domingo, 14 de setembro de 2025

ENFIM CONDENADOS... E O QUE ISTO SIGNIFICA?

Semana de 01 a 07 de setembro de 2025

   

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Em condições normais de temperatura e pressão, esta análise seria focada nos dados do PIB brasileiro no segundo trimestre de 2025. As informações dão conta de uma já esperada desaceleração da atividade econômica, com destaque negativo para a queda de 2,2% nos investimentos. Atribui-se esta redução à política monetária fortemente contracionista, que mantém a taxa real de juros no Brasil em torno de 10%. No total, o PIB brasileiro cresceu 0,4% em relação ao primeiro trimestre de 2025 e 2,2% em relação ao segundo trimestre do ano passado.

Contudo, a semana que passou ficou merecidamente marcada pelo início do “julgamento do século”. Pela primeira vez na nossa história, o país colocou no banco dos réus um ex-presidente da República, responsável por tentar realizar um golpe de Estado. E o condenou. Diante da nossa história, isto não é nada trivial.

Ainda no Brasil Colônia, toda a estrutura econômico-social do território recém invadido tinha como alicerce a repressão máxima das liberdades da população. Partindo do genocídio dos povos originários, passando pela vinda de portugueses proprietários, até chegar à escravização de africanos, o sistema colonial impediu qualquer tipo de organização espontânea dos que viviam no Brasil à época. Sequer aqueles que atuavam como classe dominante tinham liberdade para desenvolver-se plenamente no país. Por exemplo, a Coroa Portuguesa impôs leis que proibiam a criação de atividades manufatureiras que concorressem com os negócios da metrópole.

Por conta desta imposição, o Brasil passou mais de 300 anos sem constituir, de fato, uma estrutura social diversa e ampla. As pessoas que não fossem ligadas ao funcionamento da capitania ou ao comércio externo, eram meras figurantes. Por isso, mal foram constituídas classes sociais baseadas em interesses próprios e verdadeiramente “nacionais”, sobretudo nos anseios que emanavam da parte subalterna da sociedade. Sempre que surgiram, as revoltas populares foram sanguinariamente massacradas pelas forças militares vigentes.

O sintoma mais evidente desta aberração foi nossa Independência. Em tese, as grandes transformações sociais acontecem quando classes ascendentes se fortalecem a ponto de derrubar a velha estrutura de poder e construir outra em seu lugar. Porém, no caso do Brasil, o “grito de independência” limitou-se a quebrar as amarras que nos ligavam à Portugal, mantendo quase toda a base colonial. O país continuava sob uma realeza de origem portuguesa, com economia monocultora, latifundiária, escravista e exportadora. Esta foi a sustentação da economia cafeeira durante o Brasil Império.

Neste período, o país, de fato, iniciou um processo de transformação mais profundo, porém, de forma lenta, gradual e conciliatória. Em essência, nunca houve uma efetiva derrubada das velhas ações coloniais, mas sua adaptação aos novos costumes e práticas que surgiam. Por sua vez, assim como na colônia, as revoltas populares foram, uma a uma, exemplarmente esmagadas pelo exército imperial. Inclusive, foi neste período que Luís Alves de Lima e Silva se tornou o Duque de Caxias, que lutou em contra estrangeiros, mas também contra provincianos brasileiros revoltados com o Império.

As duas maiores transformações na política do Brasil aconteceram com a Proclamação da República e com a Revolução de 1930, quando novas frações da classe dominante surgiram e reivindicaram seu espaço no comando do Estado (mas sem retirar a tradicional aristocracia agrária dele). Nos dois casos, os militares foram essenciais para essa transformação, pois, seguindo a tradição, foram “o braço forte” e “a mão amiga” dos ocupantes do poder. Desde então, em muitos anos, a vontade da maioria foi absolutamente desrespeitada. Explicitamente, para além dos 15 anos de regime de exceção entre 1930 e 1945, tivemos mais 21 anos de ditadura após o Golpe de 1964.

