortos na Guerra do Vietnã, que durou mais de uma década. No Brasil, como não temos um histórico de beligerância, tal comparação é difícil. Mas, como somos um República Federativa, podemos comparar o número de mortos no país com alguns entes da federação.
Se buscarmos quantas cidades com menos de 50 mil habitantes o Brasil tem, chegamos ao número de 4.897. Ou seja, já morreram mais pessoas do que a população de mais de 87,9% de todos os municípios brasileiros. Se somarmos a população das menores cidades brasileira até totalizar 52.771 pessoas, chegamos ao número de 39 municípios. Ou seja, o número de mortos no país até o momento em que estou escrevendo o presente texto equivale ao total da população das 39 menores cidades brasileiras.
Apenas um lunático não reconhece que o Sistema Único de Saúde brasileiro, o famoso SUS, foi e é o grande responsável por esse número não ser ainda maior. Mas, será que a coisa poderia ter sido diferente, para melhor?
Quando se falava lá no começo da pandemia acerca da necessidade de realizar a quarentena e fazer o famoso achatamento da curva de contaminação, dizia-se que o mais grave do covid-19 era o fato dele ser novo e os sistemas de saúde não estarem preparados. Então, a quarentena era necessária para que se desse tempo de aprontar os hospitais e as equipes de atendimento. Como consequência, quase tudo iria parar: aulas, empresas, transporte público, áreas de lazer coletivas, etc. Claro, o resultado seria um caos na economia, justificável apenas pela situação crítica como a que estamos vivendo.
Mas quem iria pagar por isso? Os agentes privados. Aí que entraram em ação os agentes públicos, capitaneados pelos governadores (e não pelo capitão, como até hoje). Depois de verem algumas figuras se destacarem mais do que o próprio presidente, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes anunciaram uma série de medidas para enfrentar a pandemia. As somas anunciadas ultrapassaram R$ 400 bilhões. Contudo, depois de três meses de quarentena (cada vez mais mal feita), vemos que os valores ainda não se tornaram realidade. Até aqui, foram pagos apenas R$ 175,6 bilhões.
Para os ministérios, sobretudo o da Saúde (que não tem ministro titular há mais de um mês), estavam previstos gastos na ordem de R$ 50 bilhões. Até meados de junho, foram gastos apenas 26,4% desse valor (lembrando que o governo federal só entregou, até agora, um hospital de campanha). Do total de R$ 76,2 bilhões de auxílio federal aos estados e municípios, foram repassados apenas 28,4%. Isto é ainda mais grave quando lembramos que são esses entes da federação que estão no enfrentamento real à pandemia. Com todos os problemas que já conhecemos, o auxílio emergencial tem saído com algum grau de sucesso. E por falar em sucesso, apenas os R$ 900 milhões destinados à Conta de Desenvolvimento Energético foram 100% gastos.
Como já dissemos em análises passadas, está claro que o presidente Bolsonaro está pouco interessado em ajudar a massa da população brasileira. Porém, ele cada vez mais mostra que, de fato, é diferente dos seus antecessores. Não por conta da sua “nova política”, que perde completamente o sentido quando ele repete Michel Temer e compra o “centrão” para não sofrer impeachment. Não por conta da moralização da coisa pública, ainda mais desmoralizada na grotesca estória do “exílio” de Weintraub nos EUA. O que dizer de Fabrício Queiroz ser achado na casa do advogado e conselheiro da família Bolsonaro em Atibaia? Nem nisso parece ter originalidade...
Mas, o que o torna diferente? A diferença só “o gado” consegue ver.

[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik H. Pinto.

