quarta-feira, 18 de outubro de 2017

De modelos superados a unicórnios: o universo fictício da Economia


Semana de 08 a 14 de outubro de 2017

Rosângela Palhano Ramalho [i]

Embora o jornalismo econômico continue a alardear que a recuperação econômica está em curso, nossas últimas colunas têm apresentado estatísticas decepcionantes da atividade econômica. Após a queda de 0,8% da produção industrial, em agosto, registre-se também, neste mês, a queda 0,5% das vendas no varejo restrito comparada a julho. Quando considerado o varejo ampliado, que envolve veículos e autopeças, as vendas subiram apenas 0,1%. Uma decepção. Apesar dos soluços da recuperação, os analistas continuam reforçando que a “recuperação é gradual”, mesmo sendo “não linear” e “não exuberante”.
Os novos investimentos vêm do setor automobilístico. A Mercedes-Benz anunciou que investirá R$ 2,4 bilhões entre 2018 e 2022 e a Volkswagen, R$ 7 bilhões até 2020. Mas, a indústria de bens de capital, termômetro da recuperação, ainda não decolou. Apesar de ter crescido 6,6% em agosto, no acumulado do ano, o setor sofre uma queda de 18,6%, segundo o IBGE. Na visão de Aloísio Campelo Jr e Pedro Costa, ambos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), se os investimentos não decolarem, “[...] a recuperação estará fadada a ser um voo de galinha”. E lembre, caro leitor, que não será a primeira vez.
No mundo desenvolvido, a deflação preocupa. Mesmo em recuperação, as economias padecem com a inflação baixa. Os Bancos Centrais da Europa, Estados Unidos e Japão, injetaram de US$ 15 trilhões em suas economias e nada da inflação reagir. O desemprego das economias avançadas caiu para menos de 6% e, nada... Segundo Adam Posen, diretor do Peterson Institute e ex-presidente do Banco Central da Inglaterra: “Se não conseguirmos fazer a inflação voltar a subir, não conseguiremos ter estabilidade política sem aumento de salários”. Será, caro leitor, esta a grande tragédia?
Não há consenso então, para as causas do fenômeno, pois os formuladores de política econômica não acham resposta em seus modelos prontos (aqueles que relacionam inversamente o desemprego e a inflação). Janet Yellen, presidente do Fed, Banco Central dos Estados Unidos, declarou que o entendimento “[...] pode estar essencialmente mal especificado”. Já Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE) acha que a recuperação não foi suficiente para gerar pressões inflacionárias. E Claudio Borio, economista-chefe do Banco de Compensações Internacionais (BIS), questiona: “Quanto realmente sabemos sobre o processo inflacionário?”
Outra cizânia foi posta à vista de todos, na premiação do Nobel de Economia de 2017. Richard Thaler, professor da escola de negócios da Universidade de Chicago, americano, 72 anos, foi laureado porque, segundo a Real Academia de Ciências da Suécia, “incorporou premissas psicologicamente realistas à análise da tomada de decisões econômicas. Ao explorar as consequências da racionalidade limitada, de preferências sociais e da falta de autocontrole, ele mostrou como essas características humanas sistematicamente afetam as decisões individuais, assim como resultados de mercado”. A chamada da Real Academia pode soar estranha ao leitor, mas é isto mesmo: a Teoria Econômica predominante tem como premissa para a análise da realidade econômica, um ser que não existe: o chamado Homo Economicus. Segundo a teoria, este ser é perfeitamente racional, e por isso, dotado de capacidade decisória que lhe permite, através da análise do imenso leque de informações disponíveis e conhecidas, fazer sempre as melhores escolhas.
Em declarações anteriores à premiação, Richard Thaler, precisou revelar o óbvio, até mesmo para aqueles que conhecem muito pouco de Economia: “Para fazer boa economia, você precisa ter em mente que as pessoas são humanas”. E alfinetou: “Eu acredito que, nos últimos 50 a 60 anos, os economistas se dedicaram ao estudo de criaturas fictícias. Eles podiam muito bem ter estudado unicórnios”. E, para amparar a sua tese, ao ser perguntado como iria gastar o prêmio de US$ 1,1 milhão, o laureado não hesitou: “Vou tentar gastá-lo do modo mais irracional possível”.
Até quando vamos basear a análise da realidade econômica em modelos ultrapassados e seres fictícios?


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com.br) Contato: rospalhano@yahoo.com.br
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