quinta-feira, 31 de julho de 2025

DEMOCRACIA E ECONOMIA BRASILEIRA RESISTEM; NO GOLPISTA, TORNOZELEIRA ELETRÔNICA...

Semana de 21 a 27 de julho de 2025

    

Rosângela Palhano Ramalho[1]

  

Estimado leitor, os ânimos continuam exaltados no país. O anúncio da tarifação de 50% dos produtos exportados do Brasil para os Estados Unidos, que vigorará a partir de 01 de agosto, e a colocação da tornozeleira eletrônica no criminoso reincidente Jair Bolsonaro, dominaram os assuntos da semana.

Enquanto isso, a economia resiste. A inflação está sob controle, e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo apurou que a Intenção de Consumo das Famílias subiu 0,6% em julho comparada a junho, em virtude do maior acesso ao crédito e de perspectivas profissionais ainda favoráveis. No mercado de força de trabalho o arrefecimento esperado ainda não aconteceu. Um estudo da LCA 4intelligence concluiu que os salários são responsáveis por 2/3 da inflação dos serviços, o que significa que os ganhos salariais continuam a alimentar a economia.

No âmbito externo, desde que Donald Trump passou a ameaçar o mundo com a guerra tarifária, o Brasil vem se preparando para negociar ou retaliar, a depender das condições oferecidas pelo governo americano. A questão é que os Estados Unidos vêm deixando claro em declarações públicas, que seus interesses ultrapassam as singelas questões comerciais, até porque é o Brasil quem arca com déficit nestas transações. Trump utiliza os instrumentos de política comercial para chantagear parceiros e obter ganhos nas negociações internacionais. Além disso, o aumento aleatório das tarifas está servindo para camuflar a sua cobiça pelo Pix, sistema de pagamentos brasileiro que frusta a usura das instituições de crédito americanas, sua insatisfação no regramento interno das poderosas big techs americanas e sua avidez pelos minerais de terras raras disponíveis no território brasileiro.

Por mais incrível que pareça, Trump tem o apoio de políticos e empresários brasileiros que à luz do dia tentam responsabilizar o presidente Lula pelo ataque leviano. Ao lado de Eduardo Bolsonaro – que, claramente, está precisando de tratamento médico e judicial –, os potenciais candidatos à presidência em 2026 a saber, Romeu Zema, Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas e Ratinho Júnior, jogaram os interesses e a soberania do país no esgoto, esperando herdar os votos do inelegível Jair e derrubar o governo Lula.

Enquanto os termos da negociação envolverem a perda da soberania brasileira, através da intervenção nas decisões do Poder Judiciário, não haverá conversa, diz o Brasil. Até agora, todas as tentativas de intimidação à Justiça brasileira não surtiram efeito. Após 8 dias do anúncio da tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros, o ministro Alexandre de Moraes não hesitou em enfeitar o tornozelo do ex-presidente Jair Bolsonaro com um acessório eletrônico de controle. De forma descarada, o réu-mor da trama golpista cometeu novos crimes, e agora o golpista vai responder por coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa e atentado à soberania brasileira. Além disso, a revogação dos vistos americanos de 8 dos 11 ministros juízes do Supremo Tribunal Federal, embora tenha sido motivo de reclamação do governo brasileiro, que cumpre seu papel institucional, foi solenemente ignorada pela Suprema Corte. Com isso, a democracia brasileira continua de pé, embora os golpistas tentem destruí-la a partir da subserviência externa.

Vivenciamos tempos sombrios. Patriotas autointitulados atentam contra sua pátria e políticos eleitos democraticamente declaram livremente que vivem numa ditadura. Os amargos acontecimentos estão sendo registrados em nossa história. E como o PROGEB é longevo, nossos leitores têm a possibilidade de acompanhar em nossas análises, eventos importantes acontecidos há pelo menos 17 anos. No momento, esta coluna registra o início da punição dos inúmeros crimes que foram cometidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, a partir da finalização dos processos abertos contra ele.

