Semana de 22 a 28 de setembro de 2025
Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]
O leitor certamente acompanhou – senão
presencialmente, ao menos pelos meios de comunicação – as manifestações que
tomaram conta das ruas brasileiras no dia 21 de setembro de 2025. Convocadas
por partidos de esquerda, artistas populares e movimentos sociais, as
mobilizações ocorreram em todas as capitais e no Distrito Federal, em resposta
direta à aprovação da chamada “PEC da Blindagem” na Câmara dos Deputados. O
teor da proposta, ao tentar alterar a Constituição para condicionar o início de
processos criminais contra parlamentares à autorização prévia e secreta das
Casas Legislativas, acendeu um alerta vermelho na sociedade civil.
A forte reação popular não foi ignorada
pelo Senado. Já na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a PEC foi
rejeitada, refletindo não apenas a pressão das ruas, mas também o desgaste
institucional que o tema produziu. É preciso lembrar que o ordenamento jurídico
brasileiro já prevê garantias suficientes ao exercício do mandato parlamentar,
com a imunidade material para opiniões, palavras e votos, além da prerrogativa
das Casas Legislativas de sustar processos que considerem abusivos. Nesse
sentido, a tentativa de ampliar ainda mais a blindagem soou como um mecanismo
de autoproteção da classe política contra crimes graves como corrupção, lavagem
de dinheiro e associação criminosa, abrindo brechas inclusive para a
infiltração de milícias e facções na política.
Fato interessante, caro leitor, é o de que
esse episódio conecta-se diretamente a uma discussão global sobre confiança nas
instituições. O mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), amparado na Pesquisa Mundial sobre Valores (WVS), indica que a confiança
nos parlamentos foi a que mais se deteriorou em quase quatro décadas. Entre
1984 e 2022, o índice mundial caiu de 55,2% para 31,3%, praticamente pela
metade. A confiança nos governos também apresentou retração, passando de 50% para
39% no mesmo período. Ainda que os dados não detalhem países específicos, o
diagnóstico ajuda a compreender o que se passa no Brasil.
De fato, a “PEC da Blindagem” simboliza,
para muitos brasileiros, a institucionalização da impunidade. A percepção de
que o sistema político cria mecanismos para proteger os seus próprios
representantes alimenta um sentimento de injustiça e desigualdade, corroendo o
chamado contrato social. A OIT alerta que, sem o fortalecimento desse contrato,
a erosão da confiança ameaça a legitimidade das democracias e enfraquece a
cooperação internacional. Em outras palavras, quando as pessoas percebem que
seus esforços individuais não resultam em recompensas justas, a disposição para
colaborar com a coletividade diminui. Esse quadro, no longo prazo, compromete a
capacidade de adaptação às transformações sociais e torna o progresso em
justiça social ainda mais difícil de ser alcançado.
Por outro lado, as manifestações de
setembro de 2025 revelam a vitalidade da democracia brasileira. A mobilização
popular mostrou-se capaz de influenciar decisões institucionais e de frear uma
proposta que, se aprovada, agravaria a crise de confiança entre sociedade e
parlamento. O Senado, ao rejeitar a PEC já na CCJ, sinalizou sensibilidade ao
clamor social, reconhecendo que a desconexão entre representantes e
representados tem custos políticos cada vez mais altos.
Em síntese, a conjuntura atual traduz a
tensão entre duas forças: de um lado, a persistência de práticas políticas que
reforçam o distanciamento da sociedade; de outro, a pressão popular que busca
resgatar a centralidade do interesse público nas decisões do Estado. O episódio
da “PEC da Blindagem” deve, portanto, ser entendido não apenas como uma disputa
pontual entre Congresso e sociedade, mas como um marco de inflexão: ou o Brasil
enfrenta sua crise de representatividade com reformas institucionais que resgatem
a legitimidade democrática, ou continuará aprisionado em ciclos de descrença e
instabilidade.
[i]
Pesquisadora do PROGEB e Graduan