Enfim, o julgamento que deve se encerrar no dia 12 de setembro de 2025 é um importante marco. Os militares, que sempre se reconheceram como moderadores do poder no Brasil, estão sendo julgados por civis, por atentarem contra a vontade das urnas pela primeira vez. Os mais otimistas acreditam que isto pode representar uma transformação na institucionalidade brasileira.

Contudo, na opinião do humilde redator desta análise, não podemos esperar muito da classe dominante brasileira. Afinal, sua essência violenta (e subalterna) ainda não foi eliminada por nenhuma outra classe que surgiu desde a colonização. Apenas mudou a forma, mas o conteúdo se mantém. Quando for preciso, tenha certeza, caro leitor, que a força militar será usada contra aqueles que se revoltarem contra as verdadeiras injustiças do país. Enquanto este momento não chega, apreciemos com satisfação e prazer este solene momento que antecede a condenação de Bolsonaro e sua gangue.


[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Camylla Martins, Julia Bomfim, Lara Souza, Maria Julia Alencar, Nelson Rosas, Rubens Cunha e Victoria Rodrigues.

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sábado, 6 de setembro de 2025

O MERCADO DO CRIME

Semana de 25 a 31 de agosto de 2025

   

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

 

As últimas notícias brasileiras têm exposto algo maior que um caso policial: um “choque de real” sobre como fluxos ilícitos vêm atravessando setores-chave da economia formal. O esquema, revelado na semana passada, em uma das maiores operações já realizadas contra o crime organizado no Brasil, mobilizou 1,4 mil agentes da Polícia Federal, do Ministério Público de São Paulo e da Receita Federal, em oito estados, refletindo a dimensão da rede criminosa. Segundo as investigações, a estrutura de lavagem de dinheiro do PCC envolvia 1,2 mil postos de combustível, 42 fundos de investimento, fintechs e usinas de etanol. Assim, a nova “indústria do crime” movimentou cerca de 140 bilhões de reais em cinco anos, conferindo aparência de legalidade aos recursos obtidos com o tráfico e outras atividades ilícitas.

Esse movimento revela, em verdade, um fio condutor baseado na financeirização e na busca por escala, cuja lógica empresarial é apropriada para dar aparência de legalidade ao capital do crime, afetando a concorrência, elevando riscos institucionais e contaminando mecanismos de intermediação financeira e produtiva. O esquema demonstra método, sofisticação e normalização do dinheiro do crime dentro de engrenagens reguladas, operando com eficiência mercadológica e aproveitando brechas de governança e fiscalização. O efeito macroeconômico? Aumento do risco institucional, elevação dos prêmios de risco setoriais, contaminação de preços e erosão da confiança nos mecanismos de intermediação financeira e produtiva.

A grosso modo, caro leitor, é a “mão invisível” do livre mercado auxiliando a institucionalização e a complexificação de facções como o PCC no Brasil. Há quem diga, em momentos de loucura, ignorância ou desonestidade, que é a esquerda a maior apoiadora da criminalidade no país. Pois bem, não foi o que revelou a investigação da Polícia Federal. Muito pelo contrário, toda essa situação demonstrou como a própria estrutura do crime se ampara nos mecanismos de mercado para florescer.

Foi assim que o crime organizado conseguiu se infiltrar no coração do sistema financeiro brasileiro. Dos 350 alvos, 42 mantinham escritórios na Avenida Faria Lima, epicentro do mercado de capitais do país, sinalizando a sofisticação e o alcance da rede criminosa. De acordo com a PF, o esquema era liderado por Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Louco, e Mohamad Hussein Mourad, o Primo, empresários do setor de combustíveis em São Paulo, tendo como peça central a BK Instituição de Pagamento, conhecida como BK Bank, que servia como principal canal de bancarização e circulação dos recursos ilícitos. As investigações também apontam que a facção adquiriu usinas de etanol e teria envolvimento em incêndios criminosos em canaviais, que causaram prejuízos milionários a concorrentes, ampliando ainda mais seu controle sobre a cadeia sucroenergética.

