quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

O mundo começa a vacinação, já o Brasil...

Semana de 21 a 27 de dezembro de 2020

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

A vacinação em massa contra o coronavírus começou, mas não no Brasil. Até o presente momento, já foram vacinadas 4.665.501 pessoas pelo mundo (tomaram pelo menos uma dose). No Brasil, nenhuma! Em primeiro lugar estão os EUA, que vacinaram 2,13 milhões de pessoas. Em seguida vêm China (1 milhão) e Reino Unido (800 mil). Como proporção da população, quem mais vacinou foram Israel, Bahrein e Reino Unido. Mais de 40 países já iniciaram sua vacinação, incluindo alguns hermanos latino-americanos. Novamente, no Brasil ainda nada!

Em análise anterior, destaquei o fato de que a “tempestade” que enfrentamos no momento é a mesma, mas não temos todos o mesmo “barco” para enfrentá-la. Como era de se esperar, isto se reflete no acesso que os países têm à vacina.

Segundo o Duke Global Health Innovation Center, há estimativas de que apenas em 2023 ou 2024 teremos vacina suficiente para toda a população do planeta, incluindo o agente imunizante em si e os materiais para aplicá-lo (seringa, luva, máscara, etc.). Alheios a isso, e buscando garantir o retorno à normalidade em seus territórios, os governos dos países de alta renda já compraram mais de 4 bilhões de doses das diversas vacinas desenvolvidas (as testadas e as que estão em fase de testes). Isto corresponde a cerca de 50% do total de doses até aqui anunciado. Por exemplo, as doses já compradas pelo Canadá correspondem a 505% da população do país. No Reino Unido este percentual é de 290% e no Chile, de 244%. No Brasil, amargamos míseros 46% de doses em relação ao total da população, incluindo a CoronaVac, desenvolvida em parceria com o Instituto Butantã.

Quando questionado sobre o início da imunização no mundo e sobre a inqualificável situação do Brasil, o presidente Jair Bolsonaro disse: “Ninguém me pressiona para nada”. No dia seguinte, disse que, “caso exercesse pressões pela vacina, seria acusado de interferência e irresponsabilidade”. Para finalizar, especialista que é em  economia, soltou: “O Brasil tem 210 milhões de habitantes, um mercado consumidor de qualquer coisa enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente?”. O presidente acha o quê, que as inúmeras frases defecadas ao longo de 2020 seriam o meio mais eficaz de combater a pandemia?

Não é nenhuma novidade que o Brasil está muito longe de resolver seus problemas quanto a Covid-19, sejam os da saúde ou da economia. A esta altura do campeonato é difícil dizer se a situação atual é resultado de uma absoluta incompetência na gestão federal ou é algo piorado pelo terraplanismo nas diversas dimensões da realidade: ciência, saúde, economia, meio ambiente, assistência, etc. O que parece ser é um mix dos dois, uma incapacidade de compreender a realidade que é agravada pela cegueira ideológica.

Não são poucos os eleitores de Bolsonaro que, desde meados de 2019, se arrependeram de votar nele. Por sua vez, para rever sua opinião, outros precisaram passar por este que é o pior capítulo da nossa história recente. O último famoso a manifestar seu (agora) desapreço foi Pedro Bial, que em seu programa chamou Bolsonaro de “desgovernante”, “acéfalo” e “delirante”.

É ruim ver que só em situações extremas alguns compreendem o mal que fizeram ao votar em Bolsonaro. Mas é como dizem: antes tarde do que mais tarde ainda... Só espero que quando as próximas eleições chegarem, ao ver um candidato imbecil, não pensem que ele servirá para presidir a nossa República. Era óbvio que não poderíamos estar em situação diferente com esta liderança do Executivo.

Aquela que é a única solução para os problemas sanitários e econômicos, a vacinação em massa, está longe de se resolver. Não por uma questão de falta de recursos, como nos países de baixa renda. É graças à gestão Bolsonaro. Na verdade, não a ele, mas aos eleitores dele, arrependidos ou não.

Ah, quase me esquecia. Desejo ao caro leitor uma boa virada, sem aglomeração...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H. Pinto e Daniella Alves.

Share:

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Haverá luz no fim do túnel?

Semana de 14 a 20 de dezembro de 2020

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

A análise dos dados econômicos confirma o processo de recuperação da economia. Só a anunciada recuperação em V, do sinistro da economia Paulo Guedes, não pode ser verificada por mais que torçam os números. Mas, que história é essa de V? Já vimos várias vezes nesta coluna que a economia se move em ondas de crescimento e desaceleração. É um movimento cíclico conhecido como ciclo econômico ou crise cíclica de superprodução. Mesmo as teorias oficiais que negam este ciclo usam as expressões “políticas anticíclicas” ou “pro-cíclicas”. O próprio Guedes e seus fanáticos de vez em quando escorregam e fazem estas afirmações.

Há várias maneiras de verificar o ciclo com dados estatísticos, mas a mais usual é utilizar as taxas de crescimento do PIB ou da produção industrial. Estas taxas nos permitem construir um gráfico com o qual podemos verificar visualmente este movimento de sobe e desce. Quando a linha está descendo, em algum momento ela voltará a subir. É a reversão. A linha apresentará a forma de uma letra. Se a subida é rápida, teremos o vértice de um V. Se a subida é lenta, a forma será de um U. Se há uma sucessão de sobe e desce teremos um W ou mesmo o tal serrote (vários Ws emendados).

O que significa estarmos em recuperação? Significa que a economia voltou a crescer pois o volume da produção industrial começou a aumentar impulsionando o aumento do emprego embora os indicadores do desemprego continuem a mostrar crescimento por um problema de critério de mensuração usado pelo IBGE. Só é considerado desempregado quem procura emprego. Quem fica em casa (os desalentados) e os que fazem bicos (subempregados) não são contados.

A retomada da produção industrial pode ser observada pela falta de matérias-primas (aço, por exemplo) e pelo IBC-Br, índice calculado pelo Banco Central (BC), que mostra um crescimento de 0,85%, em outubro, em relação a setembro. Este crescimento está desacelerando. Com efeito, nos meses anteriores foi: junho 5,23%, julho 2,42%, agosto 1,62%, setembro 1,68% e agora outubro 0,85%. Não é crescimento em V. Esta desaceleração é confirmada pelo Índice de Confiança Empresarial (ICE) que caiu 1,7 pontos e pelo Índice de Confiança do Consumidor (ICC) que caiu 4,1 pontos, ambos em relação a novembro. Os dois Índices são calculados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) que constatou também a existência, em outubro, de 13,8 milhões de desempregados. A economista da FGV Viviane Seda afirmou ainda que há “uma clara desaceleração da indústria” e que “até o momento não vemos cenário promissor, não vemos luz no fim do túnel”. Estamos assim em recuperação, mas esta não tem a forma de V e o futuro é muito incerto. Serão difíceis grandes melhoras em 2021.

Há dois fatores que não são de ordem econômica e dificultam a marcha da economia e as análises e previsões. O primeiro deles é a covid-19. Estamos em plena segunda onda e a euforia das festas de final do ano e a irresponsabilidade das pessoas estimulada pela ação homicida do governo vão provocar o agravamento da situação com risco de colapso do sistema de saúde. Acrescentemos ainda a estupidez da política genocida do general intendente, executada pelo Ministério da Saúde, entupido de milicos, a mando do louco presidente. O agravamento da pandemia afetará a economia. O segundo fator é a política econômica do sinistro da Economia com sua cegueira ideológica que quer administrar um país como um agiota.

Estes dois fatores estão contribuindo para dificultar o natural movimento de recuperação e podem trazer consequências desastrosas.

 Se a situação interna é difícil e nebulosa externamente continuamos a colecionar dissabores. O Brasil foi excluído da cúpula da Ambição Climática da ONU que reúne os 77 estados mais importantes do mundo. Ficou fora também da cúpula da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) apesar de ter apoiado o candidato de Trump. Foi ainda classificado entre os 3 últimos lugares no relatório do Fórum Econômico Mundial (WEF) entre os 37 países analisados, considerando os critérios de educação, princípios de governança, índice de corrupção e confiança no governo.

2021 promete ser mais um no difícil, infelizmente.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Guilherme de Paula, Ingrid Trindade e Monik H. Pinto.

Share:

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A segunda onda, de negacionismo...

Semana de 07 a 13 de dezembro de 2020

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

No mesmo dia em que permaneceu dez minutos inteiros à beira de uma rodovia de Porto Alegre acenando para os que passavam, todos ouviram o que o Presidente Jair Bolsonaro anunciou: “estamos vivendo um finalzinho de pandemia”. Decretado foi, então, o fim da Covid-19 no país. Simples assim! O Messias disse, está feito. A imprensa que pare de mentir, dizendo que a média de novos casos diários está subindo. Mentiroso também é o dado que diz que no Brasil já morrem, novamente, mais de 600 pessoas por dia.

