quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A PEC 241 e o “milagre” do crescimento

Semana de 03 a 09 de outubro de 2016

Rosângela Palhano Ramalho[i]

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 241/2016, conhecida por PEC do teto dos gastos públicos, foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Depois do requintado jantar no Palácio da Alvorada, os deputados “indecisos” receberam as “devidas ofertas” pelo voto favorável e o placar registrou 366 votos a favor e 111 contrários. A PEC limita o crescimento dos gastos públicos pelos próximos 20 anos ao percentual da inflação nos 12 meses anteriores. A fixação de um teto para as despesas obrigará os congressistas a discutir o orçamento anual, dentro dessa limitação. O professor de Filosofia da Unicamp, Marcos Nobre, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, assinala muito bem que, com a decisão, “... a PEC põe sob suspeição a capacidade do sistema político de dirigir o país” e “... é a medida mais radical da série de jeitinhos para fazer a Constituição caber como se quer que caiba na realidade”.
Além de retirar da sociedade e do Parlamento a possibilidade de decisão acerca dos gastos orçamentários, é óbvio que a aprovação trará efeitos nefastos sobre a economia. Estaremos, por 20 anos, sob uma austeridade permanente que exigirá rubricas limitadas, tanto para os gastos sociais, quanto para os investimentos. Sob o discurso de que a PEC irá “restaurar a confiança e obter a volta do crescimento econômico”, o governo tenta convencer a sociedade da inevitabilidade deste processo.
Esquece o governo e sua “equipe dos sonhos” que não estamos sozinhos no mundo e que a nossa recuperação também depende dos rumos da economia mundial. E maus ventos vêm de lá. A China registrou queda de 10% das exportações e simultânea queda das importações de 1,9% nos doze meses encerrados em setembro. Tal comportamento suscita duas hipóteses: desaceleração mais intensa daquela economia ou impactos mais fortes do baixo crescimento global. Não há alento vindo do exterior.
As relações comerciais brasileiras refletem a debilidade econômica mundial. Na primeira semana de outubro, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), a balança comercial registrou superávit de US$ 499 milhões. O superávit resultou, comparado a outubro do ano passado, da queda das exportações em 11,7% e também da queda das importações em 14,1%. E o pior: segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de janeiro a setembro deste ano, o minério de ferro, complexo soja, óleos brutos de petróleo, açúcar e complexo carnes foram responsáveis por 41,4% do total destinado ao exterior.
Internamente a crise continua. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em 2015, foram fechados 1,5 milhão de postos de trabalho. De janeiro a agosto deste ano já foram cortados 650 mil postos. Estimativas indicam que a perda de vagas em 2016 será de 1,3 milhão. E novos dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, no segundo trimestre de 2016, faltou trabalho para 13,6% das pessoas em idade produtiva no Brasil, o correspondente a 22,7 milhões de trabalhadores. Esse novo indicador, a taxa composta da subutilização da força de trabalho, soma o contingente de pessoas desocupadas (11,6 milhões), de pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas, que trabalharam menos de 40 horas por semana (4,8 milhões) e a força de trabalho potencial, pessoas que nem trabalharam, nem procuraram emprego, mas que estão dispostas a trabalhar (6,2 milhões).
De acordo com levantamento da Serasa Experian, em setembro os pedidos de recuperação judicial, somaram 244 e no acumulado do ano, o total já soma 1.479, 62% a mais do que no mesmo período do ano passado. As micro e pequenas empresas lideram os pedidos, mas o indicador aumentou também entre as médias e grandes empresas.
É diante deste cenário devastador, que vemos proliferar notícias sobre a confiança “reconquistada” e recuperação econômica iminente, associadas à aprovação da PEC 241.
Como não acreditamos em prodígios, convidamos o leitor à racionalidade que é imediatamente retomada quando se observa a realidade.

[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com.br) Contato: rospalhano@yahoo.com.br
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