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quinta-feira, 18 de junho de 2020

Crise e democracia


Semana de 08 a 14 de junho de 2020

Nelson Rosas Ribeiro[i]
          
A fase de crise do ciclo econômico em que nos encontramos continua em marcha, agravada fortemente pela covid-19. Este é a novidade da crise atual. Não é uma crise provocada pelo coronavírus, mas deflagrada e aprofundada por ele. Esta particularidade facilita a vida dos economistas oficiais pois os absolvem de qualquer culpa. O capitalismo foi atacado por uma enfermidade que lhe é externa. Foi um capricho da natureza ou uma punição divina pelos pecados da humanidade, a exemplo de Sodoma e Gomorra.
Nestas circunstâncias, analisar a conjuntura torna-se muito fácil. É só consultar o manual e lá está o que costuma ocorrer. Continuamos a lembrar que a crise já se apresentava a partir de janeiro, com a desaceleração da economia, que continuou em fevereiro e março. Como sabemos, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que em 2019 foi de 1,1%, no primeiro trimestre de 2020, caiu para -1,5%. Esta queda não se deveu ao vírus que só começou seu ataque a partir de março. A partir daí, a covid-19 manifestou-se e a situação se precipitou. O curioso é que o “mercado” não viu isto. As previsões sobre as taxas de crescimento do PIB, feitas pelo Banco Central (BC), sem seu Boletim Focus, foram de 2,3% em 10 de janeiro, manteve-se em 2,3% em 7 de fevereiro, em 2,0% em 6 de março e só a partir de 10 de abril caiu para -2,0%. Parece que a ficha finalmente caiu. Estava instalado o terror. Em 8 de maio a previsão foi para -4,1% e em 5 de junho para -6,5%.
Por todos os lados o pessimismo cresce. Para o Banco Mundial (BM), a queda do PIB anual será de -8,8%. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE) prevê uma queda de -7,4% mas, se houver uma segunda onda da covid-19, a queda será de 9,1%. No Brasil, os bancos estimam em -7,7%. O Ipea, em sua Carta de Conjuntura, propõe -6% sendo só no segundo trimestre uma queda de -0,5%. Para o segundo trimestre as quedas atingem quase todos os setores: Indústria -13,8%, serviços -13,8%, Investimentos -18,7%, Importações -14,9%, Exportações -10,9%, consumo das famílias -11,2% e do governo -0,8%. As consequências disto para o emprego são visíveis. Só em maio foram feitos 960,3 mil pedidos de seguro desemprego. Um crescimento de 53% em relação ao mês anterior.
Para o agronegócio a situação não é melhor. O Centro de Estudos em Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Agro) divulgou a queda de -5,1% no seu Índice de Produção Agroindustrial Brasileira (PIMAgro), em abril. As quedas foram de -5,8% para produtos alimentícios e bebidas, de -27,4% para produtos não-alimentícios e de -16,5% para a agroindústria.
A nível interacional a situação é igualmente adversa. O Federal Reserve (Fed), Banco Central americano, afirma que manterá suas taxas de juros próximas a zero diante da catástrofe econômica. A retração para a economia dos EUA é estimada entre -5,5% e - 7,5%, para o ano, e não se atingiu ainda o fundo do poço. O desemprego cresce e permanecerá elevado mesmo depois da retomada.
Tal quadro adverso deveria levar o governo a concentrar todas suas forças no combate à pandemia e na tomada de decisões para minorar os efeitos da crise econômica o que tem sido feito em todo o mundo. Infelizmente tal não ocorre. O presidente diverte-se continuando a sabotar o combate à enfermidade contribuindo com sua atitude irresponsável para a morte de milhares de brasileiros. Ainda lhe sobra tempo para fazer todo tipo de provocações aos outros poderes da república. Executa seu projeto de instalar uma ditadura, sob seu comando, apoiado por um bando de fanáticos fascistoides, cada vez mais armado, e por parte de uma burguesia extremamente reacionária. Chantageia ainda a sociedade com o apoio de um grupo de generais de pijama saudosista dos anos da ditadura militar dos anos 64 e que ainda não lavaram as mãos do sangue dos torturados e assassinados na época em que o exército esteve no poder.
Fácil é prever a evolução da economia: vai piorar. Difícil é saber o que ocorrerá com a nossa débil democracia tutelada por forças armadas reacionárias.

[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Gonçalo, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik H. Pinto.

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quarta-feira, 10 de junho de 2020

Os números não mentem... Será?


Semana de 01 a 07 de junho de 2020
  
Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Se uma pessoa fosse questionada sobre quais as principais formas de mentir, certamente a resposta seria: através da linguagem escrita ou falada. No caso do Brasil, isso se daria através da linguagem que se convencionou chamar de “português”. Seria possível enumerar as mais diversas maneiras de usar as palavras para contar uma mentira. Entretanto, a coisa muda quando questionamos as chances dos números mentirem.
Não é difícil de ouvir por aí que os dados não mentem. Está no senso comum. A ideia de que os números são “frios” e isentos de uma carga “ideológica” também é bastante difundida entre muitos cientistas sociais. Contudo, a coisa não é bem assim.
Os algarismos arábicos (os números de 0 a 9 e suas combinações) nada mais são do que parte de uma linguagem que expressa determinada coisa do mundo real. Por exemplo, se buscarmos o significado da palavra casa, no Google, o primeiro que vai aparecer é: “edifício de formatos e tamanhos variados, de um ou dois andares, quase sempre destinado à habitação”. Esse é um exemplo de como uma linguagem, o português, é utilizado para nos comunicarmos. Agora, se quisermos tratar de mais de uma casa, unimos ao português uma outra linguagem: a linguagem matemática.
Essa linguagem, porém, não se limita à representação imediata de coisas concretas. Ela também serve para representar determinadas mudanças ou padrões dessas coisas. Por exemplo, tal como nossos professores do ensino infantil ensinaram: se temos cinco maçãs e comemos duas, com quantas ficamos? Pela linguagem matemática, temos: 5 – 2 = 3. Poderíamos dificultar um pouco mais os exemplos, mas deixa para outra oportunidade.
O que importa é entender que, de fato, os números são uma parte daquilo que chamamos de linguagem matemática. Contudo, como toda representação da realidade, ela pode ser enganosa. A questão é: como saber se os dados que são fornecidos oficialmente por um governo ou entidade internacional, por exemplo, condizem com a realidade ou não? A resposta é complexa e só a ciência pode dar...
Em cada ramo do conhecimento científico, desde as ciências naturais às ciências sociais, existem organizações que reúnem um grande número de especialistas que são responsáveis por estabelecer padrões metodológicos, critérios específicos, procedimentos éticos etc. Isso tudo é essencial na coleta e análise das informações que podem se transformar em números. É o acúmulo de conhecimento prévio que dá confiabilidade ao que os cientistas afirmam e, ao mesmo tempo, permite a descoberta do novo.
Outro elemento necessário para o progresso da ciência (sem mencionar criticamente seu uso pelo capitalismo) é a existência de uma padronização de procedimentos e critérios em escala internacional. Dois são os motivos básicos para isso: o primeiro é a garantia de que aquele estudo seguiu padrões rígidos e que resultou de um conhecimento robusto sobre o tema. O outro motivo é que isso torna possível comparar entre si as informações e descobertas feitas nos mais diversos pontos do planeta.
Semana passada, vimos aquele que era o maior estudo internacional sobre Covid-19 ser “despublicado” de uma das principais revistas médicas do mundo, a Lancet. O motivo: os padrões mínimos de conduta científica na coleta dos dados nos diversos países não foram assegurados. Não há garantias de que aqueles números “falavam” a verdade. Portanto, três dos quatro autores solicitaram a retratação do texto.
Toda essa discussão nos leva ao seguinte questionamento: qual o interesse do ministro interino da Saúde, um General da ativa do Exército, na mudança da metodologia de registro e divulgação dos dados sobre a Covid-19 no Brasil? O leitor desavisado pode achar que é birra de Bolsonaro com o Willian Bonner.
Contudo, esse governo mostra algo muito pior: parece que estão com saudade do obscurantismo típico da era militar, quando os números diziam o que se queria e os mortos e desaparecidos sequer se tornavam dados. Talvez por isso há tantos milicos lá...

[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik H. Pinto.