Talvez, o Presidente tenha afirmado isso tendo em conta um secreto Plano Nacional de Imunização. Este Plano, que deve ter sido elaborado pelos agentes secretos do Ministério da Logística (também conhecido como Ministério da Saúde) garantiria que dezembro de 2020 marcaria o fim da pandemia no Brasil. Ele é tão secreto que sequer se sabe a data para começar ou terminar. Mesmo que diversos países já estejam preparados para a vacinação da sua população.

Isso só pode ser verdade. Os fatos obscuros esclarecem... Tanto que o ministro da Logística (digo, da Saúde), general da ativa e cantor de karaokê, Eduardo Pazuello, foi a uma festa celebrar o fim da pandemia. Ela foi dada pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e contou até com Zezé Di Camargo, sem o Luciano. Todos sem máscara, mostrando à população brasileira que tudo faz parte de um Plano.

O Plano é tão eficiente que estão até sendo bonzinhos com o Instituto Butantã e com o Governo de São Paulo. Através da Anvisa, o governo federal tem feito o que pode para impedir o desenvolvimento e o uso da Coronavac. Já é uma quantidade de recursos que deixam de ser aplicados pelos paulistas, uma baita ajuda para garantir que não sejam despendidos à toa, já que o Messias tem um Plano. Quem sabe até o Governador de SP não siga os passos de Jair e Michelle Bolsonaro e use o dinheiro economizado numa cerimônia oficial de lançamento dos trajes de gala das festas de fim de ano...

Saindo um pouco do campo do delírio e das ironias, o Itaú fez projeções acerca do futuro da economia brasileira. Com o fim da pandemia, o PIB do Brasil cresceria cerca 4% em 2021, podendo chegar até a 5,7%. Caso o pior acontecesse e a segunda onda de mortes chegasse ao patamar da primeira, a economia cresceria apenas 1,4% em 2021. Por sua vez, se a média de mortes diárias ficar em 400 nos três primeiros meses do ano que vem, a projeção diz que o país cresceria 0,2% no primeiro trimestre de 2021. Caso a média de mortos fosse igual à que temos hoje, de 600 por dia, o PIB do Brasil cairia 1,2% no primeiro trimestre de 2021.

A situação parece não estar muito favorável à economia brasileira. Fora toda desgraça que nos acomete, o clima não está ajudando a lavoura. Apesar de ser um setor constantemente aclamado pelo Presidente, o campo está sofrendo com a seca e com as consequências da pandemia. Por exemplo, apesar de ainda ser esperado um recorde na colheita de 2020/21, a estimativa é de que sejam colhidas 3 milhões de toneladas de grãos a menos em relação às previsões iniciais. Isto porque “La Niña” afetou mais duramente o regime de chuvas, que prejudicou a produção de diversas culturas no Centro-Sul do país: milho e arroz no Rio Grande do Sul, soja em Mato Grosso, laranja em São Paulo e Minas Gerais, cana de açúcar em Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo, além do café nas regiões do Triângulo Mineiro e Mogiana Paulista. Soma-se a isso o fato de que o abate de bovinos no terceiro trimestre de 2020 apresentou queda de 9,5% em relação ao mesmo período de 2019. Para finalizar, as exportações de soja e seus derivados recuaram em novembro a tal ponto de reduzir em 1,5% as exportações totais do campo em novembro de 2020, quando comparado com novembro de 2019.

Só um louco não percebe que nós brasileiros estamos completamente perdidos na solução dos problemas da pandemia. O nosso poder público é uma piada (literalmente) de mau gosto. Negou a pandemia na primeira onda. Está a negar na segunda. De fato, o brasileiro não tem um dia de paz mesmo...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H. Pinto e Daniella Alves.