Após participar de uma reunião com líderes e parlamentares do Partido Liberal, o delinquente exibiu seu adorno aos repórteres e lançou a seguinte lorota: “Não roubei os cofres públicos. Não desviei recurso público. Não matei ninguém, não trafiquei ninguém. Isso daqui é o símbolo da máxima humilhação.” Felizmente, no Brasil não é o meliante quem define o crime e a punição. Este senhor será preso pelos seguintes delitos: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. E irá para o lixo da história. A política e a democracia brasileira agradecem.


[1] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Bruno Lins, Victória Rodrigues, Mateus Eufrásio, Nelson Rosas, Antônio Queiroz e Julia Dayane.


 

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sexta-feira, 18 de julho de 2025

TRUMP, CHINA, TARCÍSIO E LULA...

Semana de 07 a 13 de julho de 2025

    

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Na última semana, vimos mais um ataque frontal à nossa soberania nacional. Donald Trump anunciou uma sobretaxa de 50% sobre os produtos exportados pelo Brasil aos EUA. Na aparência, e para o círculo da extrema direita, isto seria uma reação em resposta às “ofensivas” do poder judiciário contra Jair Bolsonaro e seus asseclas, que tentaram dar um Golpe de Estado, e contra as redes sociais sediadas naquele país. Além disso, também seria uma resposta a uma relação comercial “injusta” para os americanos. Na essência, o motivo é outro.

Também na semana passada, reuniram-se os países integrantes do BRICS. Dentre outras coisas, o grupo debateu meios alternativos de aumentar seu desenvolvimento socioeconômico, com o objetivo de reduzir a dependência dos EUA. Como têm mostrado as medidas (externas e internas) adotadas pelos EUA há quase uma década, a ascensão da China como uma potência produtiva e tecnológica tem feito frente ao poder global dos norte-americanos. E são exatamente esse possível distanciamento dos EUA e a aproximação com a China que estão no centro da ação de Trump.

Desde nossa origem, as classes dominantes brasileiras se associaram de forma subordinada ao capital estrangeiro. Inicialmente, isso foi uma imposição da relação entre a metrópole invasora (Portugal) e a colônia invadida (Brasil). Quando da independência, no século XIX, isto se transformou numa necessidade objetiva: depois de 300 anos de ocupação e exploração colonial, o território brasileiro mal reunia condições para produzir os produtos que necessitava para manter as suas classes (principalmente as mais abastadas). Assim, a economia mundial era a grande fornecedora de capital (dinheiro e mercadorias) para aqueles que viviam no Brasil.

 No século XX, sobretudo após a 2ª Guerra Mundial, nossa economia avançou muito, ao se transformar em uma pujante economia industrial (mas também agrária). Sob a liderança dos EUA, estabeleceu-se uma nova ordem global, assentada na transnacionalização do capital. Em outras palavras, a expansão das empresas no lado ocidental atingiu um patamar em que sua lucratividade depende, cada vez mais, do seu funcionamento simultâneo em vários países, incluindo o Brasil e muitos países asiáticos.

Nesse meio tempo, a China “aprendeu” as regras desse jogo e passou a jogá-lo muito bem. O país conseguiu ascender à sua atual posição dentro desta ordem global imposta pelos EUA. Ou seja, depois de intensos esforços para transformação doméstica, os chineses passaram a ganhar espaço no capitalismo mundial se expandindo através da ordem internacional vigente. Para além do desenvolvimento tecnológico já citado, que coloca o país como concorrente de países avançados, a China passou a se expandir na direção de países atrasados, com acordos de financiamento, compartilhamento de tecnologia, investimentos diretos, etc.

É nesse contexto que precisamos entender a ação de Donald Trump, não apenas a sobretaxa ao Brasil, mas ao mundo (Coreia do Sul e Japão também receberam cartas recentes do presidente). Seguindo seu já conhecido modus operandi de negociação, ele está criando um caos inicial que lhe dê maior poder de barganha quando se sentar para negociar. Em outras palavras, ele dá um susto em seu interlocutor ao colocar o sarrafo de suas exigências lá no alto. Em seguida, ele se senta para negociar a partir da altura que ele colocou o sarrafo, dando-lhe maior vantagem na obtenção do resultado que deseja.