Para o terror da extrema direita, a atuação do governo federal, sob a liderança de Lula, mostra que o crime organizado deve ser combatido de forma coletiva e coordenada. Sem slogans megalomaníacos, sem discurso violento, sem instrumentalização do ódio, o governo combate o cérebro do crime como ele deve ser combatido: com estratégia. Ao conduzir uma operação de grande escala, o Planalto demonstrou compromisso sério e estruturado no combate ao PCC e a outros ilícitos, reforçando a presença do Estado em setores estratégicos da economia.

Além disso, a ação envia um recado claro ao cenário internacional, sinalizando ao governo americano que o Brasil não é omisso diante das organizações criminosas e que está preparado para enfrentar os desafios da segurança nacional. A combinação de medidas firmes e visibilidade estratégica fortalece a credibilidade do país no combate ao crime e reafirma a centralidade do governo federal na proteção das instituições e da ordem econômica, sem abertura de margem para ingerências externas. Com determinação e ação coordenada, o Brasil mostra que é possível vencer o crime organizado e construir um futuro mais seguro e justo para todos.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduada em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram:  Antonio Queirós, Bruno Lins, Julia Dayane, Lara Souza, Nelson Rosas e Ryann Félix .

  

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domingo, 31 de agosto de 2025

O CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO (E SUA INCÔMODA “RESILIÊNCIA”)

Semana de 18 a 24 de agosto de 2025

   

Rosângela Palhano Ramalho[1]

 

Estimado leitor, nossas últimas análises tiveram como foco a guerra tarifária que os Estados Unidos declararam ao Brasil, seus interesses, desdobramentos e possíveis consequências sobre nossa economia. O governo reagiu e lançou o Plano Brasil Soberano. As medidas paliativas que o integram visam proteger o emprego dos trabalhadores nos setores afetados pela elevação tributária, em virtude da recusa do governo americano em dialogar.

Enquanto Lula busca amenizar os problemas internos gerados pelas tarifas trumpianas, a gang bolsonarista e seu líder, alimentam, no Congresso Nacional e nas redes sociais, a ideia de que é possível uma intervenção americana na justiça brasileira. Na dimensão quimérica que habitam, o Judiciário do país cederia à chantagem tarifária dos Estados Unidos e simplesmente sustaria todos os processos contra Jair Bolsonaro. A lorota sustenta a ilusão de cegos seguidores, golpistas e falsos patriotas. Felizmente, o líder da tentativa de golpe de Estado segue em prisão domiciliar e fazendo uso de tornozeleira. Agora, terá que explicar a movimentação de R$ 30,6 milhões, acontecida entre 01/03/2023 e 07/02/2024, conforme apuração da Polícia Federal. O fluxo milionário traz à luz um novo delito para o currículo de Jair: a lavagem de dinheiro, motivo de nova investigação.

Estes assuntos dominaram as manchetes dos noticiários desta semana. No âmbito da economia, levantamentos importantes foram publicados. A atividade econômica recuou 0,1% em junho, quando comparada a maio, conforme resultado apresentado pelo IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central). A composição setorial do indicador foi a seguinte: alta de 0,1% da agropecuária e dos serviços e queda de 0,1% da indústria. Láureas sejam dadas ao Comitê de Política Monetária (Copom), que tem se esforçado para superar a “resiliência” da economia brasileira, dando-lhe o purgante dos juros. A inflação também caiu. O IPCA-15, em prévia do índice mensal de agosto, registrou deflação de 0,14%.

Mesmo com as quedas simultâneas do crescimento e dos preços, o discurso predominante dos economistas, dos analistas oriundos do mercado financeiro e do Banco Central é o de que ainda não é possível abandonar a política monetária restritiva. Todos os especialistas ouvidos pelo jornal Valor Econômico concordam que a economia ainda não arrefeceu o suficiente. E por quê? Economista do BNP Paribas concorda que “o dado ainda revela perda de ritmo da atividade muito lenta, que não dá força à tese de antecipação do afrouxamento monetário.” Já uma economista da FGV indica que o problema está no mercado de trabalho, que insiste em “não dar sinais de desaceleração mais firme, ao passo que questões como o pagamento de precatórios no meio do ano podem dar algum fôlego adicional para o consumo das famílias.”