Share:

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

O PIB “fantástico” da recuperação em “V”

Semana de 30 de novembro a 06 de dezembro de 2020

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Os dados divulgados na semana, pelo IBGE e FGV, levaram a “equipe dos pesadelos” do sinistro Paulo Guedes (o da Economia), a dar pulos histéricos de euforia. “O sinal de recuperação cíclica é evidente, o Brasil está decolando de novo”, declarou o sinistro. O curioso é ele usar o conceito “recuperação cíclica”. Então o movimento cíclico da economia existe? Ele referiu a retomada dos serviços com o fim do distanciamento social, ignorando a segunda onda e a burrice ideológica do pançudo da Saúde que dificulta a vacinação. Afirmou ainda que vai retirar os estímulos fiscais, acabar o Auxílio Emergencial e chamou de “negacionista” os que negam a chamada “recuperação em V”.          O tosco presidente, mesmo sendo analfabeto, seguiu os conselhos do seu “posto Ipiranga” e fez coro com o tal “V”, e considerando os dados da recuperação como “fantásticos”. Aproveitou a oportunidade para acrescentar que vai privatizar a Eletrobrás.

Com efeito, estão sendo anunciados bons números, na economia, para o terceiro trimestre. O PIB cresceu 7,7% (o mercado esperava 8,8%). O consumo das famílias cresceu 7,6%, o do governo 3,5%. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) cresceu 11%, o setor de máquinas 52%, o PIB industrial 14,8% (No segundo trimestre havia caído -13%) e a construção civil 5,6% (abaixo do esperado). A Indústria e o Comércio foram os motores da recuperação.

Mas há outros números não tão favoráveis. As empresas da construção civil tiveram uma queda de -7,9% e o setor vinha caindo desde o 1º trimestre de 2015, daí a decepção com o crescimento observado de 5,6% agora. O PIB industrial havia caído 13% no segundo trimestre e, portanto, o crescimento atual não repôs as perdas. Além disso a queda do PIB do segundo trimestre foi corrigida de -12,7% para -14,1%.

O desemprego continua a atingir 14,4% com 13,8 milhões de desempregados. A indústria vinha em expansão, mas a taxas decrescentes: junho 9,6%, julho 8,6%, agosto 3,4%, setembro 2,8% e outubro 1,1%. Os bens intermediários, em outubro caíram -0,2% e os duráveis e não duráveis cresceram apenas 0,1%. Das 26 atividades analisadas pelo IBGE, 11 recuaram, entre as quais alimentos, -2,8% e extrativos, -2,4%.

Outro dado preocupante foi o IPCA, índice de preços que mede a inflação. O Banco Central (BC) projeta para 2021 o IPCA de 3,4%, mas já há estimativas de valores maiores que 4%. Os preços têm sido impulsionados pelos alimentos e pelos preços administrados que tinham aumento de zero e passaram a subir 2,5%. A energia é o grande vilão além do gás e dos combustíveis. Mais algumas matérias primas aumentam a pressão. O minério de ferro teve a maior elevação em 6 anos subindo 12% bem como o petróleo 27%. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) elevou o preço do aço em 12% para os aços planos e longos, mas para o setor automotivo o aumento foi entre 30% e 35%.

O BC mostra-se preocupado com a aceleração dos preços, mas acredita que o repique vai passar. O pior é que todos os analistas reconhecem que a epidemia é deflacionária. Estamos, portanto, mais uma vez, na contramão.

Para 2021 o panorama mostra o crescimento das incertezas. Aliás, isto já é visto no Indicador da Incerteza da Economia (IIE-Br) calculado pela FGV que subiu 2 pontos de outubro para novembro. As causas apontadas são a pandemia e o equilíbrio fiscal.

Mas o problema não para aí. A comissão do FMI que analisou o Brasil entre setembro e outubro recomendou, em seu relatório, cautela na retirada dos estímulos pois a recuperação da economia é frágil. Segundo o FMI, o Brasil está entre as “10% retomadas mais fracas no mundo nos últimos 50 anos”. Daí a necessidade de cautela.

Mas a equipe econômica, cega pela sua fidelidade à crença fanática no equilíbrio fiscal, promete acabar com os estímulos. Para muitos analistas a situação é instável, pois a segunda onda do covid-19, com o fim do Auxílio Emergencial e a inflação farão cair o consumo e aumentar o desemprego. E enquanto a Amazônia tem o maior desmatamento em 12 anos, o clã Bolsonaro ameaça os dois países mais poderosos do mundo: os EUA com pólvora e o gigante chinês com sanções comerciais. Os que escaparem do covid-19 verão o resultado da ousadia e da recuperação em “V”.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Guilherme de Paula, Ingrid Trindade e Monik H. Pinto.

Share:

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Autonomia política no BC... E nas Universidades?

