quinta-feira, 7 de abril de 2022

Comércio Brasil-China: perdemos muito nesse século?

Semana de 28 de março a 03 de abril de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Enquanto o Brasil vivia seu Milagre Econômico na década de 1970, a China ainda era um país essencialmente agrário e, no fim daquela década, apenas iniciava suas reformas em prol da industrialização. Hoje, não é novidade que a China é uma potência tecnológica e o maior parceiro comercial do Brasil.

Desde a década passada, a China é o maior destino das nossas exportações e maior fonte de nossas importações. Em 2020, 31,7% das exportações brasileiras tiveram a China como destino, enquanto 22,7% das importações brasileiras vieram de lá. Em 2021, eles foram uma grande fonte de dólares, pois nossas vendas para lá (US$ 89,7 bilhões) foram bem maiores do que as compras de lá (US$ 48,3 bilhões). Isso é bem mais do que nosso comércio com os EUA ou mesmo com todo o Mercosul. Mesmo assim, não podemos dizer que, simplesmente, ganhamos. Pelo contrário.

Para começar, o Brasil é pouco relevante para o comércio externo chinês. Em 2020, fomos responsáveis por apenas 1,4% das exportações e 4,4% das importações chinesas. Apesar dos saldos comerciais positivos ao longo dos anos, eles resultaram de uma pauta exportadora nada diversificada. No ano de 2020, por exemplo, apenas quatro produtos foram responsáveis por mais de 80% das exportações brasileiras para os chineses: soja (30,8%), minério de ferro (27,3%), petróleo cru (16,7%) e carne bovina congelada (5,9%). Por outro lado, de tudo que o Brasil importou da China, 45% foram máquinas, equipamentos e suas partes (de telefones e semicondutores a lâmpadas de led).

Isto, claro, resultou em uma alteração significativa na estrutura de comércio de insumos e bens de capital entre os dois países. Em estudo recente, o Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira (PROGEB) estimou o quanto se alterou a capacidade da economia brasileira de gerar dinamismo internamente após trocar produção local por produtos importados da China entre 2000 e 2014. Dentre as atividades nacionais que mais perderam capacidade de gerar estímulos produtivos dentro do próprio Brasil, estão: Informática, Produtos Óticos e Eletrônicos; Têxteis, Vestuário e Couros; e Máquinas e Equipamentos. Isto significa que os setores da economia brasileira reduziram seu potencial de gerar emprego e renda dentro do país. Por sua vez, esse potencial de dinamizar a produção de riqueza foi transferido para a economia chinesa. Mas também houve ganhos no período. O Brasil aumentou sua inserção na economia chinesa, mas foi uma penetração de baixa “qualidade”. Essencialmente, houve um aumento da influência de duas atividades brasileiras sobre a atividade chinesa: Agropecuária e Indústrias Extrativas.

Por si só, as provocações aos chineses realizadas pelo governo federal durante a Pandemia foram uma estupidez. Não só por causa das relações de comércio, mas pelo uso da Coronavac e pelos insumos das vacinas produzidas aqui no país. Se o objetivo do governo liderado por Bolsonaro era confrontar a China, o caminho adequado não era por meio de incidentes diplomáticos (como o causado por ex-ministros, que chamaram o Covid-19 de “comunavírus”). Além do estudo que foi mencionado, outros mostram como estamos longe do nível de desenvolvimento tecnológico já alcançado pelos chineses (mesmo eles tendo iniciado a “corrida” bem depois de nós). A estratégia estatal de expansão econômica por lá é diametralmente oposta à nossa, sobretudo a adotada a partir dos anos 1990. Apesar de as políticas brasileiras de cunho neoliberal terem sido flexibilizadas nos primeiros anos deste século XXI, elas mantiveram sua essência. O país até melhorou um pouco, mas manteve-se longe do desenvolvimento chinês.

Enfim, mais do que um confronto com os chineses, os brasileiros poderiam se inspirar em suas estratégias de desenvolvimento econômico. Só assim haveria a possibilidade de sonharmos com um país um pouco melhor. Mas, como tenho dito, sob a batuta do bolsonarismo, apenas nos resta o descompasso e o atraso.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Polianna Almeida, Nertan Gonçalves e Ana Isadora Meneguetti.

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