Nas últimas semanas, a orquestra da economia mundial tem tocado o samba da mesma nota: a valorização cambial. Em análises passadas, vimos que, principalmente por causa da elevada taxa de juro, há uma grande entrada de dólares no Brasil e uma consequente redução da taxa de câmbio. Mas, enquanto o governo e o Banco Central considerarem que a inflação é causada pelo crescimento, estaremos sujeitos a esta partitura.
Um consumidor, quando quer comprar um produto importado, tem que converter o preço expresso na moeda do país de origem em um preço expresso na moeda local para, depois disto, adquirir o produto. Por exemplo, não é possível comprar qualquer produto no Brasil com dólar. É necessário converter o dólar em reais. Por outro lado, por causa da diferença na capacidade produtiva de cada país, as moedas têm diferentes poderes de compra (um dólar nos EUA não compra a mesma coisa que um real no Brasil). Por causa disso, há diferenças de valor entre as moedas. Estas diferenças determinarão as relações de troca entre a moeda local e a estrangeira e vice-versa, ou seja, determinarão a taxa de câmbio de uma moeda por outra. Atualmente, o dólar no Brasil está cotado a R$ 1,70, isto quer dizer que é necessária essa quantia em reais para se obter US$ 1,00.
Imaginemos que uma TV LCD 42", nos EUA, vale US$ 1.000. Se um brasileiro quiser comprá-la, terá que desembolsar R$ 1.700 (sem impostos). Considerando que, no Brasil, este mesmo televisor custa em média R$ 2.000, será melhor para o brasileiro importar a TV. No caso de um brasileiro que queira exportar o televisor ocorre o seguinte: ao valer R$ 2.000, seu produto valerá US$ 1.176. Este valor é superior ao cobrado pelo produto nos EUA, logo, não é vantajoso, para os americanos, comprar do Brasil. Mas, se a taxa de câmbio fosse R$ 2,50, por exemplo, o produto americano, quando convertido, custaria R$ 2.500 ao importador brasileiro. Por sua vez, o exportador daqui venderia a TV lá nos EUA por US$ 800, mais barato do que o produto local. Assim, seria menos vantajoso para o brasileiro importar e mais vantajoso exportar os produtos. Essa lógica é aplicada a todas as mercadorias, sejam elas oriundas do setor primário, secundário ou terciário, e é isso que está por traz da "guerra cambial".
Apresentada a base do samba, vejamos outras notas.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ao divulgar o resultado do Indicador de Nível de Atividade (INA), chegou à conclusão de que, nos últimos meses, as importações atingiram um ritmo de crescimento inédito. A projeção para o crescimento da indústria de transformação paulista este ano ficou em 11%. Porém, segundo o INA, esta cifra poderia ser bem maior, caso o real não estivesse sobrevalorizado e a aquecida demanda interna não fosse suprida pelos produtos estrangeiros. Segundo Paulo Francini, da Fiesp, o setor opera com capacidade folgada. Para ele, "o país nunca correu um risco tão grande de desindustrialização como agora". Além disso, se esta situação continuar, a expectativa é de que, nos próximos anos, a participação do setor no PIB caia, de 15%, para 10%.
Já na indústria de máquinas e equipamentos de todo o país, houve um crescimento de 1,8% na comparação entre setembro de 2009 e setembro de 2010. As exportações do setor avançaram 27,4% em um ano, ao atingir, em setembro, a cifra de US$ 810 milhões, enquanto as importações cresceram 64,2% (também em um ano), ao baterem, em setembro, o recorde de agosto com US$ 2,667 bilhões.
A valorização do real chegou a tal ponto que a Renault do Brasil transferiu o contrato de produção de um modelo, o qual será vendido no México, para a Colômbia. Segundo Denis Barbier, vice-presidente da Renault para as Américas, "ao fazer a equação percebemos que não somos competitivos na produção desse veículo no Brasil para enviá-los ao México". Segundo ele, além do câmbio, outros custos também oneram esta venda (como matérias-primas e salários). Situação semelhante vive o Japão, que viu, em 2009-2010, grandes empresas exportarem suas fábricas para outros países: do total da produção da Toyota, 43% foi no Japão e 57% foi no resto do mundo; na Nissan, 29% foi produzido no Japão e 71% fora; na Sony, 45%, no país e 55%, fora do Japão.
Note que o resultado desta política é a externalização da produção, ou seja, o consumo cresce, mas seu abastecimento fica a cargo do país estrangeiro.
Além do Brasil e do Japão, países como Tailândia, Indonésia, Cingapura e Índia estão preocupados com a desvalorização do dólar. A Coréia do Sul, por sua vez, anuncia a tomada de medidas para o controle dos capitais que ingressam no país.
Mas pelo visto neste samba continuaremos, toda a escala utilizaremos, e se o maestro não mudar, para mesma nota voltaremos e todos neste samba iremos dançar.
Lucas Milanez de Lima Almeida: Mestre em Economia, professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e membro do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.)
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