quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Dois Coelhos em uma Cajadada Só


Semana de 25 de setembro a 01 de outubro de 2017

Antonio Carneiro de Almeida Júnior [i] 
          
Após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o cumprimento da lei de responsabilidade fiscal é um assunto que dificilmente sai dos holofotes do jornalismo econômico. Com a arrecadação em queda, o governo Temer deve certamente definir de que forma irá cumprir a chamada regra de ouro das finanças públicas, que proíbe a União de realizar uma dívida superior às suas despesas de capital (pagamento de juros, amortização da dívida e realização de investimento público). Com esta regra fica a União impedida de financiar despesas correntes com emissão de títulos de dívida. Em outras palavras, dada a trajetória de queda de arrecadação, o governo tem duas frentes de ação: redução de despesas e aumento de receitas.
No que tange à primeira frente, temos mostrado em nossas análises que o presidente Temer e sua equipe econômica têm dado prioridade à redução de despesas com as classes mais baixas e de menor poder político: é o caso da Reforma da Previdência, que, com previsão para sair no final de outubro/início de novembro, segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, pretende reduzir drasticamente os benefícios pagos aos contribuintes, ao mesmo tempo em que o governo exclui dessa reforma segmentos de classe como os militares e se empenha em perdoar dívidas que empresários tem com a própria Previdência Social. No que diz respeito à segunda frente, alguns planos postos em prática vêm sendo frustrados.
O presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, já fez um alerta, na quarta-feira da semana anterior (27/09), a respeito da devolução de recursos para o Tesouro Nacional em 2018: “Nossos números indicam que o governo deve colocar as barbas de molho quanto a um cheque de R$130 bilhões em 2018. É também nossa obrigação dar um alerta sobre a quase absoluta impossibilidade do BNDES em relação a uma soma dessa natureza”. Sem contar com esses recursos, o governo deve apresentar outra fonte de recursos que possa evitar que se gaste mais do que se arrecada no próximo ano. Um estudo divulgado pela ONG Oxfam Brasil, contudo, poderia ser usado para justificar uma solução para o problema: aumentar-se-á a receita através da elevação da tributação dos mais ricos.
Ocorre que, de acordo com o estudo, que utiliza dados de 2015, enquanto os 10% mais pobres da população gastam em média 32% da sua renda com pagamentos de impostos, os 10% mais ricos gastam apenas 21%. Essa diferença, que se deve a uma série de incongruências no sistema de tributação brasileiro, aumenta conforme nos movemos para o topo, ou seja, em direção aos mais ricos. No que diz respeito ao imposto de renda, que é responsável por 25% da arrecadação, indivíduos que ganhavam entre R$126.080,00 e R$189.120,00, mensais em 2015, pagavam uma alíquota efetiva de apenas 4,85%, mais ou menos o mesmo pago pela faixa de renda que se situava entre R$5.516,00 e R$7.880,00, que é de 4,58%. Quando vamos para um nível de renda mais alto, com rendas acima de R$252.160,00 mensais, a alíquota efetiva cai para 2,46%, a mesma paga por cidadãos que recebiam entre R$3.940,00 e R$5.516,00. Isso ocorre precisamente porque esses super-ricos, para tomar emprestada a expressão da diretora executiva da ONG, Kátia Maia, recebem uma série de isenções (que chegam a 70%) devido ao fato de sua renda se constituir de lucros e dividendos. Além disso, por mais que paguem pouco imposto de renda, os 10% mais pobres acabam gastando uma grande parcela da sua renda (28%) em impostos indiretos (sobre produtos e serviços), precisamente por gastarem uma maior parte da sua renda em necessidades básicas (alimentação, medicamentos, vestuário, transporte, moradia, etc.). Adicionalmente, além de haver uma série de bens de luxo que não é tributada pelo governo, como lanchas, iates e helicópteros, ao passo que o transporte terrestre, mais acessível para toda a população, é taxado pelo IPVA, existe uma série de bens e serviços pelos quais empresários pagam pouco ou nenhum tributo, uma vez que os subscrevem como custos de suas empresas, embora sejam de uso pessoal.
Diante dessa realidade díspar, que contribui inclusive para o agravamento da desigualdade na economia brasileira, e do histórico do governo Temer, será que poderíamos esperar que alguma medida que aumente as receitas da União e, ao mesmo tempo, torna a tributação do país mais justa e igualitária?


[i] Professor Substituto do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).
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