O que de fato incomoda os analistas econômicos, já que a inflação que está sob controle e não apresenta sinais de aceleração? A queda do desemprego! A taxa média geral de desemprego brasileira caiu de 7% para 5,8% entre o primeiro e o segundo trimestres. É o menor nível da série histórica apurado pela Pnad Contínua. No dogma econômico estabelecido, desemprego baixo significa crescimento econômico, mais renda em circulação, que leva a mais consumo e... à inflação! A queda dos preços em agosto também não impactou o presidente do Banco Central. Em suas últimas declarações, Gabriel Galípolo deixou claro que “a taxa de juros permanecerá alta por um longo tempo, pois a “convergência para a meta inflacionária está acontecendo de forma muito lenta.”

Portanto, ao invés de reestruturar o sistema de metas, tornando-o compatível com o crescimento do país, a autoridade monetária escolhe lançar parte dos trabalhadores brasileiros na fila do desemprego, sob o pretexto de controlar uma inflação que está sob controle. O curioso é que ao acessar a página eletrônica do Banco Central consta que sua missão é: “Garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade.” Entretanto, o texto esconde que a busca pela estabilidade se dará sempre pelo sacrifício do bem-estar econômico dos trabalhadores da sociedade.


[1] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Camylla Martins, Rubens Gabriel, Victória Rodrigues, Nelson Rosas, Júlia Bomfim e Maria Júlia Alencar.

 

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sexta-feira, 15 de agosto de 2025

É POSSÍVEL GANHAR ALGO COM O TARIFAÇO?

Semana de 04 a 10 de agosto de 2025

   

Lucas Milanez de Lima Almeida [1]

 

Certamente, o caro leitor já deve ter visto inúmeras análises sobre o tarifaço (ou tarifinho, a depender do analista) imposto por Trump ao Brasil. Apesar de ter se aproveitado dos sabujos que são a família Bolsonaro e a extrema direita do país, a real motivação para ele foi a tentativa ianque de reconfigurar o comércio internacional a seu favor. Dentre as análises mais divulgadas, destaco aquela que, apesar dos pesares, vê o tarifaço como uma oportunidade para o Brasil.

Seria quase uma versão minimizada dos choques externos que vivemos no início do século passado, com a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais e com a Grande Depressão da década de 1930. À época, o Brasil tinha uma economia fundamentalmente agrária, que dependia das exportações de bens primários (principalmente o café) para ser dinamizada. Com as Guerras e a crise iniciada em 1929, a economia internacional reduziu suas compras de produtos brasileiros e o país teve que se virar para manter sua economia funcionando. Nos primeiros momentos, o óbvio aconteceu: nossa economia refletiu o movimento da economia mundial e desacelerou.

Porém, como havia espaço para o desenvolvimento doméstico, isto rapidamente se transformou em oportunidade. Indústrias logo começaram a produzir os bens que estavam faltando no mercado mundial e a produção local foi substituindo a entrada desses produtos que se exauriam. O resultado foi um intenso, mas limitado, início de industrialização por substituição de importações (que foi um processo histórico muito mais complexo do que apenas isto).

Por outro lado, os produtos que o país exportava ficaram pouco rentáveis, porque a demanda mundial também arrefeceu para os produtos nacionais. Algumas atividades, como a cafeicultura, se beneficiaram de políticas estatais de manutenção de produção, emprego e renda. Contudo, para manter a lucratividade, outros exportadores foram obrigados a diversificar seus investimentos. A médio e longo prazos, isto colaborou com criação de novos setores produtivos e, consequentemente, novas dinâmicas econômicas.

