Antonio Carneiro de Almeida Júnior [i]
Após o impeachment da presidente Dilma
Rousseff, o cumprimento da lei de responsabilidade fiscal é um assunto que
dificilmente sai dos holofotes do jornalismo econômico. Com a arrecadação em
queda, o governo Temer deve certamente definir de que forma irá cumprir a
chamada regra de ouro das finanças públicas, que proíbe a União de realizar uma
dívida superior às suas despesas de capital (pagamento de juros, amortização da
dívida e realização de investimento público). Com esta regra fica a União
impedida de financiar despesas correntes com emissão de títulos de dívida. Em
outras palavras, dada a trajetória de queda de arrecadação, o governo tem duas
frentes de ação: redução de despesas e aumento de receitas.
No que tange à primeira frente, temos
mostrado em nossas análises que o presidente Temer e sua equipe econômica têm
dado prioridade à redução de despesas com as classes mais baixas e de menor
poder político: é o caso da Reforma da Previdência, que, com previsão para sair
no final de outubro/início de novembro, segundo o ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, pretende reduzir drasticamente os benefícios pagos aos
contribuintes, ao mesmo tempo em que o governo exclui dessa reforma segmentos
de classe como os militares e se empenha em perdoar dívidas que empresários tem
com a própria Previdência Social. No que diz respeito à segunda frente, alguns
planos postos em prática vêm sendo frustrados.
O presidente do BNDES, Paulo Rabello de
Castro, já fez um alerta, na quarta-feira da semana anterior (27/09), a
respeito da devolução de recursos para o Tesouro Nacional em 2018: “Nossos
números indicam que o governo deve colocar as barbas de molho quanto a um
cheque de R$130 bilhões em 2018. É também nossa obrigação dar um alerta sobre a
quase absoluta impossibilidade do BNDES em relação a uma soma dessa natureza”.
Sem contar com esses recursos, o governo deve apresentar outra fonte de
recursos que possa evitar que se gaste mais do que se arrecada no próximo ano.
Um estudo divulgado pela ONG Oxfam Brasil, contudo, poderia ser usado para
justificar uma solução para o problema: aumentar-se-á a receita através da
elevação da tributação dos mais ricos.
Ocorre que, de acordo com o estudo, que
utiliza dados de 2015, enquanto os 10% mais pobres da população gastam em média
32% da sua renda com pagamentos de impostos, os 10% mais ricos gastam apenas
21%. Essa diferença, que se deve a uma série de incongruências no sistema de
tributação brasileiro, aumenta conforme nos movemos para o topo, ou seja, em
direção aos mais ricos. No que diz respeito ao imposto de renda, que é
responsável por 25% da arrecadação, indivíduos que ganhavam entre R$126.080,00
e R$189.120,00, mensais em 2015, pagavam uma alíquota efetiva de apenas 4,85%,
mais ou menos o mesmo pago pela faixa de renda que se situava entre R$5.516,00
e R$7.880,00, que é de 4,58%. Quando vamos para um nível de renda mais alto,
com rendas acima de R$252.160,00 mensais, a alíquota efetiva cai para 2,46%, a
mesma paga por cidadãos que recebiam entre R$3.940,00 e R$5.516,00. Isso ocorre
precisamente porque esses super-ricos, para tomar emprestada a expressão da
diretora executiva da ONG, Kátia Maia, recebem uma série de isenções (que
chegam a 70%) devido ao fato de sua renda se constituir de lucros e dividendos.
Além disso, por mais que paguem pouco imposto de renda, os 10% mais pobres
acabam gastando uma grande parcela da sua renda (28%) em impostos indiretos
(sobre produtos e serviços), precisamente por gastarem uma maior parte da sua renda
em necessidades básicas (alimentação, medicamentos, vestuário, transporte,
moradia, etc.). Adicionalmente, além de haver uma série de bens de luxo que não
é tributada pelo governo, como lanchas, iates e helicópteros, ao passo que o
transporte terrestre, mais acessível para toda a população, é taxado pelo IPVA,
existe uma série de bens e serviços pelos quais empresários pagam pouco ou
nenhum tributo, uma vez que os subscrevem como custos de suas empresas, embora
sejam de uso pessoal.
Diante dessa realidade díspar, que
contribui inclusive para o agravamento da desigualdade na economia brasileira,
e do histórico do governo Temer, será que poderíamos esperar que alguma medida
que aumente as receitas da União e, ao mesmo tempo, torna a tributação do país mais
justa e igualitária?
[i] Professor
Substituto do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e pesquisador do
Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
(www.progeb.blogspot.com).
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