quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Enquanto as cadelas ladram, a inflação passa...

Semana de 16 a 22 de agosto de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Sim, mais do que nunca as cadelas do bolsonarismo e o chefe da quadrilha, digo, matilha ladram para ameaçar os brasileiros com um golpe de Estado. Enquanto isso uma das lições mais básicas de economia se concretiza: o aumento dos preços é ruim para os trabalhadores, mas especialmente perverso com os mais pobres. O motivo é que a elevação nos preços se dá de um mês para outro, às vezes em poucos dias. Já os salários não são reajustados rapidamente. Normalmente o reajuste é anual. Ou seja, o salário compra uma cesta de bens hoje, mas não compra a mesma coisa com o passar dos meses.

Segundo a Tendências Consultoria, a renda disponível dos brasileiros, a sobra de renda depois de se pagar o essencial para sobreviver, vai cair em torno de 5,1% na comparação entre 2020 e 2021. O motivo é que quase tudo está mais caro. Mas, claro, nem todos serão atingidos do mesmo modo. Segundo o estudo, as pessoas das classes D e E, as mais pobres, deverão ver essa renda disponível cair 18,5%. Por outro lado, prevê-se que a classe A, os mais ricos, vai aumentar sua renda disponível em cerca de 2,8%. Já a famosa classe C deve ter um recuo de 6,6% na renda disponível até o final de 2021.

O caso concreto dos mais pobres do Brasil pode ser visto através de alguns números do Cadastro Único do Governo Federal. O banco de dados registrou em junho um total de 17,6 milhões de famílias que recebiam renda per capita mensal de até R$ 178. Dessas, 14,7 milhões estão na extrema pobreza, ou seja, não recebiam sequer R$ 90 per capita por mês. São mais de 49,6 milhões de brasileiros em risco real de não ter suas necessidades mais elementares atendidas, como se alimentar. Neste mesmo mês registrou-se um total de 135,6 mil famílias em situação de rua cadastradas.

Sobre o Bolsa Família, que é um benefício dado à maior parte dos brasileiros no CadÚnico, vejamos alguns comparativos. Em junho de 2013, por exemplo, o Bolsa Família médio de São Paulo comprava o equivalente à 49,3% de uma cesta básica aos custos da cidade. De lá para cá esse percentual oscilou e em 2020 só comprava 33,7% da cesta básica. Quando comparado com o salário mínimo a coisa piora. Em 2004 o Bolsa Família pago em média para os brasileiros correspondia a 26,4% do salário mínimo nacional. Até 2014 este percentual se estabilizou em algo em torno de 21%. Em 2020 o Bolsa Família correspondia a cerca de 18% do valor do salário mínimo. Dois são os motivos principais para esse quadro de piora: a elevação dos preços dos produtos da cesta básica, junto com a falta de valorização efetiva do benefício médio pago.

Apesar de já termos falado algumas vezes sobre o aumento dos preços anteriormente, ainda é preciso mencionar que a inflação não cedeu e a carestia continuam. Em julho, 53% das micro e pequenas empresas da cidade de São Paulo não funcionaram adequadamente. O motivo principal foi a falta de insumos e os elevados custos de operação. Na outra ponta, para aqueles que ganham entre 1 e 5 salários mínimos, os preços se elevaram em 9,85% entre junho de 2020 e julho de 2021. É o que indica o Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Nesta conta destaca-se o botijão de gás, que aumentou seu preço em quase 30% no mesmo período. Na região Norte o preço médio do gás passou de R$ 100. O motivo: o aumento do preço internacional do petróleo e seu repasse para a população brasileira. Até as moradias estão mais caras. Quem paga aluguel viu o IGP-M (índice de inflação tradicionalmente usado para reajustar aluguel) subir 33,83% nos 12 meses encerrados em julho. Já quem quer comprar um imóvel popular que se prepare, pois as construtoras já começaram a repassar a elevação dos seus custos para o preço das novas residências. O Índice Nacional de Custo da Construção subiu 17,35% nos 12 meses encerrados em julho. E olhe que nem falei sobre: o caos no transporte marítimo mundial; a queda na produção de etanol e açúcar; o estudo do IPEA que conclui que o preço dos alimentos ou fica estável lá no alto ou sobe ainda mais...

É neste cenário caótico que as cadelas do bolsonarismo brincam de ameaçar dar golpe de Estado. Será que latem o suficiente para esconder a inflação e tantos outros problemas que nos atropelam?


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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sexta-feira, 20 de agosto de 2021

República de bananas

Semana de 09 a 16 de agosto de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

            

Quem esperava que a indicação do Ciro Nogueira para a Casa Civil, fortalecendo a aliança com o centrão, levasse a uma moderação do presidente teve uma grande desilusão. Uma vez acomodado o general Luiz Eduardo Ramos na Secretaria geral, Bolsonaro voltou a arremeter contra o Congresso e o STF. Quando a Câmara se preparava para discutir a PEC do voto impresso Bolsonaro determinou que as tropas da marinha, que participariam de uma operação militar de rotina em Goiás, a chamada Operação Formosa, desfilassem pela esplanada com a desculpa de entregar-lhe o convite para assistir as operações. Isto depois do General Braga Netto ter enviado um recado ao Arthur Lira afirmando que sem voto impresso não haveria eleições. O escândalo estava criado. Protestos surgiram por todos os lados pois a ação foi considerada uma tentativa de intimidação do Congresso. Em meio às desculpas e o convite para os presidentes da Câmara e Senado e do STF participarem da cerimônia, convite que não foi aceito, ocorreu o desastrado desfile que serviu de desmoralização para as Forças Armadas dentro e fora do país. A imprensa internacional abriu manchetes com o tamanho ridículo da figura do presidente perfilado com alguns generais e outros ministros, no alto da rampa do planalto, recebendo das mãos de um militar um papel com o simbólico convite e tendo como pano de fundo as filas dos velhos carros de combate. Segundo o britânico The Guardian, foi um ato digno da “república das bananas do Bolsonaro”.

A grotesca exibição provocou descontentamento entre os militares e foi um tiro no pé. A emenda do voto impresso foi derrotada. Não se conseguiu os 2/3 de votos necessários para a aprovação (total de 308 dos 513 deputados), embora o placar tenha sido de 229 a favor e 218 contra. A derrota não foi esmagadora graças a ação do Ciro Nogueira e do Arthur Lira que resolveram mostrar serviço ao presidente. A desmoralização ficou na conta de partidos como o PSDB, DEM, MDB, PSD, PDT e PP, cujos deputados não seguiram a orientação das direções. O número de faltosos foi 64 e causou surpresa a vergonhosa abstenção de Aécio Neves. Ficou claro que não existem condições para um processo de impeachment. Ficou também evidente a desmoralização da “terceira via” com a adesão descarada dos deputados do centrão às teses bolsonaristas.

No entanto o Senado impôs mais uma derrota ao presidente. A Lei de Segurança Nacional, criada em 1983, foi finalmente revogada, depois de 30 anos de tramitação. No novo texto aprovado foi incluído uma cláusula considerando crime a incitação às forças armadas contra os poderes da república e penas de prisão para divulgadores de Fake News e comunicação enganosa em massa.

Apesar das derrotas e do acordo com o Centrão, Bolsonaro não mudou o seu discurso. Continuou a pregação do voto impresso, contra as vacinas e as medidas de restrição, ao mesmo tempo que renovou as ameaças de golpe. Está agora convocando uma grande manifestação para o dia 7 de setembro para pedir o golpe apelando para uma greve de caminhoneiros e bloqueio de Brasília. Ninguém consegue segurar o “doidão”. Os arrependidos choram, mas o bode continua na sala. Eis a postura da classe empresarial e da elite militar reacionárias. Enquanto isto ocorre “a boiada vai passando”. O congresso continua aprovando todo tipo de brutalidade contra os direitos trabalhistas. Com diferentes pretextos de facilitar o primeiro emprego dos jovens e o retorno dos desempregados é aprovada uma mini reforma trabalhista, com a MP 1045 que prevê a criação de vários programas: o Requip, o Priore, o BIP, o BIQ. Em todos desaparecem os vínculos empregatícios e os salários bem como todas as garantias trabalhistas.