Logicamente, há diferenças cavalares entre o Brasil de hoje e o da primeira metade do século passado. Contudo, há elementos que permanecem iguais. Por exemplo, a economia brasileira ainda tem nas exportações de produtos primários sua principal fonte de dólares. Além disso, apesar da mudança de paradigma tecnológico, temos fontes abundantes dos principais insumos consumidos pelas tecnologias mais avançadas, como as terras raras.

É neste contexto que muitos analistas consideram que esta poderia ser uma janela de oportunidade para o país. Porém, diferentemente do que ocorreu no século passado, agora não seria apenas voltar nossas atenções para simplesmente atender o mercado doméstico. Dessa vez poderíamos fomentar uma dinâmica interna, por um lado, a partir do beneficiamento e transformação daquilo que exportamos com baixo valor agregado e, por outro, buscando novos parceiros ao redor do planeta. Por exemplo, ao invés de exportar o silício para Taiwan, produzir o chip e vender à Europa; ao invés de só vender o európio, desenvolver TVs e monitores de alta resolução.

Bem, no pacote das coisas que não mudaram entre o Brasil de ontem e o de hoje, infelizmente, temos o fato de o país não deter infraestrutura técnico-científica necessária para o desenvolvimento de novas forças produtivas. Nossos parques industrial e de P&D continuam consideravelmente atrasados em relação aos países que estão na ponta de lança do desenvolvimento tecnológico. Ainda é gritante esse hiato e isto, paradoxalmente, seria nossa janela de oportunidade. Como diriam os mais esperançosos: capacidades produtiva e tecnológica se constroem.

Quem sabe, com muita atuação estatal e esforço social talvez seja possível dar o salto adiante no desenvolvimento. Contudo, o país precisa de classes dominantes interessadas nisto. E é aí que vem a questão: quem disse que as frações dessa classe dominante de hoje estão dispostas a bancar este projeto? No passado, ao que parece, o desenvolvimentismo nacionalista era propagado e apoiado pelas “elites”, em especial, a industrial. Mas, o caro leito realmente acha que a elite atual, dentre os quais banqueiros, agroexportadores e grande mídia, está disposta a encampar um projeto desses?

A pergunta é retórica...


[1] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Bruno Lins, Camylla Martins, Julia Bomfim, Mateus Eufrásio, Maria Julia Alencar e Nelson Rosas.


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sábado, 9 de agosto de 2025

ENTRE TARIFAS E ALGEMAS, BRASIL RESPONDE

Semana de 28 de julho a 03 de agosto de 2025

  

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

 

Em mais uma demonstração de instabilidade política e econômica, Donald Trump decidiu amenizar o chamado “tarifaço” contra o Brasil, retirando da lista de produtos taxados cerca de 700 itens – aproximadamente 40% do total exportado pelo país aos Estados Unidos. Entre os beneficiados estão tecnologias da Embraer, minerais estratégicos e alguns produtos alimentícios, como o suco de laranja, que havia se tornado um símbolo nas discussões sobre a medida. Vale lembrar que Trump prometeu iniciar a cobrança em 1º de agosto, mas também recuou nesse aspecto e adiou seu início para o dia 6 de agosto, num típico movimento “morde e assopra”. O recado, caro leitor, é claro: Trump não mantém posições estáveis, e essa volatilidade mina previsibilidade nas relações comerciais.

Mais grave que o vaivém é o discurso usado para justificar a sobretaxa. Os Estados Unidos decidiram colocar o Brasil como uma “ameaça incomum e extraordinária” à segurança, política externa e economia nacionais. Fica a pergunta: que ameaça real representa o Brasil para os EUA? O Brasil, tão subestimado pelos Estados Unidos ao longo das décadas, “agora” é motivo de terror?

A verdade, caro leitor, é que essa retórica revela uma contradição gritante. O mesmo país que, por décadas, pregou e impôs o livre comércio mundo afora agora parece convenientemente esquecê-lo. Quando os ventos não sopram a seu favor, os EUA abandonam os princípios que diziam defender e recorrem a um protecionismo disfarçado de medida de segurança. No fim, essa é apenas mais uma mostra de que não são valores econômicos universais que movem a decisão norte-americana, mas sim interesses domésticos e conjunturais.