Bom, diante disso tudo, onde entram a soberania brasileira e o interesse nacional nessa história? Antes de mais nada, é preciso dizer que os principais afetados pelas sobretaxas são os empresários que exportam para os EUA, em especial, o setor primário-exportador. São eles, também, que compõem uma parte significativa da classe dominante brasileira na atualidade. Para além de uma questão de soberania, que de fato se impõe pela forma (aparência) como o fato se manifesta, enfrentar essas medidas é, em essência, defender os interesses da classe dominante nacional.

Sem trazer qualquer conclusão, apenas uma reflexão, as questões que ficam são: quem, neste momento, está do lado dos “interesses nacionais” e quem é o sabujo que sequer teve coragem de se manifestar contra o ataque ao país? Será que a burguesia é tão subalterna ao ponto de apoiar Tarcísio, mesmo ele tendo reagido como reagiu ao fato? Certamente, quando o bolso pesar, a burguesia vai atrás daquele que defenda o interesse nacional, quer dizer, os interesses da classe dominante, quem quer que ele seja. Assim é o Estado Burguês.


[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Antonio Queirós, Bruno Lins, Ícaro Moisés, Julia Dayane e Lara Souza.


 

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domingo, 13 de julho de 2025

ENTRE GIGANTES, O BRASIL FALA DE PÉ

Semana de 30 junho a 06 de julho de 2025

    

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

 

Na última reunião dos BRICS — bloco que hoje reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Irã, Egito, Etiópia, Indonésia e Emirados Árabes — os debates sinalizaram uma inflexão clara na geopolítica e na economia mundiais. Compondo quase 50% da população mundial, 40% do PIB global e 25% do comércio internacional, o BRICS deixou de ser apenas um grupo simbólico de economias emergentes para se tornar um verdadeiro contrapeso à hegemonia ocidental. Nesse cenário, o presidente Lula ganhou destaque, ao levantar com firmeza a bandeira da desdolarização do comércio global, defendendo a criação de uma nova moeda para transações entre os países do bloco. A proposta não é só econômica: é também política. Trata-se de romper com a dependência do dólar, que historicamente tem sido usado como instrumento de poder e de pressão por parte dos EUA.

A proposta de uma nova moeda, ainda em fase embrionária, foi bem recebida por diversos membros do bloco, que veem nela uma possibilidade concreta de enfrentar o poder desproporcional exercido pelo sistema financeiro ocidental. A discussão, todavia, não foi bem avaliada por Donald Trump, presidente norte-americano, que ameaçou, via redes sociais, taxar em mais 10% “qualquer país que se aliar às políticas antiamericanas do BRICS”.

Além disso, dias após o encerramento da cúpula dos BRICS, Donald Trump também usou suas redes sociais para anunciar uma tarifa de 50% sobre produtos importados do Brasil. Seus motivos? A existência de um "déficit comercial inaceitável" para os EUA nas relações com o Brasil e de uma “caça às bruxas” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que está sendo julgado pela justiça brasileira por tentativa de golpe de Estado.

Em primeiro lugar, a afirmação de déficit estadunidense é factualmente falsa: nos últimos 15 anos, foi o Brasil quem apresentou déficit comercial com os Estados Unidos, e não o contrário. Ou seja, a justificativa de Trump é economicamente distorcida, servindo apenas como pretexto político-eleitoral para alimentar o discurso nacionalista e protecionista que tanto marcou e continua a marcar sua gestão.

Além disso, o argumento de que o Brasil estaria promovendo uma “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro é mais do que uma declaração infeliz. Trata-se de uma clara tentativa de ingerência nos assuntos internos do Brasil, ferindo diretamente os princípios da soberania nacional. Ao atrelar essa narrativa à imposição de tarifas econômicas, o que se desenha é uma pressão política velada, na qual medidas comerciais são usadas como instrumento de intimidação para influenciar o curso de investigações e julgamentos conduzidos pelo Judiciário brasileiro. Em outras palavras, é uma tentativa explícita de enfraquecer a autonomia das instituições brasileiras e de condicionar decisões internas à vontade de interesses estrangeiros, algo inaceitável em qualquer Estado soberano e democrático.

