sexta-feira, 11 de outubro de 2024

ENTRE A CRUZ E A ESPADA: A LUTA DO GOVERNO LULA

Semana de 30 de setembro a 05 de outubro de 2024

 

Maria Fernanda Vieira Guimarãesi

Lucas Milanez de Lima Almeidaii

           

A dívida bruta brasileira vem crescendo há 14 meses consecutivos, também impulsionada pela alta taxa básica de juros brasileira, a Selic. A alta dos juros aumenta diretamente o custo de financiamento da dívida pública, pois encarece o custo com os títulos a ela atrelados, e, consequentemente, o valor que o Estado deve pagar aos seus credores. É deixar de gastar numa coisa (saúde, educação, infraestrutura), para gastar em outra (juros). A estimativa é de que o aumento de 1% na Selic custa R$ 40 bilhões ao orçamento por ano. Segundo dados do Banco Central, a dívida atingiu 78,55% do PIB em agosto, com uma alta de 4,1 pontos percentuais apenas no ano de 2024.

A taxa de juros brasileira, que em março de 2023 chegou a 13,75%, entrou em um ritmo de cortes, que se manteve até maio de 2024. Neste mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) optou pelo que chamou, em ata, de “desaceleração” do ritmo de cortes. No entanto, os cortes não foram retomados. Depois da última reunião do Copom, em 18 de setembro de 2024, foi decidido o aumento da taxa básica de juros, a despeito da estimativa da inflação de 4,12% (dentro da meta de 3%, que permite oscilação de 1,5% para mais ou para menos). A decisão influencia, mais do que na inflação, na dívida pública.

Para o mercado, no entanto, o aumento da dívida bruta não está associado à acentuada taxa de juros brasileira, mas aos gastos governamentais. Isto não encontra plena adesão aos fatos. No ano passado, depois de corrigir o desastre deixado pela dupla Bolsonaro-Paulo Guedes, o déficit fiscal foi de R$230,5 bilhões. Em 2024, a equipe econômica fez o esforço (excessivo) de reduzir os gastos, aumentar a arrecadação (resultado da melhora do PIB) e, consequentemente, reduzir o déficit, projetado atualmente para R$68,8 bilhões (a proposta inicial era déficit zero, mas a realidade se impôs e não foi possível atender esse capricho do Ministro Fernando Haddad). Entre as medidas de ajuste adotadas pela equipe econômica para aliviar o orçamento, está o congelamento de R$15 bilhões do orçamento nas pastas de Saúde, Cidades e Educação. Além disso, desde o ano passado, o Ministério do Planejamento e Orçamento, encabeçado por Simone Tebet, tem passado um pente fino nas despesas do Governo Federal, sendo firme na redução de benefícios sociais.

Por um lado, o governo tem conseguido aumentar as receitas em 9,7%, graças ao crescimento econômico. Assim, recordes sucessivos de arrecadação foram sendo batidos, com resultados melhores da economia brasileira desde 2014. Por outro lado, o Brasil tem apresentado queda no desemprego. Entretanto, o “mercado” parece insensível quanto às medidas que visam melhorar a vida do brasileiro. A decisão do governo Lula de incluir o programa auxílio-gás no orçamento gerou burburinho no mercado, bem como a vinculação dos benefícios da previdência aos ganhos reais do salário mínimo. Preterindo a qualidade de vida do brasileiro, o “mercado” demonstra uma preferência clara: a rigidez fiscal e a redução do déficit, a fim de assegurar o retorno esperado de seus investimentos. Claro, mesmo que isso signifique sacrificar os benefícios sociais para a população.

Sob o jugo do mercado, a política de juros elevados, que representa restrição à capacidade de ação do governo, foi retomada e revela como a economia brasileira, na prática, vem sendo guiada pelos interesses daqueles que lucram com a dívida pública. Na prática, é o orçamento público em favor do benefício privado. Enquanto o governo se esforça para equilibrar o orçamento e atender às exigências do “mercado”, em função da sua capacidade de governar, a qualidade de vida dos brasileiros permanece em segundo plano, colocando a proposta de desenvolvimento do governo Lula em risco nesse complicado jogo de interesses.


Pesquisadora do PROGEB e graduanda em Relações Internacionais pela UFPB (mafe.vg.2007@gmail.com).

ii Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Raquel Lima, Maria Vitória Freitas, Lara Souza, Maria Fernanda Vieira, Brenda Tiburtino e Paola Arruda.

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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

AFINAL, OS CULPADOS SOMOS NÓS?

Semana de 23 a 29 de setembro de 2024

 

Paola Teotônio Cavalcanti de Arruda[i]

           

Se o leitor tem acompanhado as análises das últimas semanas, viu que a economia brasileira registrou uma série de indicadores positivos. O PIB teve um crescimento acima das expectativas no segundo trimestre, aumentando 1,4% em relação ao trimestre anterior, e 3,3%, se comparado ao mesmo período do ano passado. A arrecadação federal também teve um aumento real de 9,5% de janeiro a agosto e tanto o consumo quanto os investimentos apresentaram crescimento.

Apesar dos sinais positivos que temos ressaltado quase que semanalmente em nossas análises, persistem ressalvas e temores com relação ao famigerado “risco fiscal”, geralmente relacionadas ao crescimento acima do potencial e à inflação. Esse grande “temor” é utilizado para embasar a política monetária do Banco Central, de aumento da taxa de juros, ao passo que as boas notícias econômicas são frequentemente transformadas em problemas.

Independentemente dos bons resultados alcançados neste ano de 2024, comprovados, inclusive, pelos números, a resposta parece sempre a mesma: elevar os juros. Está claro que a teoria econômica dominante não tem explicado adequadamente a realidade brasileira, principalmente quando trata o aumento da Selic como um remédio milagroso, capaz de resolver todos os problemas do país. Além de não explicar a realidade, os economistas ortodoxos escondem da população a real intenção de tais medidas: assegurar a rentabilidade do capital financeiro, especialmente o ligado à dívida pública, que lucra sem sequer contribuir para a geração de empregos e renda. Fica nítido o poder que os donos de “ativos” exercem sobre os rumos da economia, a fim de garantir a manutenção de seus ganhos como rentistas. 

Enquanto isso, sofre o povo brasileiro. Já se fala em uma nova reforma da previdência, com menos direitos e garantias para a população. A culpa de todos os males da sociedade é, claramente, de Dona Maria, que, com 90 anos e depois de criar 12 filhos, vive às custas de uma aposentadoria que não lhe permite nem o suficiente para bancar seus remédios. Tenho certeza, caro leitor, que esse discurso já chegou, em algum momento, a seus ouvidos. O que quase nunca se menciona, no entanto, é que cada aumento de um ponto percentual na taxa Selic custa R$ 30 bilhões por ano aos cofres públicos. O país não cresce, as despesas sociais são comprimidas, os lucros dos rentistas são garantidos, mas a narrativa insiste em colocar a culpa nos mais vulneráveis, como os idosos que, supostamente, "vivem demais" e comprometem o sistema previdenciário. Parece piada, mas é a realidade do que se divulga na grande mídia.

É nessa conjuntura de ataque aos direitos sociais que se estabelecerão as eleições municipais no próximo domingo. No Brasil, o embate fica muito claro, se analisada a corrida eleitoral paulista. Em meio a cadeiradas e outras agressões, quem mais sofre é a população. E a situação não fica muito para trás, quando outras cidades vêm à tona. Os problemas parecem ser crônicos: superlotação e más condições no transporte público, sucateamento da saúde e da educação públicas, parcerias e aliciamento com o crime. Mas a culpa? É do povo. Não há outra explicação para a elite nacional.

O que vemos é um ciclo repetitivo de culpabilização da população, enquanto os verdadeiros beneficiários dessas políticas permanecem ocultos. O meio político tem perdido credibilidade e, cada vez mais, tem posto em xeque a democracia brasileira. Medidas, mais políticas que econômicas, têm garantido lucros aos detentores de ativos, comprimido investimentos sociais e sacrificado os mais vulneráveis. Por isso, mais do que nunca, é essencial manter firme nosso papel cidadão e ir às urnas. Esse é o primeiro passo para fazer valer nosso direito a uma representação política digna. Certamente, os embates socioeconômicos brasileiros não acabarão no domingo, mas é a partir do voto que podemos vigiar e exigir constantemente a concretização dos nossos direitos. Por isso, votar é o primeiro passo para mudança.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduanda em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Lara Souza, Ryan Félix, Gustavo e Maria Vitória Freitas.

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quinta-feira, 26 de setembro de 2024

ALERTA: O CRESCIMENTO VEM AÍ!

Semana de 16 a 22 de setembro de 2024

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Duas notícias nos atropelaram ao começar a escrever esta Análise: o Federal Reserve (Fed), Banco Central dos EUA, resolveu reduzir os juros básicos em 0,5% e, na contramão, o Banco Central do Brasil decidiu elevar a nossa taxa básica em 0,25%, de 10,5% para 10,75%. Para o Fed, a medida visa a estimular o crescimento, uma vez que a inflação está controlada e convergindo para a meta de 2%. O Fed, além de ser responsável pelo controle da moeda, deve cuidar do desemprego e do crescimento. A duplicidade de missão deste tipo, no nosso caso, nunca saiu do papel, mesmo estando claramente na LC 179/21, que trata da autonomia do banco central, onde afirma que um dos objetivos da instituição é “fomentar o pleno emprego”. No entanto, os argumentos apresentados pelo nosso BC são ilógicos e absurdos. Aguardaremos a publicação da ata da reunião para maiores comentários. Por enquanto vamos lembrar que, como mostramos na análise anterior, a inflação continua contida e dentro da meta. O IPCA-15 de setembro (indicador antecedente da inflação) foi de 0,13%, inferior ao de agosto, que ficou em 0,19%. O acumulado em 12 meses estimou uma inflação de 4,12%, dentro do intervalo da meta, que é de 3%, com uma tolerância de 1,5%, para mais ou para menos. Assim, não há no horizonte nenhum novo motivo de alarme que justifique o açodamento. A decisão de elevar os juros é, portanto, puramente política e visa a prejudicar o programa de crescimento do governo Lula. O que está aterrorizando o BC são os prognósticos de crescimento da economia, com o aumento do emprego e melhora no rendimento dos trabalhadores. Até a OCDE já aumentou suas estimativas, para o crescimento do Brasil, de 1,9%, neste ano, para 2,9%. Atenção! Perigo! O crescimento vem aí! Eis o nervosismo do BC.

Se no campo econômico não há grandes novidades, no campo político há acontecimentos que merecem referência. A afirmação de que o governo pretende criar uma “autoridade climática”, com poderes para enfrentar as emergências que têm surgido, como consequência do aquecimento global, pôs a “bancada ruralista” no Congresso em polvorosa. O presidente da câmara, Arthur Lira, saiu furioso afirmando que a tal autoridade terá de ser escolhida em consenso com o Legislativo. A bancada ruralista, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e a Comissão de Meio Ambiente da Câmara também já se mobilizaram, recusando o nome da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, como possível indicada, bem como o seu ministério, como local de sede para a “Autoridade”. O PL foi mais ousado e já se pronunciou contra a criação do novo cargo.  Um abacaxi para o Lula resolver. Mais uma vez evidencia-se o caráter reacionário do Congresso Nacional, onde cada ação tem que ser arrancada com grandes dificuldades.

A campanha eleitoral continua sem grandes novidades. Em alguns estados e cidades a disputa revela-se como um embate entre Lula e Bolsonaro. Ambos estão empenhados no confronto e fazemos votos de que a derrota do milico seja esmagadora. No entanto, é de espantar a falta de compreensão, das forças de esquerda, para a importância deste embate. Continuamos a não saber fazer política e racionalizar o voto. Aqui em João Pessoa, o PT, por exemplo, não consegue unir nem suas próprias forças.

No panorama internacional, os dois grandes acontecimentos continuam a dominar todos os noticiários: a guerra na Ucrânia e o conflito em Gaza, que corre o risco de tornar-se uma guerra generalizada na região.

A guerra na Ucrânia assume novas dimensões, com a Europa fornecendo armas que permitem a Zelensky atingir mais profundamente o território da Rússia. A utilização de armas, cada vez mais potentes, leva-nos à beira do conflito atômico. Em Gaza, continua a violência sem limites dos bombardeios Israelenses, que, com o conflito estendendo-se ao Hezbolah, ocorrem também no sul do Líbano. Com o pretexto de liquidar dirigentes do grupo árabe, Israel bombardeia indiscriminadamente as cidades, não respeitando residências, escolas, hospitais etc. Já se contam em centenas o número de mortos e feridos. E tudo isto com a conivência, e mesmo o apoio, dos países da União Europeia e dos EUA. Os generais da OTAN certamente estão exultantes. A falência completa da civilização ocidental continua em marcha. É preciso buscar uma nova alternativa.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Brenda Tiburtino, Lara Souza, Raquel Lima e Guilherme de Paula.

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quinta-feira, 19 de setembro de 2024

AS “SURPRESAS” E OS “NOVOS PERIGOS” QUE RONDAM A ECONOMIA

Semana de 09 a 15 de setembro de 2024

 

Rosângela Palhano Ramalho [i] 

           

Caro leitor, esta foi a semana das surpresas! Após a divulgação do PIB trimestral de 1,4% no segundo trimestre do ano, que cresceu acima do 0,9% esperado, novas informações reforçam o bom momento econômico. O volume de vendas do varejo restrito, por exemplo, subiu 0,6% em julho quando comparado a junho. De novo, surpresa! A expectativa mediana coletada pelo Jornal Valor Econômico era de aumento de 0,5%. E o varejo ampliado, que inclui veículos, material de construção e atacarejo, cresceu 0,1%. Surpresa, de novo! A expectativa mediana para este indicador era de queda de 0,4%. No que diz respeito aos serviços transacionados internamente, o volume cresceu 1,2% em julho, segundo a Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE. Novamente, surpresa! Esperava-se pela mediana das estimativas, estabilidade e não crescimento.

Para desespero de alguns e contrariando a expectativa dos “mercados”, este aquecimento da economia não está gerando “pressões” inflacionárias. O último dado sobre a inflação reforça a tendência de o IPCA finalizar dentro dos parâmetros estabelecidos. Em agosto, foi registrada pela primeira vez, em quase dois anos, uma deflação, ou seja, redução generalizada dos preços internos. O IPCA caiu 0,02% e também este resultado surpreendeu, tanto o mercado, que esperava uma alta de 0,01%, quanto o Banco Central, que projetava alta de 0,07%! No acumulado do ano, a inflação segue evoluindo no centro da meta e até agosto o índice acumulado é de 2,82%.

Em relação à inflação, o leitor assíduo de nossa coluna deve ter notado que, ao longo deste ano, vários sinais de alerta foram levantados. Associados, nem sempre pelos mesmos motivos, rentistas e economistas ortodoxos, apresentaram os mais diversos cenários, sempre alarmistas, nos quais eram listados os mais diversos riscos inflacionários. A redefinição das metas fiscais, a aceleração pontual do câmbio, a tragédia do Rio Grande do Sul, a “contaminação política” do Copom a corroer a credibilidade do da autoridade monetária, a inflação dos serviços, o crescimento do PIB e do emprego foram elencados como “riscos” para o aumento dos preços, em virtude da desancoragem das expectativas inflacionárias... do mercado! Tal cenário catastrófico gerou uma pressão sem precedentes para que o Banco Central volte a adotar uma política monetária austera. O que se conseguiu até agora foi a interrupção do ciclo de corte da taxa de juros em maio, que permanece em 10,5% até hoje.

Mas, ao acessar as últimas manchetes econômicas, percebe-se que a pressão pela alta continua. “Novos perigos” já estão apresentados! Basta olhar como a deflação de agosto foi noticiada. Segue alguns exemplos: “Deflação de 0,02% em agosto surpreende BC e mercado” (Jornal do Brasil, 10/09/2024); “Deflação em agosto é pontual, e queda dos preços está longe de trazer conforto para o Banco Central” (Estadão, 10/09/2024); “Deflação é boa notícia em agosto, mas não deve durar ou impactar decisão do BC” (Globonews, 10/09/2024); “Com deflação, IPCA tem alívio pontual, mas seca já pressiona” (Valor Econômico, 11/09/2024); “Brasil registra deflação em agosto, mas o cenário ainda exige cautela” (Capital News, 14/09/2024). Surpresas, cautela, riscos... O aumento do preço da energia elétrica e a seca que se abate sobre o país são as novas desculpas para o aumento dos juros.

Enfim, a intervenção promovida pelo governo Lula tem produzido resultados, que não deveriam ser recebidos como surpresas já que em sua maioria, vêm seguindo uma tendência desde o final do ano passado. Já temos quase dois anos de gestão e não, o Brasil não se tornou uma Venezuela (na previsão de Paulo Guedes, seja lá o que isso for em sua cabeça sequelada de ideologia), nem a catástrofe inflacionária está a caminho. Entretanto, a alta da taxa de juros já está “contratada” pelo mercado. Nos dias 17 e 18 de setembro, o Copom volta a se reunir. E de novo, teremos a infelicidade de acompanhar a autoridade monetária curvando-se aos anseios do intangível ente, mesmo que isto custe ignorar os dados econômicos objetivos e eliminar as conquistas sociais derivadas do crescimento econômico. Neste ínterim, nenhuma surpresa!


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Lara Souza, Guilherme de Paula, Ryann Félix e Gustavo Figueiredo.

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quinta-feira, 12 de setembro de 2024

NÓS ESTÁVAMOS CERTOS...

Semana de 02 a 08 de setembro de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida[i]

           

Ainda em 2022, nós, redatores desta coluna, previmos que, em 2023, o Brasil sairia do atoleiro que entrou no longínquo ano de 2014. Não foi bola de cristal, mas a teoria que embasa nossas análises. Detalhe, ela vem dos ensinamentos de Karl Marx...

O contexto das nossas previsões era bastante tenebroso, sobretudo porque os “analistas do mercado” anunciavam uma catástrofe causada pela terceira eleição de Lula. Recentemente, virou meme a fala de Paulo Guedes ao (des)influenciador digital conhecido como “Primo Rico”. O Brasil viraria uma Argentina e, depois, logo seria uma Venezuela. Hoje risível, esta frase retrata muito bem o espírito (de porco) do “mercado” à época. Contudo, quem estuda de forma séria um fenômeno conhecido como ciclo econômico sabe que esse mal agouro só aconteceria se uma catástrofe se abatesse sobre o país.

É da natureza do capitalismo oscilar entre momentos de maior e menor intensidade do crescimento econômico. Além disso, esse movimento é periódico e regular, por isso chamamos de movimento cíclico. Por fim, não adianta tentar acabar com as crises que o capitalismo produz, o máximo que se consegue é adiá-la ou mesmo prolongá-la.

Em 2014, o Brasil entrou numa fase de desaceleração cíclica. Contudo, desde o Golpe de 2016, ainda sem termos iniciado nossa recuperação, as políticas adotadas por Temer e Bolsonaro puxaram o freio de mão da nossa economia. A austeridade fiscal imperou, enquanto partes importantes da nossa sociedade (e não apenas da economia) ficaram à míngua. Por isso, até a pandemia de covid-19, o crescimento do PIB sequer chegou a 2%. No contexto da pandemia, a economia até cresceu, mas como resultado das medidas emergenciais de redução de danos. Em 2020, a queda foi de 3,3%, seguido de um crescimento de 4,8%, em 2021. Em 2022, devido ao desespero para se reeleger e, por isso, abrir alopradamente os cofres do governo, Bolsonaro conseguiu “produzir” um crescimento de quase 3%.

Porém, os dados de 2023 e, principalmente, do primeiro semestre de 2024 têm mostrado que a economia entrou em uma recuperação cíclica consistente (na medida do possível). As informações referentes aos meses entre abril e junho de 2024 mostram que foram os componentes domésticos que puxaram o crescimento de 1,4% em relação aos meses de janeiro a março, quando já crescemos 1%. Dentre os componentes domésticos que melhoraram, o destaque vai para os investimentos (aumento de 2,1%), gastos do governo (1,3%) e consumo das famílias (1,3%). Por sua vez, os componentes externos não puxaram nosso crescimento, pelo contrário, se dependesse deles, o PIB teria caído. As exportações cresceram 1,4%, mas as importações se elevaram em 7,6%.

Essa pressão externa “contra” o PIB é melhor entendida quando olhamos os setores da economia. A agropecuária, nossa grande exportadora, recuou 2,3% no segundo trimestre de 2024. Por sua vez, mesmo a indústria crescendo 1,8% neste mesmo período, isso está longe de atender às necessidades brasileiras de produtos manufaturados. Como já tratamos anteriormente, dada a nossa desindustrialização, uma parte importante dos bens mais elaborados que usamos chega via importações.

Com isso, podemos ver que os bons ventos que geraram nosso crescimento, via demanda doméstica, também geraram parte das pressões externas para conter esse mesmo crescimento. E a grande causa do problema está na nossa própria economia. Se passaram mais de 10 anos desde os últimos projetos de desenvolvimento da estrutura produtiva brasileira. Ou seja, de lá pra cá foram inúmeras políticas restritivas e (quase) nenhuma em prol da melhoria efetiva das condições de oferta.

E é aí que repito o que já foi dito em nossas primeiras previsões: sabendo aproveitar o movimento cíclico, a adoção de políticas econômicas que visam melhorar as condições de produção serão o combustível do nosso crescimento. O que é preciso, porém, é mudar o motor. Atualmente, estamos subindo uma ladeira íngreme com um carro 1.0, movido a gás natural. Ou os projetos do PAC e da Nova Indústria Brasil saem do papel ou outra previsão nossa se realizará: se nada mudar, essa decolagem da economia brasileira tem tudo para ser mais um curto voo de galinha.


[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Raquel Lima, Maria Vitória Freitas, Lara Souza, Maria Fernanda Vieira, Brenda Tiburtino e Paola Arruda.

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quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Tensões políticas e econômicas: o panorama atual do Brasil

Semana de 26 de agosto a 01 de setembro de 2024

 

Paola Teotônio Cavalcanti de Arruda[i] 

           

O avanço de Pablo Marçal (PRTB) na corrida pela Prefeitura de São Paulo reflete um fenômeno que vai além de Jair Bolsonaro: o fortalecimento do "bolsonarismo" como movimento político. Com a inelegibilidade de Bolsonaro, muitos aliados temiam que esse movimento, baseado em uma agenda conservadora, antipetista e populista, ganhasse vida própria. Como demonstrado pela ascensão de Marçal nas pesquisas, esse cenário se tornou uma realidade, evidenciando que o "bolsonarismo" se estabeleceu com um piso de 20% do eleitorado, que não deve ser subestimado.

Embora inicialmente visto como um oponente e atacado pela família Bolsonaro, Marçal capitalizou o bolsonarismo em São Paulo, adotando uma estratégia “antissistema” similar à de Bolsonaro. O embate entre Marçal e a família Bolsonaro ilustra a tensão interna e a disputa por espaço dentro desse segmento político, revelando que o bolsonarismo, como força política, pode continuar a influenciar as eleições, mesmo sem a presença direta de seu criador. O bolsonarismo se configura, portanto, não como um fenômeno isolado, mas como um sintoma maior da crise da crise político-democrática brasileira, da deslegitimação das instituições e do descrédito popular nos processos políticos.

Mas não é apenas na disputa entre Pablo Marçal e a família Bolsonaro que se estabelecem tensões e disputas por poder. A discussão do COPOM, sobre o aumento da taxa de juros no país, evidencia outro embate político nacional, que tem ganhado destaque nas manchetes dos jornais nos últimos meses. A recente indicação de Galípolo para a Presidência do Banco Central intensificou o debate sobre a necessidade de que ele se mantenha no campo técnico ao tomar decisões monetárias.

No entanto, há uma contradição nesse discurso, que revela embates por influência: as decisões do Banco Central são consideradas técnicas apenas quando coincidem com o interesse do mercado financeiro. Se as deliberações forem contrárias a esses interesses, como é o caso da redução da taxa de juros, são imediatamente classificadas como "políticas" e, portanto, vistas como menos válidas. Essa lógica revela um viés que questiona a imparcialidade atribuída ao campo técnico, expondo a influência dos interesses do mercado financeiro sobre o que é considerado uma decisão legítima.

Como já trazido em outras análises, a justificativa para a manutenção de uma Selic elevada está na suposição de o Brasil sofrer com elevado risco inflacionário do país. Todavia, dados divulgados pelo IBGE revelam que, desde maio, tem ocorrido um processo de desinflação, com queda no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15). De 0,44%, em maio, o IPCA-15 caiu para 0,39% em junho, seguindo para 0,30% em julho e findando em 0,19% no mês de agosto. Nesse sentido, o argumento para o aumento da taxa de juros não se mantém, pois os dados sustentam o contrário. O que está em jogo, na verdade, é o interesse do mercado financeiro em reter as taxas elevadas, visto que isso significa maior retorno sobre investimentos em títulos de dívida a investidores e instituições financeiras.

Paralelamente, a manutenção de uma Selic elevada faz com que o custo do crédito suba, desincentivando o consumo e o investimento. Essa estratégia pode gerar efeitos colaterais significativos, visto que uma alta nos juros tende a fazer com que empresas e consumidores reduzam seus gastos. A retração da atividade econômica dificulta a geração de empregos e facilita a diminuição da renda disponível, afetando a demanda. Esses fatores, por sua vez, podem alimentar um ciclo de estagnação, dificultando a recuperação econômica no médio e longo prazo.

Assim, o avanço de Pablo Marçal na corrida pela Prefeitura de São Paulo e a persistente manutenção de uma Selic elevada ilustram como as disputas políticas e econômicas estão interligadas no Brasil. Infelizmente, a ascensão de Marçal demonstra que o bolsonarismo é maior que o próprio Bolsonaro, graças a uma parte da população brasileira que facilmente aderiu a seus discursos vazios e truculentos. Simultaneamente, a decisão do Banco Central de manter taxas de juros altas, sob pressão do mercado financeiro, destaca o impacto de interesses econômicos na formulação de políticas públicas. Essa dinâmica revela como interesses políticos e financeiros moldam o país, frequentemente em prejuízo da recuperação econômica e do desenvolvimento sustentável.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduanda em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Lara Souza, Ryan Félix, Guilherme de Paula e Gustavo.

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sexta-feira, 30 de agosto de 2024

É PRECISO DERRUBAR O GOVERNO LULA

Semana de 19 a 25 de agosto de 2024

 

Nelson Rosas Ribeiro[i] 

           

A canalha bolsonarista está em pânico. Os números fortes da atividade econômica continuam a demonstrar o que nós já apresentamos em nossas últimas análises: a economia está crescendo. O presidente do Banco Central (BC) Roberto Campos Neto voltou a ameaçar raivoso, que o BC está vigilante e, embora os dados digam o contrário, não permitirá que a inflação ultrapasse o teto da meta, o que significa aumentar a taxa de referência Selic. Na análise anterior mostramos dados que comprovavam este crescimento. Agora novos dados, para junho, são apresentados, e apontam na mesma direção. Até o “mercado” admite, contrariado, que, em 2024, o crescimento ficará na casa dos 2,5%. O próprio BC divulgou o seu índice IBC-Br, que é uma estimativa do PIB, e confirma este resultado. Diante disto as consultorias começaram a rever suas previsões. O J.P. Morgan elevou a sua de 2,5% para 2,9%. O Banco ABC Brasil, de 2,4% para 2,6%; a Kinitro Capital e a Terra Investimentos, de 2,5% para 2,6%; a G5 Partners, de 2,3% para 2,5%; o Bank of America (BofA), de 2% para 2,7%; o Santander, de 2% para 2,3% etc., com o comentário da economista do banco, Ana Paula Vescovi, “Estamos impressionados com a atual força da economia brasileira”.

Há mais dados sobre o crescimento. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou o seu índice Nuci, Nível de Utilização de Capacidade Instalada, para a indústria da transformação. Ficou em 83,40 pontos, o maior desde maio de 2011. Este índice mostra que a indústria está produzindo no seu limite e isto foi a resposta dada a uma queda violenta nos níveis de estoques, o que é um reflexo do aumento da demanda. Com efeito, a produção da indústria cresceu 4,1% em junho, segundo o IBGE, e deve continuar a crescer.

A Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) divulgou a informação que a indústria de máquinas e equipamentos teve um crescimento da produção de 2,4%, em junho, em relação a maio. A Associação Brasileira da indústria de Material Plástico também prevê crescimento da produção para atender à crescente demanda da indústria de embalagens, principalmente para a indústria de alimentos, eletrônicos, bebidas e automóveis, o que demonstra o crescimento também destas atividades. 

Como vemos, apesar de toda a sabotagem do congresso e do Banco Central, que tentam dificultar por todos os meios as ações do governo para estimular o crescimento, o país cresce. Aí está a origem do desespero da canalha bolsomínia. Se há crescimento da economia, o povo se beneficia e o governo Lula se fortalece, aumentando a possibilidade de reeleição. O Congresso, enquanto fala no excesso de gastos do governo, cria novas despesas, como as emendas, ou esmaga as receitas, com as desonerações. Só o poder judiciário (STF) tem enfrentado os abusos. Curiosamente todos os parlamentares aprovam as tais emendas visando seus próprios interesses, até mesmo dos partidos da base do governo e mesmo de esquerda.

O objetivo das forças de oposição é muito claro. Uma vez perdidas a eleições e fracassado o golpe, tentam manipular os mecanismos, que a democracia garante, para realizar todo tipo de sabotagem. É preciso derrotar o governo Lula, impedindo-o de governar, mesmo que, para isto, se tenha de desorganizar e destruir o país.

Não basta a dificuldade que o governo enfrenta, diante do caos deixado pela incompetência e demência ideológica do governo anterior. Agora, para realizar todo o processo de reconstrução, tem-se de enfrentar a sabotagem de um Congresso corrupto e conservador, de grupos fanáticos religiosos, de partidos reacionários e golpistas, de um Banco Central dirigido por agentes do mercado financeiro. Cada um em seu terreno específico e usando métodos diferentes, agem na direção do mesmo objetivo: é preciso impedir o governo de governar e concorrer à reeleição.

Este quadro tem que ser alterado sob pena de caminharmos para um novo golpe. Eis a grande importância das eleições que se aproximam. Nenhum voto para os sabotadores e reacionários.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Brenda Tiburtino, Lara Souza, Raquel Lima e Guilherme de Paula.

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