Semana de 23 a 29 de novembro de 2020

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

No começo de novembro, foi comemorada a aprovação, no Senado, do Projeto de Lei Complementar n° 19, de 2019, que trata da garantia legal da Autonomia do Banco Central do Brasil. Com isso, espera-se que a condução da Política Monetária deixe de sofrer influências diretas ao sabor do chefe do Executivo. Para o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), é “blindar a política monetária do governo federal”.

Mas isto não é nenhuma novidade, na prática. Desde o Plano Real, o BC tem atuado de forma autônoma em relação ao governo federal, com exceção do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Lá se vão mais de 25 anos. Mesmo sem uma regra legal absolutamente clara, tornou-se legítima, perante a sociedade civil brasileira, a atuação autônoma do BC. Tanto que, quando Dilma tentou alinhar a Política Monetária à Política Fiscal que queria implementar, saltaram dos mais diversos buracos os defensores da autonomia da instituição.

Com o projeto de lei a direção do Banco Central terá autonomia na sua ação, mas não a independência. Caso esta existisse, haveria um quarto poder na República, igual ao Executivo, Legislativo e Judiciário, tomando todas as decisões que entendesse quanto à Política Monetária. Tal como ocorre hoje, será mantida a indicação do Presidente e dos Diretores do BC pelo Presidente da República. Eles devem ser sabatinados e aprovados pelo Senado. Caso passem, assumem para um mandato de 4 anos não coincidentes com o do Chefe do Executivo. Da mesma forma que hoje, devem executar as metas da Política Monetária estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) através dos meios que, autonomamente, julgarem adequados.

Isso mostra que será dada legalidade a uma relação que já é legitimada pela sociedade civil: a autonomia do Banco Central na condução da Política Monetária. Não vou discutir a Economia Política por trás disto, coisa que já foi feita anteriormente. Quero comparar com o que está sendo feito em outras instituições que já gozam de autonomia constitucionalmente garantida e têm legitimidade em sua ação perante a sociedade civil, mas que estão sofrendo com uma brecha na legislação atualmente vigente: as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).

A Constituição de 1988, em seu Art. 207, garante que as IFES têm o legítimo direito de, por exemplo, escolher seus dirigentes máximos. Contudo, o Decreto nº 1.916/1996 afirma que o Presidente da República pode não indicar o primeiro lugar da lista tríplice (dos três mais votados em consulta prévia) para Reitor e Vice-Reitor. Ou seja, legalmente, apesar de ter como base uma norma inferior à Carta Magna brasileira, as IFES podem sofrer interferência de ordem política em sua direção. Isto significa que elas podem deixar de tocar o projeto que a sua Comunidade Acadêmica legitimou (primeiro colocado na lista tríplice) e ter que engolir um projeto que foi rejeitado pela maioria dos Professores, Técnicos e Estudantes (qualquer um que não o primeiro da lista). Ou seja, nas IFES é perfeitamente possível que haja interferência política do presidente do momento, coisa que no Banco Central, como vimos, não pode...

Apesar da previsão legal, tem sido uma tradição de décadas a indicação do primeiro colocado na lista tríplice para Reitor. Ou seja, havia legitimidade (reconhecimento e aceitação social) na forma como se procedia a escolha dos dirigentes máximos das IFES, até 2018. Sob o comando de Jair Bolsonaro, contudo, isto deixou de acontecer. Desde que assumiu, o presidente olavista, negacionista, antivacinista, terraplanista e tudo o mais que seja anticientificista não respeitou em 18 ocasiões a autonomia universitária, indicando Reitores que, inclusive, não receberam sequer um voto no Conselho Universitário. É o caso de Valdiney Veloso Gouveia, da UFPB.

Ninguém aqui está defendendo a falácia da independência das IFES quanto ao poder Executivo, tal como a Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou em parecer recente. Na realidade, já existe um conjunto de leis, instituições e outras relações estabelecidas dentro do próprio serviço público que impõe às IFES os limites de sua ação, tais como a Lei de Diretrizes e Bases, o Conselho Nacional de Educação, o Tribunal de Contas da União, etc.

O que se pede, já que aqui é uma coluna de economia, é que se dê às IFES o mesmo tratamento que alguns dão à questão da interferência política do poder Executivo na condução da Política Monetária pelo Banco Central. É pedir muito?


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H. Pinto e Daniella Alves.

Share:

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog