sexta-feira, 15 de agosto de 2025

É POSSÍVEL GANHAR ALGO COM O TARIFAÇO?

Semana de 04 a 10 de agosto de 2025

   

Lucas Milanez de Lima Almeida [1]

 

Certamente, o caro leitor já deve ter visto inúmeras análises sobre o tarifaço (ou tarifinho, a depender do analista) imposto por Trump ao Brasil. Apesar de ter se aproveitado dos sabujos que são a família Bolsonaro e a extrema direita do país, a real motivação para ele foi a tentativa ianque de reconfigurar o comércio internacional a seu favor. Dentre as análises mais divulgadas, destaco aquela que, apesar dos pesares, vê o tarifaço como uma oportunidade para o Brasil.

Seria quase uma versão minimizada dos choques externos que vivemos no início do século passado, com a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais e com a Grande Depressão da década de 1930. À época, o Brasil tinha uma economia fundamentalmente agrária, que dependia das exportações de bens primários (principalmente o café) para ser dinamizada. Com as Guerras e a crise iniciada em 1929, a economia internacional reduziu suas compras de produtos brasileiros e o país teve que se virar para manter sua economia funcionando. Nos primeiros momentos, o óbvio aconteceu: nossa economia refletiu o movimento da economia mundial e desacelerou.

Porém, como havia espaço para o desenvolvimento doméstico, isto rapidamente se transformou em oportunidade. Indústrias logo começaram a produzir os bens que estavam faltando no mercado mundial e a produção local foi substituindo a entrada desses produtos que se exauriam. O resultado foi um intenso, mas limitado, início de industrialização por substituição de importações (que foi um processo histórico muito mais complexo do que apenas isto).

Por outro lado, os produtos que o país exportava ficaram pouco rentáveis, porque a demanda mundial também arrefeceu para os produtos nacionais. Algumas atividades, como a cafeicultura, se beneficiaram de políticas estatais de manutenção de produção, emprego e renda. Contudo, para manter a lucratividade, outros exportadores foram obrigados a diversificar seus investimentos. A médio e longo prazos, isto colaborou com criação de novos setores produtivos e, consequentemente, novas dinâmicas econômicas.

Logicamente, há diferenças cavalares entre o Brasil de hoje e o da primeira metade do século passado. Contudo, há elementos que permanecem iguais. Por exemplo, a economia brasileira ainda tem nas exportações de produtos primários sua principal fonte de dólares. Além disso, apesar da mudança de paradigma tecnológico, temos fontes abundantes dos principais insumos consumidos pelas tecnologias mais avançadas, como as terras raras.

É neste contexto que muitos analistas consideram que esta poderia ser uma janela de oportunidade para o país. Porém, diferentemente do que ocorreu no século passado, agora não seria apenas voltar nossas atenções para simplesmente atender o mercado doméstico. Dessa vez poderíamos fomentar uma dinâmica interna, por um lado, a partir do beneficiamento e transformação daquilo que exportamos com baixo valor agregado e, por outro, buscando novos parceiros ao redor do planeta. Por exemplo, ao invés de exportar o silício para Taiwan, produzir o chip e vender à Europa; ao invés de só vender o európio, desenvolver TVs e monitores de alta resolução.

Bem, no pacote das coisas que não mudaram entre o Brasil de ontem e o de hoje, infelizmente, temos o fato de o país não deter infraestrutura técnico-científica necessária para o desenvolvimento de novas forças produtivas. Nossos parques industrial e de P&D continuam consideravelmente atrasados em relação aos países que estão na ponta de lança do desenvolvimento tecnológico. Ainda é gritante esse hiato e isto, paradoxalmente, seria nossa janela de oportunidade. Como diriam os mais esperançosos: capacidades produtiva e tecnológica se constroem.

Quem sabe, com muita atuação estatal e esforço social talvez seja possível dar o salto adiante no desenvolvimento. Contudo, o país precisa de classes dominantes interessadas nisto. E é aí que vem a questão: quem disse que as frações dessa classe dominante de hoje estão dispostas a bancar este projeto? No passado, ao que parece, o desenvolvimentismo nacionalista era propagado e apoiado pelas “elites”, em especial, a industrial. Mas, o caro leito realmente acha que a elite atual, dentre os quais banqueiros, agroexportadores e grande mídia, está disposta a encampar um projeto desses?

A pergunta é retórica...


[1] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Bruno Lins, Camylla Martins, Julia Bomfim, Mateus Eufrásio, Maria Julia Alencar e Nelson Rosas.


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