Semana de 24 a 30 de novembro de 2008
As opiniões sobre a situação da economia brasileira diante da crise mundial dividem-se em dois blocos antagônicos. De um lado, analistas e empresários constatam a escassez de crédito, a redução dos investimentos e do emprego. De outro lado, a equipe econômica do governo, acreditando na “solidez” da economia brasileira, continua a afirmar que haverá apenas uma “desaceleração” em 2009. Para dar robustez às suas opiniões, veiculam informações positivas sobre a economia. Contudo, tais notícias devem ser lidas com cautela, porque os dados apresentados referem-se às apurações feitas até setembro, quando a crise ainda não se havia manifestado no Brasil.
Um destes dados é o aumento de 2% no consumo de alimentos, bebidas e produtos de limpeza em comparação com o mesmo período do ano passado (dados do instituto de pesquisa Latinpanel). Conforme o presidente da Associação Brasileira de Supermercados, Sussumu Honda, o que colaborou para manter as vendas nos supermercados nos últimos meses foi o fato de que, ao contrário de outros setores que dependem do crédito, o setor supermercadista depende mais da renda do consumidor. Honda, entretanto, demonstra preocupação em relação ao primeiro trimestre de 2009, diante da perspectiva de queda do nível de empregos, que afetará o rendimento dos consumidores.
Outra fonte de preocupação para as famílias brasileiras é o aumento do nível dos preços. A mesma pesquisa da Latinpanel afirma que o preço médio da cesta de produtos subiu 8% entre o terceiro trimestre deste ano e o do ano passado.
A subida dos preços nos últimos 12 meses também foi observada pelo IPCA-15 (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que atingiu 6,54% e é considerada uma prévia da inflação oficial do país. Isto significa que a taxa de inflação já supera a meta, estabelecida pelo Banco Central, de no máximo 6,5%. Os responsáveis pela variação do índice foram os alimentos, especialmente a carne, o feijão preto, o arroz e o leite.
Diante disto, a previsão dos analistas é de que o Banco Central, em sua próxima reunião, decidirá manter a taxa básica de juros do país, a Selic, nos atuais 13,75%.
Estatísticas do Banco Central mostram ainda a restrição de crédito atual. Comparando a concessão de empréstimos nos oito primeiros dias úteis de outubro e de setembro, constata-se a redução de 13%. De outubro pra cá, mesmo com todas as medidas tomadas pelo governo para aumentar a liquidez, a concessão de crédito para as empresas teve alta de apenas 1,2% fazendo crescer o risco de quebra em série, especialmente das médias e pequenas empresas. As maiores, não conseguindo financiamento no exterior, voltaram-se para o mercado interno, restringindo ainda mais o espaço das menores.
Isso mostra que grande parte do dinheiro liberado pelo governo continua debaixo do colchão dos grandes bancos. Os bancos privados, por exemplo, aumentaram somente em 2% os financiamentos em outubro e concedem empréstimos com spread elevado (diferença entre o custo de captação do dinheiro e o juro cobrado aos clientes). Mesmo assim, o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Fábio Barbosa, considera que “o sistema bancário não deixou de operar.”
Este cenário leva os empresários a revisarem os seus planos de investimentos. Montadoras de veículos, como a Peugeot-Citroen e a Volkswagen, diante da queda da demanda do mercado nacional e da queda das exportações, antecipam as férias coletivas para o início de dezembro, e a Fiat, General Motors e Renault param, visando reduzir os estoques. Nos primeiros meses do ano, os carros ficavam parados nos pátios das montadoras até 15 dias. Com a restrição de crédito em outubro, as vendas caíram 11% em relação ao mês anterior e nos últimos 38 dias os carros vêm se acumulando nos pátios das revendas e das montadoras. Em valores absolutos, o estoque já atinge 297,7 mil veículos.
As grandes operadoras de celular, como Vivo e TIM, reduziram suas compras, mesmo com perspectiva de vendas no natal. Na Zona Franca de Manaus, empresas de tecnologia divulgam cortes de 900 postos de trabalho. Tal fato soma-se ao anúncio da Xerox de encerrar a produção no Amazonas. A ação faz parte de um plano mundial de cortes nas despesas, em torno de 400 milhões de dólares, o que tem como conseqüência a eliminação de três mil empregos no mundo.
Enquanto isso, as remessas de lucros de janeiro a novembro já superam todo o ano passado. Até novembro as empresas enviaram para suas matrizes no exterior 29,3 bilhões de dólares, valor que ultrapassa em muito os 17 bilhões remetidos no mesmo período do ano passado.
Ao que tudo indica, na encruzilhada em que se encontra a economia brasileira, o único caminho a ser seguido nos próximos meses é o da crise, e o coro dos que acreditam nos fundamentos sólidos desta economia a cada dia está desafinando e emudecendo.
Na economia mundial, a expansão da crise na economia real, com as falências, queda da demanda, aumento do desemprego, etc., continua a preocupar os governos dos Estados Unidos, dos países europeus, da China e do Japão. Na tentativa de contornar a situação, praticamente todos os dias surgem notícias de
mais pacotes de estímulos econômicos.
Nos Estados Unidos, o último alvo de atuação do governo foi o socorro ao Citigroup em uma operação utilizando quantias inimaginavelmente vultosas: 300 bilhões de dólares na compra de ativos do banco, fazendo com que o governo passe a ter uma grande participação no capital. É interessante informar que o Citigroup é um caso típico de queima de capital fictício: em um intervalo de um ano, o valor do banco decresceu de 237,2 bilhões de dólares para “míseros” 20,5 bilhões. O montante que evaporou decorreu das perdas e prejuízos oriundos da crise do sub-prime.
Já a General Motors corre o risco de ficar sem dinheiro este ano e de atrasar o pagamento para o fundo de saúde dos seus aposentados. A GM, a Ford e a Chrysler negociam ajuda do governo para garantir a sua sobrevivência. Para 2009, o Congresso norte-americano quer enviar para o presidente eleito, Barack Obama, outro pacote de estímulo econômico, voltado para o investimento em obras e para cortes de impostos para a classe média, com valor podendo variar de 500 a 700 bilhões de dólares. O número crescente de demissões e a queda dos gastos dos consumidores fazem parte da herança que o novo líder estadunidense vai receber.
Nos últimos dias, Grã-Bretanha, França, Espanha, Itália, Holanda, Alemanha, Hungria e Áustria, além da Comissão Européia (braço executivo da União Européia), criaram planos para restaurar suas economias. Em geral, as ações são voltadas à redução de tributos e outras facilidades fiscais, ajuda aos setores automotivos e de construção e formação de fundos soberanos nacionais. A preocupação com os resultados de 2009 é grande, já que a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) prevê que a economia da zona do Euro vai se contrair por três trimestres consecutivos, deixando a entender que o próximo ano será um ano perdido.
A China, o país que mais contribui para o crescimento mundial, deve ter a menor expansão em quase duas décadas. A razão para isso é a queda da demanda externa pelos produtos chineses. Analistas concordam que o desemprego será o grande drama do país. Para o economista chinês Mao Yushi, diretor do Instituto de Economia Unirule de Pequim, “o governo diz que a China cresce de 8% a 9% em 2009, mas acho que serão 6% ou 7% no máximo”. Com este valor, afirma Yushi, o país não vai ter como empregar os milhões de chineses que buscam emprego, ou porque atingiram a idade de entrada no mercado de trabalho ou porque migraram do campo para as cidades.
Tudo isto demonstra que o pior ainda não passou, a destruição ainda não foi suficiente para a passagem à nova fase da crise, a depressão, e que a economia mundial continuará caminhando em direção ao fundo do poço.
Texto escrito por:
Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br
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Um destes dados é o aumento de 2% no consumo de alimentos, bebidas e produtos de limpeza em comparação com o mesmo período do ano passado (dados do instituto de pesquisa Latinpanel). Conforme o presidente da Associação Brasileira de Supermercados, Sussumu Honda, o que colaborou para manter as vendas nos supermercados nos últimos meses foi o fato de que, ao contrário de outros setores que dependem do crédito, o setor supermercadista depende mais da renda do consumidor. Honda, entretanto, demonstra preocupação em relação ao primeiro trimestre de 2009, diante da perspectiva de queda do nível de empregos, que afetará o rendimento dos consumidores.
Outra fonte de preocupação para as famílias brasileiras é o aumento do nível dos preços. A mesma pesquisa da Latinpanel afirma que o preço médio da cesta de produtos subiu 8% entre o terceiro trimestre deste ano e o do ano passado.
A subida dos preços nos últimos 12 meses também foi observada pelo IPCA-15 (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que atingiu 6,54% e é considerada uma prévia da inflação oficial do país. Isto significa que a taxa de inflação já supera a meta, estabelecida pelo Banco Central, de no máximo 6,5%. Os responsáveis pela variação do índice foram os alimentos, especialmente a carne, o feijão preto, o arroz e o leite.
Diante disto, a previsão dos analistas é de que o Banco Central, em sua próxima reunião, decidirá manter a taxa básica de juros do país, a Selic, nos atuais 13,75%.
Estatísticas do Banco Central mostram ainda a restrição de crédito atual. Comparando a concessão de empréstimos nos oito primeiros dias úteis de outubro e de setembro, constata-se a redução de 13%. De outubro pra cá, mesmo com todas as medidas tomadas pelo governo para aumentar a liquidez, a concessão de crédito para as empresas teve alta de apenas 1,2% fazendo crescer o risco de quebra em série, especialmente das médias e pequenas empresas. As maiores, não conseguindo financiamento no exterior, voltaram-se para o mercado interno, restringindo ainda mais o espaço das menores.
Isso mostra que grande parte do dinheiro liberado pelo governo continua debaixo do colchão dos grandes bancos. Os bancos privados, por exemplo, aumentaram somente em 2% os financiamentos em outubro e concedem empréstimos com spread elevado (diferença entre o custo de captação do dinheiro e o juro cobrado aos clientes). Mesmo assim, o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Fábio Barbosa, considera que “o sistema bancário não deixou de operar.”
Este cenário leva os empresários a revisarem os seus planos de investimentos. Montadoras de veículos, como a Peugeot-Citroen e a Volkswagen, diante da queda da demanda do mercado nacional e da queda das exportações, antecipam as férias coletivas para o início de dezembro, e a Fiat, General Motors e Renault param, visando reduzir os estoques. Nos primeiros meses do ano, os carros ficavam parados nos pátios das montadoras até 15 dias. Com a restrição de crédito em outubro, as vendas caíram 11% em relação ao mês anterior e nos últimos 38 dias os carros vêm se acumulando nos pátios das revendas e das montadoras. Em valores absolutos, o estoque já atinge 297,7 mil veículos.
As grandes operadoras de celular, como Vivo e TIM, reduziram suas compras, mesmo com perspectiva de vendas no natal. Na Zona Franca de Manaus, empresas de tecnologia divulgam cortes de 900 postos de trabalho. Tal fato soma-se ao anúncio da Xerox de encerrar a produção no Amazonas. A ação faz parte de um plano mundial de cortes nas despesas, em torno de 400 milhões de dólares, o que tem como conseqüência a eliminação de três mil empregos no mundo.
Enquanto isso, as remessas de lucros de janeiro a novembro já superam todo o ano passado. Até novembro as empresas enviaram para suas matrizes no exterior 29,3 bilhões de dólares, valor que ultrapassa em muito os 17 bilhões remetidos no mesmo período do ano passado.
Ao que tudo indica, na encruzilhada em que se encontra a economia brasileira, o único caminho a ser seguido nos próximos meses é o da crise, e o coro dos que acreditam nos fundamentos sólidos desta economia a cada dia está desafinando e emudecendo.
Na economia mundial, a expansão da crise na economia real, com as falências, queda da demanda, aumento do desemprego, etc., continua a preocupar os governos dos Estados Unidos, dos países europeus, da China e do Japão. Na tentativa de contornar a situação, praticamente todos os dias surgem notícias de
mais pacotes de estímulos econômicos.
Nos Estados Unidos, o último alvo de atuação do governo foi o socorro ao Citigroup em uma operação utilizando quantias inimaginavelmente vultosas: 300 bilhões de dólares na compra de ativos do banco, fazendo com que o governo passe a ter uma grande participação no capital. É interessante informar que o Citigroup é um caso típico de queima de capital fictício: em um intervalo de um ano, o valor do banco decresceu de 237,2 bilhões de dólares para “míseros” 20,5 bilhões. O montante que evaporou decorreu das perdas e prejuízos oriundos da crise do sub-prime.
Já a General Motors corre o risco de ficar sem dinheiro este ano e de atrasar o pagamento para o fundo de saúde dos seus aposentados. A GM, a Ford e a Chrysler negociam ajuda do governo para garantir a sua sobrevivência. Para 2009, o Congresso norte-americano quer enviar para o presidente eleito, Barack Obama, outro pacote de estímulo econômico, voltado para o investimento em obras e para cortes de impostos para a classe média, com valor podendo variar de 500 a 700 bilhões de dólares. O número crescente de demissões e a queda dos gastos dos consumidores fazem parte da herança que o novo líder estadunidense vai receber.
Nos últimos dias, Grã-Bretanha, França, Espanha, Itália, Holanda, Alemanha, Hungria e Áustria, além da Comissão Européia (braço executivo da União Européia), criaram planos para restaurar suas economias. Em geral, as ações são voltadas à redução de tributos e outras facilidades fiscais, ajuda aos setores automotivos e de construção e formação de fundos soberanos nacionais. A preocupação com os resultados de 2009 é grande, já que a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) prevê que a economia da zona do Euro vai se contrair por três trimestres consecutivos, deixando a entender que o próximo ano será um ano perdido.
A China, o país que mais contribui para o crescimento mundial, deve ter a menor expansão em quase duas décadas. A razão para isso é a queda da demanda externa pelos produtos chineses. Analistas concordam que o desemprego será o grande drama do país. Para o economista chinês Mao Yushi, diretor do Instituto de Economia Unirule de Pequim, “o governo diz que a China cresce de 8% a 9% em 2009, mas acho que serão 6% ou 7% no máximo”. Com este valor, afirma Yushi, o país não vai ter como empregar os milhões de chineses que buscam emprego, ou porque atingiram a idade de entrada no mercado de trabalho ou porque migraram do campo para as cidades.
Tudo isto demonstra que o pior ainda não passou, a destruição ainda não foi suficiente para a passagem à nova fase da crise, a depressão, e que a economia mundial continuará caminhando em direção ao fundo do poço.
Texto escrito por:
Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br
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