sábado, 16 de novembro de 2024

ENTRE A AUSTERIDADE E A DIPLOMACIA: OS DILEMAS DO GOVERNO LULA

Semana de 04 a 10 de novembro de 2024

 

Maria Fernanda Vieira Guimarães[i]

           

Como já pontuado nesta coluna, o compromisso quase obsessivo da equipe econômica com o déficit zero em 2024 resultou em uma série de medidas que, na prática, atendem prioritariamente aos interesses do mercado financeiro. Como era de se esperar, optou-se por um rigoroso pente-fino nos gastos sociais, com o ministério de Simone Tebet revisando benefícios e enxugando despesas públicas. No lado das receitas, o governo recorreu a medidas como taxação de importações, contribuindo para sucessivos recordes de arrecadação, os maiores desde o período pré-pandêmico. O efeito dessas políticas recai diretamente sobre a população brasileira enquanto um grupo específico, os rentistas, continua blindado das consequências dessa “caça” ao déficit zero.

A meta fiscal, estabelecida pela equipe econômica e aprovada pelo Congresso Nacional, é de déficit zero, com uma margem de tolerância de até R$28,8 bilhões. Em setembro, a previsão de déficit estava em R$28,3 bilhões, ainda dentro da meta. No entanto, pressionada pelo “mercado”, a busca por austeridade fiscal segue a todo vapor. Prova disso é que, na semana de publicação desta redação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cancelou compromissos no exterior, a pedido do presidente Lula, para se reunir com outros ministros e consolidar um novo pacote de cortes de gastos, reforçando a determinação do governo em atingir a meta fiscal. Os ministros Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Carlos Lupi (Previdência) já declararam que, em suas pastas, não haverá cortes. Desse modo, cabe a Lula articular internamente como esses cortes serão implementados.

Veja bem, caro leitor, segundo o tripé macroeconômico, adotado em 1999, no governo de FHC, o governo brasileiro deve perseguir superávits primários, manter o câmbio flutuante e adotar um regime de metas para a inflação. E, nesta incessante busca pela austeridade fiscal, o que se observa é um capricho em agradar aos credores do governo com rendimentos sobre a dívida pública. Não à toa, o corte de gastos tornou-se central desde as eleições municipais, visando assegurar ao mercado a confiança de que o Brasil continuará honrando seus juros.

Para tanto, o Banco Central decidiu elevar a taxa Selic, uma vez mais. A instituição, que acredita na manipulação dos juros como único meio para manter a inflação sob rédeas curtas, mesmo esta continuando dentro da meta, esquece que seu papel também inclui a promoção do bem-estar econômico da sociedade brasileira. Ao elevar a taxa de 10,75% para 11,25%, o Banco Central encarece o crédito, restringe o consumo e agrava as dificuldades enfrentadas pela população e pelos setores produtivos. Esses setores, apesar de apresentarem um leve crescimento no trimestre, já preveem queda nas atividades devido ao encarecimento do crédito. Com o aumento da taxa Selic, a dívida pública se torna ainda mais onerosa, e o peso do ajuste fiscal recai sobre quem já enfrenta dificuldades econômicas.

No cenário internacional, a vitória do republicano nas eleições norte-americanas sinaliza um cenário potencialmente desconfortável para o governo brasileiro. O Federal Reserve, banco central norte-americano, baixou a sua taxa de juros em 0,25 ponto percentual apesar das promessas inflacionárias durante a campanha de Trump. Tendo apoiado a campanha da democrata Kamala Harris na corrida à Casa Branca, o presidente Lula deixou claro seu descompasso com o republicano. A agenda climática, considerada por Trump como uma ferramenta de interferência, do sistema internacional, na soberania dos Estados, deve ser, não apenas negligenciada nos próximos quatro anos pela potência americana, mas veementemente atacada. No entanto, diante da crescente influência da China na agenda climática brasileira, especialmente com investimentos em energias renováveis, é possível que Trump evite rupturas mais radicais para não abrir ainda mais espaço à projeção global chinesa em temas ambientais. A influência chinesa coloca o Brasil em uma posição estratégica, porém delicada.

Enquanto isso, é necessário estar atento às movimentações da imitação tupiniquim de Trump, que, mesmo inelegível, viu na eleição do gêmeo nova-iorquino a oportunidade de voltar aos holofotes. Em mensagens de congratulação ao republicano ele passou a publicar na plataforma X (anteriormente Twitter), alusões à possibilidade de tornar-se elegível e concorrer à presidência em 2026.

Supõe-se que estes e outros desafios que o governo brasileiro enfrenta, tanto no cenário doméstico quanto no internacional, vão exigir habilidade política e uma estratégia econômica hábil para equilibrar as pressões. No entanto, é evidente que quem continuará arcando com o peso das decisões fiscais e da instabilidade internacional será o povo brasileiro, que sente diretamente os efeitos das políticas de austeridade e dos cortes em programas sociais. Resta saber se o governo será capaz de encontrar um equilíbrio entre seus compromissos fiscais e as necessidades sociais, mantendo a estabilidade e a credibilidade necessárias para enfrentar as oscilações do sistema global.


[i] Pesquisadora do PROGEB e graduanda em Relações Internacionais pela UFPB (mafe.vg.2007@gmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Brenda Tiburtino, Guilherme de Paula, Lara Souza e Gustavo Figueiredo.

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quinta-feira, 7 de novembro de 2024

A QUEM ESTÁ SERVINDO A ECONOMIA DO BRASIL?

Semana de 28 de outubro a 03 de novembro de 2024

 

Paola Teotônio Cavalcanti de Arruda[i]

           

A cobertura da grande mídia tem intensificado o tom alarmista ao tratar da alta recente do câmbio, que chegou a R$5,70, e dos juros de longo prazo, atualmente na casa dos 7% ao ano, descontada a inflação. De maneira insistente, editoriais como os do Valor Econômico atribuem essa oscilação a uma suposta falta de controle das despesas públicas pelo governo. Essa narrativa sugere que o único caminho viável para estabilizar o câmbio e conter a inflação seria o corte de gastos públicos e o aumento dos juros, desprezando outras alternativas econômicas possíveis e mascarando interesses mais profundos.

Curiosamente, os mesmos editoriais que sempre defenderam juros elevados começam a admitir que uma Selic alta sufoca o crescimento econômico. No entanto, em vez de reconhecer o impacto negativo dessa política para a economia e para a população, reforçam a pressão sobre o governo, ao insinuar que o próximo passo, caso os gastos públicos não sejam contidos, será elevar ainda mais os juros no país. A “inflaciofobia” alimentada no país serve como justificativa para uma política fiscal austera. Câmbio alto encarece os preços e para reduzi-los teríamos que arcar com mais um aumento dos juros. Para que isto não aconteça, o governo deveria se esforçar reduzindo os gastos já que estes compõem a demanda nacional. Resultado: demanda contida, inflação controlada. Em última instância, quaisquer que sejam as soluções,  os interesses do setor financeiro continuarão a ser protegidos e os seus  altos rendimentos, às custas do erário público, estarão garantidos.

Portanto, essa pressão pela austeridade fiscal não é uma solução neutra ou inevitável, mas um discurso conveniente para o mercado financeiro. O governo já sinalizou que vai ceder e está se reunindo para discutir onde serão feitos os cortes nas despesas. Ao focar exclusivamente nos cortes de gastos como solução, desconsidera-se a importância de políticas fiscais que favoreçam o crescimento econômico e a justiça social, negligenciando o debate sobre as consequências de uma Selic alta para o investimento produtivo e o bem-estar dos brasileiros. Negligencia-se que as causas inflacionárias são variadas e que a taxa de juros não deve ser o único instrumento utilizado para seu controle. Na prática, o Banco Central responde automaticamente a qualquer pequena elevação na expectativa de inflação, mesmo quando os indicadores reais estão em processo de convergência para a meta, o que gera aumentos injustificados na taxa de juros.

Fato é que a polarização ideológica e econômica no Brasil criou um ciclo vicioso que impede o avanço da economia e transfere o ônus para a população. Em vez de convergir para soluções práticas que promovam crescimento e inclusão, debates sobre temas econômicos são frequentemente marcados por posturas dogmáticas, que se traduzem em políticas rígidas e medidas paliativas que pouco beneficiam o bem-estar coletivo. Essa tensão ideológica acaba prejudicando o brasileiro comum, que enfrenta juros altos, desemprego e perda de poder de compra, enquanto as elites financeiras e os rentistas encontram espaço para lucrar.

Nesse cenário, a verdadeira solução para melhorar a economia brasileira exige uma superação desse impasse ideológico, com a adoção de políticas econômicas que equilibram responsabilidade fiscal com o compromisso de gerar oportunidades e reduzir desigualdades. Mas, não se pode esperar que a elite faça isso por iniciativa própria. Por isso, a participação política dos cidadãos é fundamental para pressionar por um sistema econômico que seja verdadeiramente inclusivo e sustentável, garantindo que as políticas públicas atendam ao bem comum e não apenas a interesses restritos. A sociedade tem o potencial de assumir um papel muito importante na formulação e na fiscalização dessas políticas, ajudando na construção de uma nova realidade, mais justa e equilibrada.

Mas, para que isso ocorra, é também necessário conseguir se comunicar com as pessoas, mostrar o que tem sido feito, quais são os entraves para que mais seja concretizado e o que é necessário para que o Brasil realmente prospere. A grande questão que surge é: estamos conseguindo nos fazer ouvir? O discurso progressista tem chegado até as pessoas e, mais importante, tem feito sentido para elas? Que pessoas queremos atingir com nossas políticas? Quais lugares estamos deixando de alcançar? É sobre isso que precisamos refletir.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduanda em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Lara Souza, Maria Fernanda Vieira, Guilherme de Paula e Raquel Lima.

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sexta-feira, 1 de novembro de 2024

AINDA A SELIC E A CONJUNTURA MUNDIAL

Semana de 21 a 27 de outubro de 2024

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

O aumento da taxa Selic pelo Banco Central (Copom) continua a causar celeuma. Esta questão dos juros no país torna-se recorrente e a principal preocupação de todos: tanto os especuladores financeiros, apelidados de “mercado”, e o resto da nação. Enquanto continua a difamar o Brasil no exterior e a traçar maus prognósticos para o futuro da economia, o presidente do BC, Roberto Campos, aproveita sua peregrinação para conseguir mais autonomia para a entidade. Não satisfeito com a já conseguida autonomia, quer agora, com a PEC 65/2023, uma independência orçamentária e financeira, transformando o BC em uma empresa pública. Este foi o tom do discurso feito por ele, em São Paulo, no evento da 20-20 Investment Association. Além disso, Campos solta a língua, para fazer críticas à política fiscal do governo, insinuando a possibilidade de um descontrole fiscal e dificuldades para manter as metas propostas no arcabouço fiscal. O resultado é a inquietação e o nervosismo do “mercado”, que começa a precificar os juros futuros, que já subiram para 13%. O próprio Tesouro Nacional já começou a emitir papéis prefixados com taxas acima deste valor.

O nervosismo do mercado mostra a intenção oculta de prejudicar a execução da política social do governo, pois todas as críticas se voltam para o corte das despesas. É claro que as despesas a serem cortadas são todas as que envolvem apoio social aos mais desfavorecidos. Ninguém aponta corte de despesas com juros da dívida, por exemplo, ou não pagamento das emendas dos parlamentares. Querem até investir contra as despesas obrigatórias que só podem ser alteradas com emendas constitucionais.

Embora as estatísticas nada mostrem, os especuladores da Faria Lima falam em pessimismo, em desconfiança fiscal, em um quadro inflacionário agravado pelos preços da energia, alimentos e serviços, em expectativas desancoradas, fatores que justificariam uma elevação da Selic para 13,5% ou mais. Com toda esta tensão tudo leva a crer que será muito difícil a tarefa do novo presidente do BC, Gabriel Galípolo, quando assumir a presidência.

Neste clima, a Fundação Getúlio Vargas divulgou o Monitor do PIB, por ela calculado. Para agosto, em relação a julho, houve uma retração de 0,2% na economia. Os dados mostram uma estagnação da indústria e uma retração dos serviços. Só a agricultura apresentou crescimento. As exportações tiveram uma queda de 2,5%, o que contribuiu para a queda do PIB. Apesar deste quadro, não muito favorável, a taxa de investimentos foi de 18,1%.

Para surpresa geral, o FMI reviu para cima sua estimativa para o crescimento do PIB do Brasil. No relatório “Panorama Econômico Mundial” (WEO), a entidade estimou, que a economia do país deverá crescer 3% este ano, e apontou como razões o “aumento do consumo privado e dos investimentos, o mercado de trabalho aquecido, os programas de transferência de renda do governo e o impacto das inundações, menor do que o esperado”.  Para a inflação, o FMI prevê uma taxa de 4,3%, dentro da meta, portanto. Para o mundo, o Fundo prevê um crescimento de 3,2% e aponta como tarefa geral “derrubar a inflação sem uma recessão global”. Mostrou preocupação com a eleição de Trump, nos EUA, que poderá provocar uma guerra de tarifas com a China, que poderá afetar um quarto de todo o comércio de mercadorias e 6% do PIB mundial. Destacou a resiliência da economia mundial e previu um pouso suave marcando o fim da reanimação.

As tensões políticas e geoestratégicas continuam elevadas, com o aumento dos riscos na guerra da Ucrânia (chegada de tropas da Coreia do Norte no front) e continuidade dos massacres em Gaza, Líbano, Síria e Irã. O estado de Israel, em ações terroristas, passou a bombardear, com as bombas enviadas pelos EUA, as agências bancárias em Beirute, a pretexto de atacar as finanças do Hamas. Ao bombardear uma agência bancária, destrói um quarteirão inteiro e mata dezenas de civis, enquanto o mundo ocidental civilizado a tudo assiste, passivo, com apenas algumas simbólicas declarações.

Para finalizar, lamentamos o traumatismo sofrido pelo presidente, que o impediu de participar das reuniões dos BRICS e o embaraçoso veto do Brasil, à inclusão da Venezuela como membro da instituição.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Brenda Tiburtino, Lara Souza, Raquel Lima e Guilherme de Paula.

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quinta-feira, 24 de outubro de 2024

GOVERNAR SEM TER RECEBIDO UM ÚNICO VOTO: EIS O ANSEIO DO BANCO CENTRAL!

Semana de 14 a 19 de outubro de 2024

Rosângela Palhano Ramalho [i]

            

Treze anos atrás, em setembro de 2011, publicávamos uma análise com o seguinte questionamento: “A quem interessa a autonomia do Banco Central?”. À época, o Copom cortou a taxa de juros Selic em 0,5 ponto percentual. A decisão foi considerada “audaciosa”, pois apenas 30% do mercado financeiro “apostou” que o Comitê “teria coragem” suficiente para enfrentá-lo. Quase dois anos depois, em abril de 2013, na análise intitulada “De novo a independência do Banco Central”, voltamos a falar sobre o assunto, já que o “mercado” estava incomodado com a presença, no Palácio do Planalto, de alguns economistas de espectros teóricos diferentes. Eles tentavam entender por que a inflação continuava alta mesmo diante de uma política monetária austera. “Um absurdo”, diziam os rentistas. Aquela era uma interferência política! Para encerrar este retrospecto, em setembro de 2014, publicamos a análise “A (in)dependência do Banco Central”, que resgatou os interesses envolvidos na defesa da autonomia e independência do órgão, discussão que fora alimentada desde o início dos anos 1990.

O retorno recorrente do tema demonstra, caro leitor, que, independentemente do espectro político do governante, essas pressões continuarão a ser exercidas pela fração econômica da sociedade que tem influência política e ideológica sobre as instituições de governo, e o Banco Central está aí incluído. Olhando para eventos mais recentes, duas de nossas análises no final do ano de 2020, retomaram esta questão. Intituladas “A autonomia do BC” e a “Autonomia política no BC... E nas Universidades?”, as colunas relatam que em novembro daquele ano aprovou-se, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei Complementar n° 19, que passou a garantir legalmente a autonomia do Banco Central do Brasil tão desejada pelo “mercado”.

Mas, este assunto ainda não foi superado. Ao olhar para a situação econômica atual, é bom lembrar que a economia cresce sem pressões inflacionárias. O governo tem agido em várias frentes, e esta semana destaco os resultados positivos derivados da implementação do novo PAC (Programa de Aceleração dos Investimentos), que tem estimulado a demanda por bens de capital, setor que avançou 4,9% nos últimos doze meses, segundo o IBGE. Por outro lado, a Moody’s, agência de classificação de risco, elevou, há duas semanas, a nota do país, deixando-o a apenas um grau abaixo da nota de investimento, situação desejada tanto pelo setor produtivo quanto pelo financeiro, já que a melhora na classificação ajuda a atrair investimentos. O fato não acalmou o “mercado”. As críticas à gestão fiscal proliferaram e iniciou-se o processo de cooptação do novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.

Fernando Haddad respondeu, declarando que o governo lançará um conjunto de medidas “para que não pairem mais incertezas sobre a trajetória das finanças públicas no Brasil”, mas afirmou que do lado fiscal não há motivos para preocupações. E alfinetou: “Temos espaço para conter o gasto primário, diminuir o tributário para que o financeiro se reduza (...) Sem crescer, não acredito que isso vá acontecer.” Já Galípolo apresentou argumentações dúbias em seu primeiro pronunciamento, após ter sido aprovado na sabatina do Congresso. O mesmo admitiu que, associadas, políticas fiscais e monetárias restritivas reduzem o crescimento, mas disse reconhecer o mérito de políticas fiscais que expandem a renda dos mais pobres. Entretanto, assumiu, assim como o “mercado”, que os dados da economia real são um problema: “o mercado de trabalho mais apertado, surpresas de crescimento... a questão de crédito...” diz ele, estão “dando sustentação para o consumo das famílias e para a demanda agregada.”.

Ao que parece, a queda de braços entre os que gerem o arcabouço fiscal e os que definem a política monetária continuará. E como se não bastasse, o ainda presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, evocou, da sua deprimente verborragia, que a autonomia da autoridade monetária não está completa e rememorou a tramitação no Congresso Nacional da PEC 65/2023, que versa sobre a independência orçamentária e financeira do Banco Central. A proposta visa a transformar o Banco Central em empresa pública, mas com personalidade jurídica de direito privado e com servidores regidos pela CLT, ao invés do regime estatutário da União. A superinstituição derivada daí, teria amplo poder decisório, que poderia chocar-se, inclusive, com os interesses do governo ao qual estaria vinculada. Isso a tornaria, como já dissemos em nossas análises, um quarto poder da República, sem ter recebido um único voto popular. Resta saber se Galípolo, ao assumir a presidência do Banco Central, terá força suficiente para enfrentar as aberrações desejadas pela classe rentista e pelos seus representantes.


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Maria Fernanda Vieira, Guilherme de Paula, Ryann Félix e Lara Souza. 

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quarta-feira, 16 de outubro de 2024

A URGÊNCIA DE UMA INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA

Semana de 07 a 13 de outubro de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida[i] 

           

Hoje vale a pena voltar a falar sobre um dos principais problemas estruturais do Brasil. Se nossas análises fossem feitas por economistas vulgares, certamente o nosso leitor veria um chororô sobre o endividamento e risco fiscal. Porém, se o caro leitor veio até aqui, sabe que essa ladainha está longe de ser a questão central da nossa economia.

Desde o início do seu terceiro mandato, em 2023, Lula colocou na sua agenda econômica o debate sobre o baixo crescimento do país. As consequências vistas na última década são graves, tais como a baixa qualidade dos empregos, a renda reduzida, o aumento da desigualdade, etc. Dentre os problemas identificados, um deles se destaca e já foi deveras debatido por aqui: a perda de protagonismo da indústria na dinamização da economia brasileira. Esta é a característica central da chamada desindustrialização.

Não é de hoje que se sabe da importância da produção industrial na vida das pessoas. Na realidade, o que caracteriza o atual sistema econômico, o capitalismo, é o papel central da indústria na criação de riqueza e daquilo que precisamos para sobreviver. Certamente, muitas das coisas que necessitamos consumir não se resumem apenas a bens físicos, mas também há um conjunto cada vez mais amplo de serviços que nos atendem (saúde, beleza, etc.). Mas, antes que os economistas vulgares venham dizer que, por isso, os serviços reúnem as atividades mais importantes da modernidade, é preciso lembrar da necessidade da indústria para o desenvolvimento geral da economia.

Primeiro, e mais flagrante, é o fato de que todos os instrumentos utilizados pelos prestadores de quaisquer que sejam os serviços, são produzidos pela indústria. Isso é válido tanto para os mais complexos, como máquinas de ultrassonografia ou grandes processadores de dados, quanto para os mais simples, como um secador de cabelo ou uma lâmina de barbear. Ou seja, a indústria é o grande fornecedor dos meios materiais utilizados na produção de tudo. Porém, a indústria não apenas produz, mas também pesquisa e desenvolve novos produtos, os mesmos que inovarão os serviços. Além disso, a indústria ainda é a grande difusora de inovações relacionadas aos processos de gestão e organização da produção. Enfim, da indústria surge a constelação de elementos que aumentam a produtividade do trabalho em todos setores da economia.

O Brasil nunca foi um país que esteve na liderança do desenvolvimento industrial mundial. Devido ao nosso histórico colonial, somos aquilo que a literatura chama de economia atrasada e, por isso, periférica. Nós até conseguimos nos industrializar ao longo do século passado, mas através de uma industrialização tardia e que apenas alterou a forma da nossa dependência em relação aos países avançados. Até internalizamos uma estrutura produtiva ligada às tecnologias metálicas, mecânicas e petroquímicas. Até nos tornamos exportadores de produtos industriais. Contudo, isto só foi possível graças a uma integração subordinada às empresas multinacionais, sediadas nos países centrais, que se instalaram aqui para aproveitar as condições favoráveis à época. Se antes a dependência era de produtos importados, a partir de então predominou a dependência de dinheiro e de tecnologia estrangeiros.

Quando a humanidade passou pela sua última revolução técnico-científica, que colocou as tecnologias da informação e comunicação (TIC) no centro do processo de inovação, o Brasil também não acompanhou os países mais avançados. E tem dois agravantes. Primeiro, uma parte importante das empresas que atuam no país (em especial as multinacionais) passaram a utilizar as TIC em seus processos produtivos. Segundo, seja de forma tardia ou subordinada, sequer trouxemos a produção desses componentes para dentro do nosso território.

O resultado disto é que a nossas dependências comercial e tecnológica se agravaram. Não à toa o PIB do Brasil está crescendo em torno de 3%, ao longo de 2024, mas, no mesmo período, a quantidade de bens importados cresceu 14,5% para bens intermediários, 21,5% para bens de consumo e 22,1% para bens de capital.

Mais do que mostrar as fraquezas da nossa estrutura produtiva, esta realidade limita o crescimento econômico de melhor qualidade. Ao deixar de comprar no mercado nacional, a produção, os impostos, os empregos e muitas outras coisas deixam de ser criados por aqui. Menos pessoas têm acesso à fonte de renda, menor é o potencial de consumo interno, menores são as possibilidades de melhoria na vida da população. Enfim, estamos na urgência de uma industrialização brasileira.


[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Raquel Lima, Brenda Tiburtino, Ryann Felix, Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo e Paola Arruda.

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sexta-feira, 11 de outubro de 2024

ENTRE A CRUZ E A ESPADA: A LUTA DO GOVERNO LULA

Semana de 30 de setembro a 05 de outubro de 2024

 

Maria Fernanda Vieira Guimarãesi

Lucas Milanez de Lima Almeidaii

           

A dívida bruta brasileira vem crescendo há 14 meses consecutivos, também impulsionada pela alta taxa básica de juros brasileira, a Selic. A alta dos juros aumenta diretamente o custo de financiamento da dívida pública, pois encarece o custo com os títulos a ela atrelados, e, consequentemente, o valor que o Estado deve pagar aos seus credores. É deixar de gastar numa coisa (saúde, educação, infraestrutura), para gastar em outra (juros). A estimativa é de que o aumento de 1% na Selic custa R$ 40 bilhões ao orçamento por ano. Segundo dados do Banco Central, a dívida atingiu 78,55% do PIB em agosto, com uma alta de 4,1 pontos percentuais apenas no ano de 2024.

A taxa de juros brasileira, que em março de 2023 chegou a 13,75%, entrou em um ritmo de cortes, que se manteve até maio de 2024. Neste mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) optou pelo que chamou, em ata, de “desaceleração” do ritmo de cortes. No entanto, os cortes não foram retomados. Depois da última reunião do Copom, em 18 de setembro de 2024, foi decidido o aumento da taxa básica de juros, a despeito da estimativa da inflação de 4,12% (dentro da meta de 3%, que permite oscilação de 1,5% para mais ou para menos). A decisão influencia, mais do que na inflação, na dívida pública.

Para o mercado, no entanto, o aumento da dívida bruta não está associado à acentuada taxa de juros brasileira, mas aos gastos governamentais. Isto não encontra plena adesão aos fatos. No ano passado, depois de corrigir o desastre deixado pela dupla Bolsonaro-Paulo Guedes, o déficit fiscal foi de R$230,5 bilhões. Em 2024, a equipe econômica fez o esforço (excessivo) de reduzir os gastos, aumentar a arrecadação (resultado da melhora do PIB) e, consequentemente, reduzir o déficit, projetado atualmente para R$68,8 bilhões (a proposta inicial era déficit zero, mas a realidade se impôs e não foi possível atender esse capricho do Ministro Fernando Haddad). Entre as medidas de ajuste adotadas pela equipe econômica para aliviar o orçamento, está o congelamento de R$15 bilhões do orçamento nas pastas de Saúde, Cidades e Educação. Além disso, desde o ano passado, o Ministério do Planejamento e Orçamento, encabeçado por Simone Tebet, tem passado um pente fino nas despesas do Governo Federal, sendo firme na redução de benefícios sociais.

Por um lado, o governo tem conseguido aumentar as receitas em 9,7%, graças ao crescimento econômico. Assim, recordes sucessivos de arrecadação foram sendo batidos, com resultados melhores da economia brasileira desde 2014. Por outro lado, o Brasil tem apresentado queda no desemprego. Entretanto, o “mercado” parece insensível quanto às medidas que visam melhorar a vida do brasileiro. A decisão do governo Lula de incluir o programa auxílio-gás no orçamento gerou burburinho no mercado, bem como a vinculação dos benefícios da previdência aos ganhos reais do salário mínimo. Preterindo a qualidade de vida do brasileiro, o “mercado” demonstra uma preferência clara: a rigidez fiscal e a redução do déficit, a fim de assegurar o retorno esperado de seus investimentos. Claro, mesmo que isso signifique sacrificar os benefícios sociais para a população.

Sob o jugo do mercado, a política de juros elevados, que representa restrição à capacidade de ação do governo, foi retomada e revela como a economia brasileira, na prática, vem sendo guiada pelos interesses daqueles que lucram com a dívida pública. Na prática, é o orçamento público em favor do benefício privado. Enquanto o governo se esforça para equilibrar o orçamento e atender às exigências do “mercado”, em função da sua capacidade de governar, a qualidade de vida dos brasileiros permanece em segundo plano, colocando a proposta de desenvolvimento do governo Lula em risco nesse complicado jogo de interesses.


Pesquisadora do PROGEB e graduanda em Relações Internacionais pela UFPB (mafe.vg.2007@gmail.com).

ii Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Raquel Lima, Maria Vitória Freitas, Lara Souza, Maria Fernanda Vieira, Brenda Tiburtino e Paola Arruda.

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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

AFINAL, OS CULPADOS SOMOS NÓS?

Semana de 23 a 29 de setembro de 2024

 

Paola Teotônio Cavalcanti de Arruda[i]

           

Se o leitor tem acompanhado as análises das últimas semanas, viu que a economia brasileira registrou uma série de indicadores positivos. O PIB teve um crescimento acima das expectativas no segundo trimestre, aumentando 1,4% em relação ao trimestre anterior, e 3,3%, se comparado ao mesmo período do ano passado. A arrecadação federal também teve um aumento real de 9,5% de janeiro a agosto e tanto o consumo quanto os investimentos apresentaram crescimento.

Apesar dos sinais positivos que temos ressaltado quase que semanalmente em nossas análises, persistem ressalvas e temores com relação ao famigerado “risco fiscal”, geralmente relacionadas ao crescimento acima do potencial e à inflação. Esse grande “temor” é utilizado para embasar a política monetária do Banco Central, de aumento da taxa de juros, ao passo que as boas notícias econômicas são frequentemente transformadas em problemas.

Independentemente dos bons resultados alcançados neste ano de 2024, comprovados, inclusive, pelos números, a resposta parece sempre a mesma: elevar os juros. Está claro que a teoria econômica dominante não tem explicado adequadamente a realidade brasileira, principalmente quando trata o aumento da Selic como um remédio milagroso, capaz de resolver todos os problemas do país. Além de não explicar a realidade, os economistas ortodoxos escondem da população a real intenção de tais medidas: assegurar a rentabilidade do capital financeiro, especialmente o ligado à dívida pública, que lucra sem sequer contribuir para a geração de empregos e renda. Fica nítido o poder que os donos de “ativos” exercem sobre os rumos da economia, a fim de garantir a manutenção de seus ganhos como rentistas. 

Enquanto isso, sofre o povo brasileiro. Já se fala em uma nova reforma da previdência, com menos direitos e garantias para a população. A culpa de todos os males da sociedade é, claramente, de Dona Maria, que, com 90 anos e depois de criar 12 filhos, vive às custas de uma aposentadoria que não lhe permite nem o suficiente para bancar seus remédios. Tenho certeza, caro leitor, que esse discurso já chegou, em algum momento, a seus ouvidos. O que quase nunca se menciona, no entanto, é que cada aumento de um ponto percentual na taxa Selic custa R$ 30 bilhões por ano aos cofres públicos. O país não cresce, as despesas sociais são comprimidas, os lucros dos rentistas são garantidos, mas a narrativa insiste em colocar a culpa nos mais vulneráveis, como os idosos que, supostamente, "vivem demais" e comprometem o sistema previdenciário. Parece piada, mas é a realidade do que se divulga na grande mídia.

É nessa conjuntura de ataque aos direitos sociais que se estabelecerão as eleições municipais no próximo domingo. No Brasil, o embate fica muito claro, se analisada a corrida eleitoral paulista. Em meio a cadeiradas e outras agressões, quem mais sofre é a população. E a situação não fica muito para trás, quando outras cidades vêm à tona. Os problemas parecem ser crônicos: superlotação e más condições no transporte público, sucateamento da saúde e da educação públicas, parcerias e aliciamento com o crime. Mas a culpa? É do povo. Não há outra explicação para a elite nacional.

O que vemos é um ciclo repetitivo de culpabilização da população, enquanto os verdadeiros beneficiários dessas políticas permanecem ocultos. O meio político tem perdido credibilidade e, cada vez mais, tem posto em xeque a democracia brasileira. Medidas, mais políticas que econômicas, têm garantido lucros aos detentores de ativos, comprimido investimentos sociais e sacrificado os mais vulneráveis. Por isso, mais do que nunca, é essencial manter firme nosso papel cidadão e ir às urnas. Esse é o primeiro passo para fazer valer nosso direito a uma representação política digna. Certamente, os embates socioeconômicos brasileiros não acabarão no domingo, mas é a partir do voto que podemos vigiar e exigir constantemente a concretização dos nossos direitos. Por isso, votar é o primeiro passo para mudança.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduanda em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Lara Souza, Ryan Félix, Gustavo e Maria Vitória Freitas.

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