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quinta-feira, 4 de junho de 2020

Crise econômica e crise do covid-19


Semana de 25 a 31 de maio de 2020

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           
Continuamos sob o impacto do coronavirus que se espalha pelo mundo. Enquanto em alguns países o pico do contágio ficou para trás e eles iniciam a abertura, outros intensificam o isolamento social. Este é o nosso caso. Os números de mortos e infectados continua a aumentar, mas a pressão dos empresários e governo federal está levando, em alguns lugares, ao início do relaxamento das medidas restritivas ao movimento das pessoas. O risco da situação piorar é grande e não estamos livres da calamidade. O pior é que, apesar de toda a tragédia ainda aparecem os que tentam tirar proveito da situação com ações fraudulentas.
Além dos problemas humanos, o vírus traz consequências econômicas. Com a quarentena as pessoas não podem trabalhar, as empresas fecham, os salários caem, a demanda é esmagada. A crise estoura pelos dois lados: o da demanda e o da oferta.
É importante destacar, porém, dois aspectos. Primeiro, a responsabilidade pela desaceleração da economia não é do isolamento social, mas do covid-19. O isolamento social é a única alternativa existente hoje para combater o vírus. Não há outra solução. Em segundo lugar, a responsabilidade pela crise econômica não é apenas do vírus. Antes da pandemia se instalar, a economia mundial e local já estavam entrando em uma fase de crise conforme vínhamos anunciando e acompanhando em nossas Análises anteriores. O vírus precipitou a explosão.
Agora, a realidade objetiva da qual não podemos fugir é que estamos diante de uma pandemia que ameaça a espécie humana, esta pandemia associou-se a uma fase de crise do ciclo econômico e não temos remédio para combater a enfermidade exceto o isolamento social. Mas temos caminhos para combater a crise. Isto depende da competência dos dirigentes políticos, dos economistas e das políticas econômicas a serem implementadas. Certamente as políticas propostas pelo super sinistro da economia Guedes não contribuirão em nada para isto, mas, pelo contrário, agravarão o cenário.
No campo econômico, o que está ocorrendo e vai continuar a ocorrer é perfeitamente previsível. Estamos diante de uma desaceleração e de uma recessão com algumas peculiaridades. Todos os dias os dados confirmam esta situação.
Segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), no primeiro trimestre, em relação ao último de 2019, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu -1,5% e os investimentos -0,5%. Para o total do ano a previsão é de uma queda de -5,4% para o PIB. Segundo o Caged, em abril, foram perdidos 860,5 mil postos de trabalho. Segundo o Ipea a indústria, também em abril, encolheu 36,1% em relação a março e o varejo ampliando 34,7%. Esta situação deve continuar piorando.
Esta crise generalizada é ainda agravada pela crise política provocada por um governo incompetente e desequilibrado que namora com a ditadura e prepara a todo tempo uma ruptura institucional. Claro que a instabilidade leva a fuga dos investimentos e capitais estrangeiros. Em abril, os Investimentos Diretos no País (IDP) foram apenas de US$234 milhões, quando o Banco Central (BC) estimava em US$1,5 bilhões. No mês, os estrangeiros retiraram R$24,3 bilhões aplicados no financiamento da dívida pública federal (DPF). Atualmente apenas 9,36% desta está nas mãos desses financiadores.
Mas as preocupações do governo não se voltam para esses assuntos. Preocupa-se mais com desfiles a cavalo ou helicóptero em manifestações ilegais que fazem apologia da intervenção militar e agridem os outros poderes da república. Ao mesmo tempo precisa defender-se da ação da justiça que ronda seus filhos e apoiadores acusados de atividades ilegais e envolvimento com as milícias. A divulgação do vídeo da reunião do conselho de ministros feita na semana colocou mais lenha na fogueira diante dos pronunciamentos das autoridades aí reunidas. Foi uma vergonha nacional.
Assim continuamos à espera do golpe e com a crise em marcha enquanto assistimos a desunião das forças democráticas incapazes de aglutinar um movimento que possa deter a barbárie e o atraso.

[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik Helen.

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