Tenta-se passar ainda uma reforma eleitoral e uma reforma do Imposto de Renda que têm provocado grandes protestos. Está em tramitação também o substituto do Bolsa Família com o nome de Auxílio Brasil, base da campanha para a reeleição do presidente, sem estabelecer valores nem as fontes dos recursos. O fantasma do desequilíbrio fiscal já apavora os “investidores” que batem em retirada. O dólar sobe e a Bolsa cai. O “doidão” no poder prejudica a tímida recuperação. Estamos perdendo a maré alta mais uma vez.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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sábado, 14 de agosto de 2021

Um pouco sobre a história das privatizações brasileiras

Semana de 02 a 08 de agosto de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Não é de hoje que vemos todo um estigma social em torno do funcionalismo público e das empresas estatais. Os rótulos vão desde a ineficiência ao mero cabide de empregos, passando, claro, pelo princípio de que na coisa pública há corrupção, até que se prove o contrário. É nessa pororoca que Paulo Guedes e sua turma querem surfar. Na semana que passou, ganharam destaque dois casos: a Reforma Administrativa e a privatização dos Correios.

Sem abordar nenhuma proposta em específico, decidi tratar aqui dos argumentos do passado, mas que não se repetem e não servem de sustentação dessas medidas de hoje.

O princípio das reformas que “racionalizaram” a administração pública e privatizaram as empresas estatais está assentado no que ficou conhecido como Consenso de Washington. Esse “Consenso” foi, na verdade, um conjunto de orientações surgidas já na década de 1980 e organizadas nos anos de 1990 por países ricos para que os países pobres pudessem alcançar o “desenvolvimento”. É isso mesmo, ninguém melhor do que EUA, Inglaterra e Alemanha para dizer o que é melhor para Brasil, Argentina e México...

As “recomendações”, na prática, foram imposições. Ao longo dos anos 1980, a economia brasileira estava fortemente endividada, dentro e fora do país. Ou seja, estávamos devendo muito em moeda local e em dólares. Na época era recorrente o governo brasileiro imprimir dinheiro para pagar suas contas dentro do país. Mas, quando o negócio era pagar as contas externas, claro que o Brasil não podia imprimir dólares. A única forma de obter divisas era realizar transações externas. A mais comum são as exportações, onde brasileiros vendem para estrangeiros e recebem em dólares. Temos também a entrada de investimento estrangeiro em negócios no país e ainda a tomada de empréstimos diretamente de instituições financeiras. E foi aqui que surgiu a pressão externa pelas “Reformas” que ainda atormentam o Brasil.

Qualquer pessoa que já foi a um banco pedir empréstimo sabe o tanto de garantias que são exigidas no contrato, que vão de bens até um corajoso fiador que assumiria as dívidas, caso o banco leve o calote. Pois bem, com os países e os credores internacionais não é diferente. Para ceder recursos, instituições como FMI e Banco Mundial fazem uma lista de exigências aos países que precisam do dinheiro. Caso as obrigações não sejam cumpridas, nada de verba. Isso aconteceu com bastante frequência no Brasil nos anos de 1980 e se aprofundou nos anos de 1990. No começo, o Brasil não conseguiu dar conta das exigências, tanto que nenhum acordo com o FMI foi feito até o final nos anos 80. Nos anos 1990 foi diferente. Para conseguir os recursos, nos governos de FHC cumpriu-se (quase) tudo à risca, continuando e aprofundando as reformas iniciadas por Fernando Collor. Em especial, as privatizações e a entrada maciça de capital estrangeiro no país.

Internamente, o argumento era de que as estatais eram ineficientes. De fato, não tinha como defender boa parte das empresas à época, pois dois elementos foram fundamentais para seu sucateamento. Primeiro, as estatais quase sempre foram usadas para subsidiar grandes empresas. Como? Por meio da cobrança de preços tão baixos que mal cobriam os seus custos. Em épocas de alta inflação, como nos anos 80 e 90, isso foi ainda mais intenso. Segundo, no fim dos anos 1970 as estatais passaram a se financiar, principalmente, através de dívidas adquiridas no exterior. Por quê? O motivo é que havia muito dinheiro no sistema financeiro internacional, os juros estavam baratos e o Brasil precisava trazer dólares de alguma forma. O problema é que o cenário favorável virou, as dívidas estouraram e, cobrando preços artificialmente baixos, as estatais não conseguiram se manter. Resultado: muitas foram vendidas a preço de banana.

E hoje, o cenário é o mesmo? Muito longe disso. Mas existe uma característica daquela época que perdura até hoje: o capital privado ainda tem olhos grandes para as estatais. Claro, bem administradas elas são muito lucrativas. A Petrobrás, que já não detém o monopólio legal do setor, que o diga.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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sábado, 7 de agosto de 2021

Vai jogar pedra na lua

Semana de 26 de julho a 01 agosto de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]


Temos falado aqui que, em sua insanidade, o presidente Bolsonaro, se encurralado, é capaz de jogar pedra na lua. E estamos caminhando para isto. Os seus delírios grotescos explodem nas conversas com o gado no curral do planalto onde ele sempre atinge o máximo da excitação com a histeria de sua claque contratada.

Durante esta semana a pressão aumentou muito ao ponto de produzir o acordo feito com o centrão na tentativa de salvá-lo do impeachment na câmara. O Ciro Nogueira do PP, foi nomeado ministro da Casa Civil, substituindo o General Luiz Eduardo Ramos que passou a ocupar a Secretaria-Geral onde estava o Onix Lorenzoni. Este, por sua vez, recebeu como prêmio de consolação o Ministério do Trabalho e Previdência Social, a ser criado, deslocado do interior do Ministério da Economia, onde não passava de uma secretaria.

Que teria provocado tal reviravolta no governo?

O presidente vinha a cada dia sendo acossado pelas investigações feitas pela CPI do Senado. As descobertas das bandalheiras dentro do Ministério da Saúde passaram a atingir o Planalto e a pessoa do presidente que perdeu o controle ao ponto de usar palavras de baixo calão ao ser convidado a dar declarações. As manifestações voltaram as ruas mobilizando milhares de pessoas nos 26 estados e no distrito Federal, tendo ocorrido em 120 municípios e em 11 países. E enquanto isto o governo não consegue apresentar nenhuma realização de impacto na vida das pessoas. A inoperância é tal que o economista conservador Afonso Celso Pastore afirmou em uma entrevista: “Não acho que tenha governo. Tem pessoas lá dentro exercendo funções sem um objetivo, sem estratégia, sem diretriz, sem política econômica”.

Apesar do acordo com o Centrão, Bolsonaro não mudou o seu discurso. Continuou a pregação do voto impresso, contra as vacinas e as medidas de restrição, ao mesmo tempo que renovou as ameaças de golpe. Ou muda-se o processo eleitoral segundo sua vontade ou não haverá eleições. Até o General Braga Neto, ministro da Defesa, entrou na dança mandando um recadinho ao presidente da Câmara Artur Lira. O Jornal Folha de São Paulo publicou o recado e estouraram os protestos por todos os lados, do STF, do TSE, da OAB, de senadores e deputados, da CPI, dos partidos políticos e organizações sociais.  Desmoralização total do General que passou a negar a autoria do recado.

Especula-se agora quais os rumos que o governo seguirá. Haverá uma acomodação parlamentar ou continuará a marcha para o golpe? Não parece restar dúvidas que o caminho do golpe é a preferência do Bolsonaro, aliás é nisso que ele pensa desde que chegou no cargo. Mas como foi possível um desequilibrado como este ter chegado à presidência? Em uma entrevista ao Jornal Valor Econômico o cientista político e professor da Universidade Federal de São Carlos João Roberto Martins Filho, especialista em assuntos militares apresenta algumas opiniões muito pertinentes. Bolsonaro é fruto de um plano de certo grupo de generais de tomar o poder sem golpe. Saudosos da ditadura de 64 buscaram uma personalidade capaz de ganhar as eleições. Pensavam que conseguiriam controlar o bruto. Em uma certa reunião o problema foi colocado e o General Santos Cruz apresentou-se como voluntário “para segurar o doidão”. Grande ilusão, foi demitido em poucos meses. Não foi por acaso que Bolsonaro foi expulso do exército e agora está mostrando do que é capaz. Nada indica que vá mudar. Só não dará o golpe se não tiver apoio militar para isto. Poderá sim jogar pedra na lua.

É evidente que com toda esta instabilidade a recuperação da economia encontrará terríveis obstáculos. Os investimentos estrangeiros não virão, e mesmo os nacionais retraem-se. A inflação continua a aumentar, o desemprego mantem-se em níveis elevados, o consumo reprimido, as empresas reclamam da falta de insumos que demandam do exterior, o processo de desindustrialização prossegue, a vacinação contra o covid se arrasta prejudicando a retomada dos serviços. Corremos o risco de, mais uma vez, não aproveitar o boom das commodities e o impulso da recuperação mundial. 


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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