No Brasil, a reação foi imediata: a população criticou duramente a fala de Trump, e o presidente Lula, sem titubear, afirmou que o Brasil não aceitará intimidações, que está aberto ao diálogo, mas que responderá com base no princípio da reciprocidade. Em outras palavras: se vier taxação, virá resposta proporcional. O Brasil não se submeterá a chantagens externas, ainda mais vindas de um político que distorce dados e busca interferir em investigações legítimas de outro país soberano.

O Brasil tem parceiros comerciais tanto no BRICS quanto fora dele, e não depende exclusivamente dos Estados Unidos para manter sua balança comercial saudável. Além disso, o país ocupa uma posição geoeconômica estratégica e rara no cenário global: está entre os dez países mais populosos, com maior extensão territorial e com as maiores economias do mundo. Poucos países reúnem simultaneamente essas três características, e isso não é trivial.  É hora de reconhecer que o mundo já não gira em torno de uma única potência, e que o Brasil tem plenas condições de exercer um papel protagônico, com autonomia e dignidade.

Em resumo? O Brasil não é o quintal de ninguém. Não é satélite dos EUA. Não é “país do futuro” – é país do presente. E se os EUA quiserem impor tarifas e fazer ameaças, que saibam: o Brasil está de pé, forte, estratégico e pronto para responder à altura.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduada em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram:  Brenda Tiburtino, Camylla Martins, Lara Souza, Maria Julia, e Victoria Rodrigues.

  

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sábado, 5 de julho de 2025

O QUE ESTÁ EM JOGO NO BRASIL ATUAL

Semana de 23 a 29 de junho de 2025

  

Rosângela Palhano Ramalho[1]

 

Caro leitor, todas as semanas esta coluna atualiza as informações da conjuntura nacional e fica cada vez mais claro que, se assumíssemos a realidade econômica como aquela retratada pelo jornalismo econômico, já havíamos, como muitos, decretado o fim do governo e do Brasil. Com interesses diversos, a sabotagem ao governo e aos bons resultados da economia continua. A oposição política segue em desespero por um candidato competitivo à presidência da República em 2026, na esteira de um zumbi chamado Jair Bolsonaro. Enquanto isso, a elite econômica, órfã também de candidato, alimenta o tradicional ranço contra os governos alinhados à esquerda política e desvia o olhar do grande volume de desonerações e benefícios recebidos da máquina pública, para o ajuste fiscal.

            A política de juros altos, encabeçada pelo Banco Central, segue voraz na tentativa de conter a economia. A taxa aumentou de 14,75% para 15% na última reunião do Copom, quando a inflação registra queda de 0,36% para 0,26% entre maio e junho, segundo o IBGE. Uma semana antes, foi divulgado o monitor do PIB calculado pela FGV, que apresentou queda de 0,4% em abril comparada a março, quando cresceu 1,3%. Outro indicador, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) apresentou alta de apenas 0,16% em abril, quando em março havia crescido 0,71%. Portanto, está em curso não só a desaceleração da inflação, mas também um arrefecimento da atividade econômica. Mesmo assim, o incômodo continua, afinal, a economia insiste em crescer. Por isso, o Copom já avisou em sua ata, que o arrocho monetário ainda não foi suficiente, e que está disposto a manter o aperto pelo tempo que for necessário.

Infelizmente, querido leitor, inverteu-se a interpretação da conjuntura econômica. Enquanto o jornalismo festeja o aumento dos juros, os bons resultados vêm acompanhados sempre de muitos “ses”. Pois, ao que parece, nada deve ser considerado como positivo a não ser uma baixa inflação acompanhada de um severo ajuste fiscal. Nesta frente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad encabeça as negociações para manter a execução das políticas públicas. Suas idas ao Congresso Nacional, viraram quase um pedido de licença para que o governo exerça a função de governar. Cobrando, e sem direcionar onde cortar gastos, os parlamentares tentam, por motivações políticas e econômicas, encurralar o governo, que, por sua vez, busca cumprir o arcabouço fiscal por meio da alta na arrecadação. O instrumento de disputa da vez é o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para algumas operações que passariam a ser taxadas e outras que têm previsão de aumento de alíquotas.

Ainda sem acordos no que diz respeito à questão fiscal, percebe-se que o conteúdo passou a integrar 99% dos artigos de opinião e editoriais dos maiores dos noticiários do país, enquanto os dados conjunturais da economia brasileira e os consequentes avanços sociais são sistematicamente omitidos. Instituições externas palpitam e aconselham o Brasil sobre a necessária disciplina fiscal. Richard Gnodde, vice-presidente do Goldman Sachs, opinou que para manter sua atratividade, o país precisa “promover reformas estruturais certas” para “crescer e superar o desafio fiscal”. Já o Banco Mundial informa que o Brasil precisa fazer ajuste fiscal de 3%, incluindo, na pauta, novas reformas previdenciária e administrativa. Que falta de pudor. Por que não estamos surpresos? O ajuste “certo” só o é se punir os pobres.

Enfim, aqueles que alimentam o cenário melancólico de liquidação deste governo, 1 ano e meio antes das eleições de 2026, parecem estar vivendo como Bobby. Personagem principal da série infantil O Fantástico Mundo de Bobby, veiculada na década de 1990, Bobby vivencia sua vida cotidiana de forma fantasiosa e fantástica, a partir da sua mente imaginosa. Mas, o limite entre a fantasia e a realidade é perfeitamente claro quando o episódio aventuresco termina. Por aqui é diferente. Enquanto novos episódios de disputa são criados, oposição política e analistas econômicos tentam encurralar a sociedade brasileira em sua realidade imaginada.


[1] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Rubens Gabriel, Antônio Queiroz, Mateus Eufrásio, Nelson Rosas, Júlia Bomfim e Julia Dayane.

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sexta-feira, 20 de junho de 2025

CONFLITO ANUNCIADO, APOIO CONDICIONAL E SILÊNCIO CALCULADO

Semana de 09 a 15 de junho de 2025

   

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

 

Na última sexta-feira (13), Israel lançou uma série de ataques aéreos contra instalações nucleares iranianas, incluindo os complexos de Natanz e Arak. A ofensiva foi justificada por Tel Aviv como uma ação “preventiva” para conter o avanço do programa nuclear do Irã, que, segundo Israel, estaria próximo de alcançar capacidade armamentista. Em resposta, o Irã iniciou contra-ataques com mísseis e drones, marcando uma escalada direta e inédita entre os dois países, que historicamente vinham se enfrentando por meio de proxies e operações indiretas.

Assim, o atual conflito entre Irã e Israel não ocorre em um vácuo geopolítico, tampouco seus desdobramentos se limitam ao Oriente Médio. Ele reverbera em múltiplas camadas: diplomáticas, militares e, principalmente, econômicas. A análise conjunta desses três elementos permite enxergar a complexidade e os dilemas do sistema internacional diante de uma escalada militar envolvendo dois atores historicamente antagônicos.

No campo diplomático, o comportamento das potências globais expõe uma ambiguidade estratégica. Os Estados Unidos, tradicional aliado de Israel, oscilam entre um apoio tácito à ofensiva de Netanyahu e tentativas de dissociação retórica. Isso fica evidente nas declarações ambíguas de Donald Trump, que ao mesmo tempo em que exaltou o poderio militar americano e insinuou ter o líder iraniano sob mira, também recuou, ao afirmar que não tomaria medidas imediatas e adotou um tom sarcástico diante das reações do Irã. Sua retórica beligerante, ao mesmo tempo em que ameaça diretamente o líder iraniano, também sugere a busca por uma "rendição completa" como solução. Já Rússia e China, ainda que aliadas do Irã em discurso, também não apresentam sinais de envolvimento ativo. A retórica de mediação desses países parece mais orientada à manutenção de influência regional e proteção de seus próprios interesses estratégicos – como as sanções que enfrentam – do que a qualquer real disposição de confronto com Israel ou os EUA.

O Irã, por sua vez, adota um discurso de resistência que ecoa seu histórico de confrontos indiretos com o Ocidente, mas a rejeição ao ultimato americano pode ser interpretada tanto como firmeza nacionalista, quanto como uma jogada calculada para evitar negociações em posição de fraqueza. A cautela na resposta – ainda que envolta em ameaças – indica que Teerã entende os riscos de uma guerra aberta com o aparato militar americano.

Essa hesitação generalizada pode ser entendida como um sinal de que ainda não existe grande interesse entre as potências em transformar o embate em uma guerra regional de grandes proporções. Por enquanto, os aliados ideológicos parecem agir com parcimônia. A guerra parece isolada no plano formal, mas certamente será acompanhada de efeitos colaterais e transnacionais profundos.

No campo econômico, um dos impactos sobre o qual mais se fala é o efeito em cadeia, desencadeado via preços. O conflito afeta diretamente o preço do petróleo, um dos ativos mais sensíveis ao risco geopolítico. Como o Fed, o BCE e outros bancos centrais encontram-se acuados entre inflação, volatilidade cambial e risco sistêmico. Paralelamente, a instabilidade no Golfo Pérsico tende a elevar a volatilidade nas bolsas de valores e a comprometer a previsibilidade dos bancos centrais. Uma das consequências disso poderá ser a ruptura de modelos tradicionais de política monetária: os BCs perderão capacidade de previsão, as moedas se tornarão erráticas e os investidores passarão a operar em modo defensivo.

Esse cenário impõe uma leitura pragmática. Nenhuma potência parece querer, de fato, entrar em guerra; mas os países também não podem se mostrar passivos, sob pena de perder influência. O resultado é um teatro de declarações firmes, que inflamam as tensões, enquanto a economia global paga o preço da instabilidade. A “guerra que não interessa a ninguém” torna-se, paradoxalmente, um fator de desorganização estrutural dos mercados e da ordem global.

Enquanto isso, em um timing digno de roteiro político mal escrito, um grupo de prefeitos brasileiros decidiram embarcar rumo a Israel justamente no auge da escalada militar com o Irã. Entre eles, Cícero Lucena, prefeito de João Pessoa. Em vez de priorizar agendas locais urgentes — como saneamento básico, saúde pública e educação — o prefeito optou por visitar um país em guerra, sob o pretexto de “troca de experiências” e “inovação tecnológica”. Aparentemente, a gestão de conflitos armados entrou no currículo da administração municipal. Resta saber se os gestores voltarão com drones, escudos antimísseis ou apenas com selfies ao lado de bunkers, enquanto suas cidades seguem enfrentando problemas bem mais concretos e menos cinematográficos.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduanda em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Antonio Queirós, Camylla Martins, Julia Bomfim, Julia Dayane e Nelson Rosas.

 

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sábado, 14 de junho de 2025

DOR NA PALESTINA, FELICIDADE (AINDA INCOMPLETA) NO BRASIL

Semana de 02 a 08 de junho de 2025

   

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Caro leitor, antes de iniciar a análise propriamente dita, preciso destacar dois temas que trazem sentimentos opostos.

O primeiro é a, cada vez mais, escancarada ação genocida do Estado de Israel contra a população da Palestina. Se, desde o começo, a desproporção do ataque do Estado judeu já foi flagrante, não é de hoje que o que tem acontecido por lá se transformou em um massacre abominável. Campos de concentração, há. Pessoas passando fome, também. O que está faltando para que isto seja chamado de holocausto palestino, câmara de gás?

 O segundo tema a ser destacado é que, nesta semana que ainda não terminou, não há a menor possibilidade de qualquer brasileiro com o mínimo de intelecto escrever algo e não falar do prazer em ver militares sentados no banco dos réus da justiça civil. É muita alegria ver um troglodita, metido a corajoso, se amofinar diante de um juizado composto pela Suprema Corte do país. Nesse momento, para além das lembranças de toda a pressão contra as Eleições de 2022, vem à mente, também, o conjunto de iniquidades praticadas por Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19. É possível que, pela primeira vez na nossa história, vejamos uma rápida (mesmo que tímida) resposta às atrocidades praticadas por militares brasileiros. Para termos a cereja em cima do bolo, só faltaria mesmo a burguesia que o apoiou pagar junto. Mas, eu sei, isto é querer demais... Enfim, vamos aos fatos da semana que já acabou.

 Como já foi trazido na análise passada, há uma verdadeira guerra de narrativas acerca dos fatos sobre a economia brasileira. Os dados mostram uma melhora significativa em várias dimensões, desde a queda na desigualdade de renda até o aumento nos investimentos e nas exportações. Porém, os noticiários vivem afirmando que isto é um problema para o país, que não deveríamos crescer tanto e gerar tanto emprego.

De acordo com os dados oficiais do IBGE, a economia brasileira cresceu 1,4% entre o último trimestre de 2024 e o primeiro trimestre de 2025. No contexto das confusões internacionais, lideradas por Donald Trump, nosso crescimento foi maior do que o da União Europeia (0,3%) e o do G7 (0,1%), ficando atrás, contudo, de outros países emergentes, como a China (5,4%).

Detalhando um pouco, é importante destacar que houve uma forte contribuição da Agropecuária no crescimento geral, que saltou 12,2% no período. Esta cifra reflete uma recuperação da forte queda do fim do ano passado (-4,4%). No caso dos Serviços, não houve uma mudança significativa em relação ao período anterior, crescendo 0,3% nesses primeiros meses de 2025. Contudo, a Indústria de Transformação foi o ponto negativo, literalmente, tendo em vista que o PIB do setor caiu 1,0%. Por sua vez, a Construção Civil reduziu em 0,8% seu PIB. A situação geral da Indústria só não foi pior por causa da Indústria Extrativa (+2,1%) e dos Serviços Industriais de Utilidade Pública (+1,5%).

Para encerrar a descrição dos dados sobre o PIB, alguns componentes da demanda foram destaques positivos: os aumentos de 3,1% nos Investimentos e de 2,9% nas Exportações. Isto mostra maior pujança da atividade econômica, pois corresponde, por um lado, a um aumento na capacidade produtiva, nas contratações e na geração de renda, e, por outro, a um aumento nas vendas internacionais, o que traz uma maior quantidade de dólares para o país. Contudo, o aumento de 5,9% nas Importações reflete uma fraqueza de longa data na estrutura produtiva brasileira. Nas últimas décadas, sempre que precisamos crescer, tivemos que comprar mais do resto do mundo por falta de capacidade produtiva interna. Isto se reflete, sempre, no aumento da inflação.

Bom, reforçando o que já foi dito em análises anteriores, em especial a da semana passada, não dá para encontrar uma conexão crível entre os fatos e a narrativa que tem sido criada sobre a economia do Brasil. Muito longe do ideal, as políticas que estão sendo adotadas buscam romper a perversa lógica da contenção da inflação pelo sufocamento da economia. O problema é que, como têm mostrado as pesquisas de intenção de votos, parece que isto não chega plenamente à realidade das pessoas. Mas aí o problema já é outro, está no próprio capitalismo.

Deixemos essa discussão para outro dia...


[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Antonio Fontes, Bruno Lins, Camylla Martins, Guilherme de Paula,  Lara Souza, Nelson Rosas, Rosângela Palhano e Victoria Rodrigues.

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sexta-feira, 6 de junho de 2025

O BRASIL À BEIRA DO COLAPSO? A VERDADE CAMUFLADA PELO JORNALISMO ECONÔMICO

Semana de 26 de maio a 01 de junho de 2025

   

Rosângela Palhano Ramalho[1]

 

Estimado leitor, diante dos últimos dados publicados sobre a conjuntura econômica, não temos outra escolha a não ser continuar denunciando a intensa sabotagem pela qual vem passando o governo brasileiro neste âmbito. Mesmo diante dos excelentes resultados econômicos, a imprensa brasileira, através de suas manchetes, crava o discurso de que o crescimento econômico é ruim para o país. É impressionante como o dogma econômico do combate ao mal inflacionário (a inflação está acima da meta, mas não há descontrole) foi assimilado ao ponto das opiniões teóricas divergentes e dos afetados pelas decisões de política econômica serem totalmente vetados pela imprensa. Quando os juros se alteram, não escutam os setores comercial e produtivo; quando o desemprego cai e/ou a renda aumenta, não escutam os trabalhadores ou os seus sindicatos; quando se introduz políticas sociais, não se ouve os beneficiados e as transformações que elas produzem em suas vidas. Todas essas vozes foram caladas. Ouve-se apenas um lamento: crescer gera inflação. E inflação deve ser combatida pelo asfixiamento da demanda. O jornalismo econômico virou o samba de uma nota só.

Assim como diz a canção de Tom Jobim, a imprensa não quis todas as notas e, para não correr o risco de ficar sem nenhuma, escolheu ficar numa nota só... Mas não estamos falando de amor, e sim da economia. E ela é complexa. Os recentes resultados econômicos foram bons e aqui os apresento. O IBC-Br, indicador do PIB calculado pelo Banco Central, avançou 1,3% no primeiro trimestre; a produção agroindustrial cresceu 3,6% em março pela terceira vez seguida e fechou o primeiro trimestre com aumento de 1,6%, segundo Índice de Produção Agroindustrial da FGV Agro; o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apurou abertura líquida de 257.528 vagas de trabalho com carteira assinada em abril, resultado bem acima das 170.513 vagas previstas pelo Valor Data; o Índice de Confiança do Comércio (Icom) da FGV está se recuperando e apresentou alta de 1,2 ponto em maio e chegou a 88,7 pontos (numa escala máxima de 200); o Índice de Confiança de Serviços (ICS) também da FGV, cresceu 1,5 ponto em maio, para 91,9 pontos; e, por fim, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), que é uma prévia da inflação, subiu 0,36% em maio ante 0,43% em abril, segundo o IBGE, e, de novo, o Valor Data errou, pois estimava crescimento de 0,44%.

Entretanto, todos estes resultados foram tratados no jornalismo como grandes decepções e/ou surpresas (negativas, é claro!). A realidade se comporta de forma diferente do que prevê o dogma teórico e ao invés de a teoria ser questionada, procura-se um culpado por ela não estar funcionando como deveria. O bode expiatório se reveza entre a resiliência da atividade econômica e Lula. A resiliência pode ser quebrada a qualquer momento pelos juros, então se pode conviver com ela, mas Lula precisa ser parado! Chega de inconsequências! Reajuste salarial dos servidores públicos? Política de valorização do salário-mínimo? Liberação do FGTS? Benefícios sociais? Isenção do Imposto de renda para quem ganha menos? Nada disso. Os teóricos dogmáticos e aqueles que são beneficiados por suas soluções econômicas encontraram a desculpa perfeita: a culpa é de Lula, o esbanjador que quer se reeleger.

Por isso, o jornalismo econômico e seus respectivos editoriais vendem a ideia de que uma tragédia está em curso pois “há a possibilidade de o PIB do Brasil crescer 3% em 2025” e, como “a economia vai continuar super resiliente”, isto “vai pressionar” a inflação. Não, não há pressão inflacionária. Isto é mentira. O PIB está crescendo e a inflação está caindo. É isto que as estatísticas mostram. A choradeira é vergonhosa. Contenham-se! Façam-se a seguinte pergunta: por que a economia cresce, apesar dos juros altos e com inflação sob controle?

Não. O Brasil não está à beira do colapso. Quem está colapsando são a teoria econômica e os rentistas que não suportam ver a inclusão do povo no orçamento da União.


[1] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Lara Souza, Paola Arruda, Victória Rodrigues, Guilherme Gomes, Ícaro Moisés, Nelson Rosas, Brenda Tiburtino, Maria Júlia Alencar e Miguel Oliveira.


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