Semana de 28 de março a 03 de abril de 2022
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Enquanto
o Brasil vivia seu Milagre Econômico na década de 1970, a China ainda era um
país essencialmente agrário e, no fim daquela década, apenas iniciava suas
reformas em prol da industrialização. Hoje, não é novidade que a China é uma
potência tecnológica e o maior parceiro comercial do Brasil.
Desde
a década passada, a China é o maior destino das nossas exportações e maior
fonte de nossas importações. Em 2020, 31,7% das exportações brasileiras tiveram
a China como destino, enquanto 22,7% das importações brasileiras vieram de lá.
Em 2021, eles foram uma grande fonte de dólares, pois nossas vendas para lá
(US$ 89,7 bilhões) foram bem maiores do que as compras de lá (US$ 48,3
bilhões). Isso é bem mais do que nosso comércio com os EUA ou mesmo com todo o
Mercosul. Mesmo assim, não podemos dizer que, simplesmente, ganhamos. Pelo
contrário.
Para
começar, o Brasil é pouco relevante para o comércio externo chinês. Em 2020,
fomos responsáveis por apenas 1,4% das exportações e 4,4% das importações
chinesas. Apesar dos saldos comerciais positivos ao longo dos anos, eles
resultaram de uma pauta exportadora nada diversificada. No ano de 2020, por
exemplo, apenas quatro produtos foram responsáveis por mais de 80% das
exportações brasileiras para os chineses: soja (30,8%), minério de ferro
(27,3%), petróleo cru (16,7%) e carne bovina congelada (5,9%). Por outro lado,
de tudo que o Brasil importou da China, 45% foram máquinas, equipamentos e suas
partes (de telefones e semicondutores a lâmpadas de led).
Isto,
claro, resultou em uma alteração significativa na estrutura de comércio de
insumos e bens de capital entre os dois países. Em estudo recente, o Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira (PROGEB) estimou o quanto se
alterou a capacidade da economia brasileira de gerar dinamismo internamente
após trocar produção local por produtos importados da China entre 2000 e 2014.
Dentre as atividades nacionais que mais perderam capacidade de gerar estímulos
produtivos dentro do próprio Brasil, estão: Informática, Produtos Óticos e
Eletrônicos; Têxteis, Vestuário e Couros; e Máquinas e Equipamentos. Isto
significa que os setores da economia brasileira reduziram seu potencial de
gerar emprego e renda dentro do país. Por sua vez, esse potencial de dinamizar
a produção de riqueza foi transferido para a economia chinesa. Mas também houve
ganhos no período. O Brasil aumentou sua inserção na economia chinesa, mas foi
uma penetração de baixa “qualidade”. Essencialmente, houve um aumento da
influência de duas atividades brasileiras sobre a atividade chinesa:
Agropecuária e Indústrias Extrativas.
Por si
só, as provocações aos chineses realizadas pelo governo federal durante a
Pandemia foram uma estupidez. Não só por causa das relações de comércio, mas
pelo uso da Coronavac e pelos insumos das vacinas produzidas aqui no país. Se o
objetivo do governo liderado por Bolsonaro era confrontar a China, o caminho
adequado não era por meio de incidentes diplomáticos (como o causado por
ex-ministros, que chamaram o Covid-19 de “comunavírus”). Além do estudo que foi
mencionado, outros mostram como estamos longe do nível de desenvolvimento
tecnológico já alcançado pelos chineses (mesmo eles tendo iniciado a “corrida”
bem depois de nós). A estratégia estatal de expansão econômica por lá é
diametralmente oposta à nossa, sobretudo a adotada a partir dos anos 1990.
Apesar de as políticas brasileiras de cunho neoliberal terem sido
flexibilizadas nos primeiros anos deste século XXI, elas mantiveram sua
essência. O país até melhorou um pouco, mas manteve-se longe do desenvolvimento
chinês.
Enfim, mais do que um confronto com os chineses, os brasileiros poderiam se inspirar em suas estratégias de desenvolvimento econômico. Só assim haveria a possibilidade de sonharmos com um país um pouco melhor. Mas, como tenho dito, sob a batuta do bolsonarismo, apenas nos resta o descompasso e o atraso.
[i] Professor
do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB –
Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Polianna Almeida, Nertan
Gonçalves e Ana Isadora Meneguetti.
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