No campo interno, a tarifa de 50% que se manteve sobre produtos-chave como café, carne bovina, têxteis e calçados certamente vai afetar a rentabilidade dos produtores brasileiros. No entanto, para o consumidor, pode haver um efeito imediato de queda de preços, já que parte da produção que iria para os EUA ficará no mercado interno. Estimativas indicam um impacto pontual de até -0,24 ponto porcentual no IPCA, puxado pela maior oferta de carnes, café e etanol. Ainda assim, há riscos de desestímulo à produção, o que pode afetar o emprego e a renda no país.

Ciente dos desafios, o governo brasileiro preparou um plano de contingência para minimizar o impacto econômico. A estratégia inclui crédito subsidiado, medidas de manutenção de empregos e foco especial em micro, pequenas e médias empresas, que representam uma fatia relevante das exportações para os EUA. Não é a primeira vez que o país adota uma reação rápida: em 2024, diante das enchentes no Rio Grande do Sul, um pacote emergencial de apoio às empresas e reconstrução de infraestrutura evitou um impacto maior sobre o PIB e o emprego, sendo reconhecido como uma ação bem-sucedida. A expectativa agora é que a nova rodada de medidas consiga amortecer os danos do tarifaço, especialmente em setores estratégicos.

Enquanto o Brasil enfrenta turbulências externas, no front interno um acontecimento histórico marca a política nacional: a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes. A medida foi tomada após Bolsonaro descumprir reiteradamente determinações judiciais, reforçando a ideia de que ninguém, por mais popular ou poderoso que seja, está acima da lei. Alvo também de ataques dos EUA, Moraes resiste e reafirma o compromisso do país com o Estado de Direito.

Entre a instabilidade comercial vinda de fora e a reafirmação democrática dentro de casa, o Brasil se encontra num ponto decisivo. A reação ao protecionismo de Trump exigirá habilidade diplomática e diversificação de mercados; a prisão de Bolsonaro, por sua vez, reforça que a democracia brasileira, apesar de todos os desafios, permanece viva e combativa. O que vem pela frente será um teste de resistência — tanto para nossa economia quanto para nossas instituições.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduada em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram:  Ícaro Formiga, Icaro Moisés, Jéssica Brito, Lara Souza, Nelson Rosas e Raquel Lima .

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quinta-feira, 31 de julho de 2025

DEMOCRACIA E ECONOMIA BRASILEIRA RESISTEM; NO GOLPISTA, TORNOZELEIRA ELETRÔNICA...

Semana de 21 a 27 de julho de 2025

    

Rosângela Palhano Ramalho[1]

  

Estimado leitor, os ânimos continuam exaltados no país. O anúncio da tarifação de 50% dos produtos exportados do Brasil para os Estados Unidos, que vigorará a partir de 01 de agosto, e a colocação da tornozeleira eletrônica no criminoso reincidente Jair Bolsonaro, dominaram os assuntos da semana.

Enquanto isso, a economia resiste. A inflação está sob controle, e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo apurou que a Intenção de Consumo das Famílias subiu 0,6% em julho comparada a junho, em virtude do maior acesso ao crédito e de perspectivas profissionais ainda favoráveis. No mercado de força de trabalho o arrefecimento esperado ainda não aconteceu. Um estudo da LCA 4intelligence concluiu que os salários são responsáveis por 2/3 da inflação dos serviços, o que significa que os ganhos salariais continuam a alimentar a economia.

