segunda-feira, 6 de outubro de 2025

E O POVO FOI ÀS RUAS

Semana de 22 a 28 de setembro de 2025

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

 

O leitor certamente acompanhou – senão presencialmente, ao menos pelos meios de comunicação – as manifestações que tomaram conta das ruas brasileiras no dia 21 de setembro de 2025. Convocadas por partidos de esquerda, artistas populares e movimentos sociais, as mobilizações ocorreram em todas as capitais e no Distrito Federal, em resposta direta à aprovação da chamada “PEC da Blindagem” na Câmara dos Deputados. O teor da proposta, ao tentar alterar a Constituição para condicionar o início de processos criminais contra parlamentares à autorização prévia e secreta das Casas Legislativas, acendeu um alerta vermelho na sociedade civil.

A forte reação popular não foi ignorada pelo Senado. Já na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a PEC foi rejeitada, refletindo não apenas a pressão das ruas, mas também o desgaste institucional que o tema produziu. É preciso lembrar que o ordenamento jurídico brasileiro já prevê garantias suficientes ao exercício do mandato parlamentar, com a imunidade material para opiniões, palavras e votos, além da prerrogativa das Casas Legislativas de sustar processos que considerem abusivos. Nesse sentido, a tentativa de ampliar ainda mais a blindagem soou como um mecanismo de autoproteção da classe política contra crimes graves como corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, abrindo brechas inclusive para a infiltração de milícias e facções na política.

Fato interessante, caro leitor, é o de que esse episódio conecta-se diretamente a uma discussão global sobre confiança nas instituições. O mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), amparado na Pesquisa Mundial sobre Valores (WVS), indica que a confiança nos parlamentos foi a que mais se deteriorou em quase quatro décadas. Entre 1984 e 2022, o índice mundial caiu de 55,2% para 31,3%, praticamente pela metade. A confiança nos governos também apresentou retração, passando de 50% para 39% no mesmo período. Ainda que os dados não detalhem países específicos, o diagnóstico ajuda a compreender o que se passa no Brasil.

De fato, a “PEC da Blindagem” simboliza, para muitos brasileiros, a institucionalização da impunidade. A percepção de que o sistema político cria mecanismos para proteger os seus próprios representantes alimenta um sentimento de injustiça e desigualdade, corroendo o chamado contrato social. A OIT alerta que, sem o fortalecimento desse contrato, a erosão da confiança ameaça a legitimidade das democracias e enfraquece a cooperação internacional. Em outras palavras, quando as pessoas percebem que seus esforços individuais não resultam em recompensas justas, a disposição para colaborar com a coletividade diminui. Esse quadro, no longo prazo, compromete a capacidade de adaptação às transformações sociais e torna o progresso em justiça social ainda mais difícil de ser alcançado.

Por outro lado, as manifestações de setembro de 2025 revelam a vitalidade da democracia brasileira. A mobilização popular mostrou-se capaz de influenciar decisões institucionais e de frear uma proposta que, se aprovada, agravaria a crise de confiança entre sociedade e parlamento. O Senado, ao rejeitar a PEC já na CCJ, sinalizou sensibilidade ao clamor social, reconhecendo que a desconexão entre representantes e representados tem custos políticos cada vez mais altos.

Em síntese, a conjuntura atual traduz a tensão entre duas forças: de um lado, a persistência de práticas políticas que reforçam o distanciamento da sociedade; de outro, a pressão popular que busca resgatar a centralidade do interesse público nas decisões do Estado. O episódio da “PEC da Blindagem” deve, portanto, ser entendido não apenas como uma disputa pontual entre Congresso e sociedade, mas como um marco de inflexão: ou o Brasil enfrenta sua crise de representatividade com reformas institucionais que resgatem a legitimidade democrática, ou continuará aprisionado em ciclos de descrença e instabilidade.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduanda em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Antonio Queirós, Bruno Lins, Camylla Martins, Maria Júlia, Nelson Rosas, Icaro Moisés e Victoria Rodrigues.

   

Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog