quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Sobre o problema fiscal brasileiro


Semana de 13 a 19 de agosto de 2018

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

O mais badalado dos problemas que serão enfrentados pelo próximo presidente é o das contas públicas. Desde 2014 o governo brasileiro tem despesas superiores a sua receita corrente, ou seja, apresenta saldo negativo (déficit) no orçamento. Nos anos mais intensos da crise, 2015 e 2016, os déficits chegaram a R$ 120,5 e 161,3 bilhões, respectivamente. No ano passado, as contas ficaram no vermelho em R$ 124,3 bi. Já para 2018, espera-se que o saldo negativo seja de R$ 148 bi, apesar de o Congresso Nacional ter aprovado um rombo de R$ 159 bi. Atualmente, está sendo negociado o orçamento do ano de 2019. A previsão é de que, novamente, o orçamento seja deficitário, dessa vez em R$ 139 bi.
Naturalmente, este cenário fiscal provoca o aumento da dívida pública. Isto leva ao segundo problema mais badalado pela grande mídia: a relação entre a dívida pública e o PIB brasileiros.
Entre 2010 e 2014, a relação dívida/PIB ficou em torno de 53%. Contudo, em 2015, este percentual subiu para 65,5%, chegando a 69,95%, em 2016. Nesses anos, pelos dois lados, o percentual se elevou: tanto a dívida aumentou (12,3%, em 2015 e 3,1%, em 2016, em termos reais), quanto o PIB caiu (3,6%, em 2015 e 3,5%, em 2016, em termos reais). Em 2017, apesar do crescimento real de 1% do PIB, a dívida real cresceu 6,8%. O caro leito pode pensar: o governo simplesmente gastou demais. Contudo, da elevação total de R$ 447,2 bi no endividamento brasileiro, em 2017, 26,6% corresponderam a um aumento na emissão líquida de títulos públicos e 73,4% corresponderam aos gastos com juros. Isto elevou a relação dívida/PIB para 74,0% naquele ano. Em junho de 2018, a dívida pública bruta estava em R$ 5,2 trilhões, representando 77,2% do PIB.
De fato, é inegável que a situação fiscal do Brasil é um problema. Contudo, o diagnóstico apontado como única solução, além de não resolver, piora a situação.
Há dois aspectos a serem considerados. O primeiro é conjuntural (ou seja, refere-se ao momento atual). É que a economia brasileira está passando por uma das fases típicas do crescimento das “economias de mercado”: a fase de crise. Em outras ocasiões argumentamos que a crise econômica é algo inevitável para uma economia capitalista. Se, por um lado, os governos podem, através da política econômica, no máximo, adiar sua deflagração, por outro eles podem aprofundar seus efeitos. Isto foi o que ocorreu com as políticas econômicas restritivas adotadas a partir do 2º mandato do governo Dilma/Temer.
A maior parte das despesas do governo são “fixas”, ou seja, têm que ser realizadas de qualquer forma (porque é garantida pela constituição, por exemplo). Por outro lado, as receitas correntes dependem, em sua esmagadora maioria, da arrecadação de tributos e estes dependem diretamente da atividade econômica. Seria natural o aumento da dívida como resultado da queda do PIB, tanto quanto é natural o aumento das receitas quando a economia voltar a crescer.
Entretanto, já em 2014, iniciaram-se as medidas de restrição ao investimento público. Se a iniciativa privada já dava sinais de desaquecimento, isto foi aprofundado pela redução da ação estatal sobre a atividade econômica. E é aqui que entra o aspecto estrutural da análise. A solução dada ao problema fiscal (que, no momento, sofre por motivos fundamentalmente conjunturais) significa um arrocho sobre as classes menos favorecidas, as mesmas que foram fundamentais, pelo lado do consumo, no crescimento a partir de 2004. A primeira das medidas foi a já aprovada como Emenda Constitucional 95, que limita os gastos previstos na Constituição Nacional. Com isto, educação, saúde, ciência e tecnologia, investimentos em infraestrutura e uma dezena de setores importantes para o crescimento de longo prazo, deixam de ser fomentados. A outra, é a reforma da previdência, que nem o golpista Temer teve coragem e força política para levar adiante.
Caro leitor, quando for escolher seu candidato, procure saber o que ele pensa sobre os temas econômicos. Existe uma mística em torno disto, que apenas os tidos como experts poderiam emitir opinião.
Cuidado! Nós é que pagaremos as consequências da opinião deles.
A experiência tem mostrado que, se desaba a economia dos EUA, vai abaixo a economia mundial e o Brasil será inevitavelmente arrastado.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)

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