No âmbito externo, desde que Donald Trump passou a ameaçar o mundo com a guerra tarifária, o Brasil vem se preparando para negociar ou retaliar, a depender das condições oferecidas pelo governo americano. A questão é que os Estados Unidos vêm deixando claro em declarações públicas, que seus interesses ultrapassam as singelas questões comerciais, até porque é o Brasil quem arca com déficit nestas transações. Trump utiliza os instrumentos de política comercial para chantagear parceiros e obter ganhos nas negociações internacionais. Além disso, o aumento aleatório das tarifas está servindo para camuflar a sua cobiça pelo Pix, sistema de pagamentos brasileiro que frusta a usura das instituições de crédito americanas, sua insatisfação no regramento interno das poderosas big techs americanas e sua avidez pelos minerais de terras raras disponíveis no território brasileiro.

Por mais incrível que pareça, Trump tem o apoio de políticos e empresários brasileiros que à luz do dia tentam responsabilizar o presidente Lula pelo ataque leviano. Ao lado de Eduardo Bolsonaro – que, claramente, está precisando de tratamento médico e judicial –, os potenciais candidatos à presidência em 2026 a saber, Romeu Zema, Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas e Ratinho Júnior, jogaram os interesses e a soberania do país no esgoto, esperando herdar os votos do inelegível Jair e derrubar o governo Lula.

Enquanto os termos da negociação envolverem a perda da soberania brasileira, através da intervenção nas decisões do Poder Judiciário, não haverá conversa, diz o Brasil. Até agora, todas as tentativas de intimidação à Justiça brasileira não surtiram efeito. Após 8 dias do anúncio da tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros, o ministro Alexandre de Moraes não hesitou em enfeitar o tornozelo do ex-presidente Jair Bolsonaro com um acessório eletrônico de controle. De forma descarada, o réu-mor da trama golpista cometeu novos crimes, e agora o golpista vai responder por coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa e atentado à soberania brasileira. Além disso, a revogação dos vistos americanos de 8 dos 11 ministros juízes do Supremo Tribunal Federal, embora tenha sido motivo de reclamação do governo brasileiro, que cumpre seu papel institucional, foi solenemente ignorada pela Suprema Corte. Com isso, a democracia brasileira continua de pé, embora os golpistas tentem destruí-la a partir da subserviência externa.

Vivenciamos tempos sombrios. Patriotas autointitulados atentam contra sua pátria e políticos eleitos democraticamente declaram livremente que vivem numa ditadura. Os amargos acontecimentos estão sendo registrados em nossa história. E como o PROGEB é longevo, nossos leitores têm a possibilidade de acompanhar em nossas análises, eventos importantes acontecidos há pelo menos 17 anos. No momento, esta coluna registra o início da punição dos inúmeros crimes que foram cometidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, a partir da finalização dos processos abertos contra ele.

Após participar de uma reunião com líderes e parlamentares do Partido Liberal, o delinquente exibiu seu adorno aos repórteres e lançou a seguinte lorota: “Não roubei os cofres públicos. Não desviei recurso público. Não matei ninguém, não trafiquei ninguém. Isso daqui é o símbolo da máxima humilhação.” Felizmente, no Brasil não é o meliante quem define o crime e a punição. Este senhor será preso pelos seguintes delitos: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. E irá para o lixo da história. A política e a democracia brasileira agradecem.


[1] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Bruno Lins, Victória Rodrigues, Mateus Eufrásio, Nelson Rosas, Antônio Queiroz e Julia Dayane.


 

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sexta-feira, 18 de julho de 2025

TRUMP, CHINA, TARCÍSIO E LULA...

Semana de 07 a 13 de julho de 2025

    

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Na última semana, vimos mais um ataque frontal à nossa soberania nacional. Donald Trump anunciou uma sobretaxa de 50% sobre os produtos exportados pelo Brasil aos EUA. Na aparência, e para o círculo da extrema direita, isto seria uma reação em resposta às “ofensivas” do poder judiciário contra Jair Bolsonaro e seus asseclas, que tentaram dar um Golpe de Estado, e contra as redes sociais sediadas naquele país. Além disso, também seria uma resposta a uma relação comercial “injusta” para os americanos. Na essência, o motivo é outro.

Também na semana passada, reuniram-se os países integrantes do BRICS. Dentre outras coisas, o grupo debateu meios alternativos de aumentar seu desenvolvimento socioeconômico, com o objetivo de reduzir a dependência dos EUA. Como têm mostrado as medidas (externas e internas) adotadas pelos EUA há quase uma década, a ascensão da China como uma potência produtiva e tecnológica tem feito frente ao poder global dos norte-americanos. E são exatamente esse possível distanciamento dos EUA e a aproximação com a China que estão no centro da ação de Trump.

Desde nossa origem, as classes dominantes brasileiras se associaram de forma subordinada ao capital estrangeiro. Inicialmente, isso foi uma imposição da relação entre a metrópole invasora (Portugal) e a colônia invadida (Brasil). Quando da independência, no século XIX, isto se transformou numa necessidade objetiva: depois de 300 anos de ocupação e exploração colonial, o território brasileiro mal reunia condições para produzir os produtos que necessitava para manter as suas classes (principalmente as mais abastadas). Assim, a economia mundial era a grande fornecedora de capital (dinheiro e mercadorias) para aqueles que viviam no Brasil.

 No século XX, sobretudo após a 2ª Guerra Mundial, nossa economia avançou muito, ao se transformar em uma pujante economia industrial (mas também agrária). Sob a liderança dos EUA, estabeleceu-se uma nova ordem global, assentada na transnacionalização do capital. Em outras palavras, a expansão das empresas no lado ocidental atingiu um patamar em que sua lucratividade depende, cada vez mais, do seu funcionamento simultâneo em vários países, incluindo o Brasil e muitos países asiáticos.

Nesse meio tempo, a China “aprendeu” as regras desse jogo e passou a jogá-lo muito bem. O país conseguiu ascender à sua atual posição dentro desta ordem global imposta pelos EUA. Ou seja, depois de intensos esforços para transformação doméstica, os chineses passaram a ganhar espaço no capitalismo mundial se expandindo através da ordem internacional vigente. Para além do desenvolvimento tecnológico já citado, que coloca o país como concorrente de países avançados, a China passou a se expandir na direção de países atrasados, com acordos de financiamento, compartilhamento de tecnologia, investimentos diretos, etc.

É nesse contexto que precisamos entender a ação de Donald Trump, não apenas a sobretaxa ao Brasil, mas ao mundo (Coreia do Sul e Japão também receberam cartas recentes do presidente). Seguindo seu já conhecido modus operandi de negociação, ele está criando um caos inicial que lhe dê maior poder de barganha quando se sentar para negociar. Em outras palavras, ele dá um susto em seu interlocutor ao colocar o sarrafo de suas exigências lá no alto. Em seguida, ele se senta para negociar a partir da altura que ele colocou o sarrafo, dando-lhe maior vantagem na obtenção do resultado que deseja.

Bom, diante disso tudo, onde entram a soberania brasileira e o interesse nacional nessa história? Antes de mais nada, é preciso dizer que os principais afetados pelas sobretaxas são os empresários que exportam para os EUA, em especial, o setor primário-exportador. São eles, também, que compõem uma parte significativa da classe dominante brasileira na atualidade. Para além de uma questão de soberania, que de fato se impõe pela forma (aparência) como o fato se manifesta, enfrentar essas medidas é, em essência, defender os interesses da classe dominante nacional.

Sem trazer qualquer conclusão, apenas uma reflexão, as questões que ficam são: quem, neste momento, está do lado dos “interesses nacionais” e quem é o sabujo que sequer teve coragem de se manifestar contra o ataque ao país? Será que a burguesia é tão subalterna ao ponto de apoiar Tarcísio, mesmo ele tendo reagido como reagiu ao fato? Certamente, quando o bolso pesar, a burguesia vai atrás daquele que defenda o interesse nacional, quer dizer, os interesses da classe dominante, quem quer que ele seja. Assim é o Estado Burguês.


[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Antonio Queirós, Bruno Lins, Ícaro Moisés, Julia Dayane e Lara Souza.


 

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