Já em análises anteriores, temos acompanhado a disputa entre as duas correntes econômicas dentro do governo Lula, que se personalizam no conflito entre o Ministro Guido Mantega, que representa a corrente desenvolvimentista com inspiração keynesiana, e o presidente do banco Central (BC), Henrique Meirelles, representando a corrente mais ortodoxa, neoclássica ou consenso de Washington, como melhor se quiser chamar. Em matéria de política monetária, a opinião do Meirelles sempre prevaleceu, ou seja, não é a toa que temos a maior taxa de juros do mundo. No entanto, após o vexame passado pelo Presidente Lula com a tal estória da “marolinha”, que resultou no tsunami do final do ano passado e diante do perigo de se caminhar para as eleições com o país em crise, o bastão foi passado para o Ministro Mantega e sua equipe, que teve autorização de implementar um violento programa anticíclico de estímulo ao consumo.
Ora, a crise que foi deflagrada no setor financeiro é de fato, como temos demonstrado em nossas análises, mais uma crise cíclica de superprodução, evidentemente com características particulares, como costuma ocorrer. A intervenção realizada foi típica e o seu tamanho pode ser mensurado com os números que pouco a pouco vão aparecendo. Além da redução dos impostos de algumas dezenas de produtos, os bancos oficiais abriram os cofres e o crédito tornou-se mais barato e abundante. O lançamento de programas como “Minha Casa, Minha Vida” inundou o mercado de facilidades para a aquisição de casas, o que estimulou a construção civil, conhecida pelo seu grande poder de “arrastamento” e de criação de emprego. A Caixa Econômica Federal (CEF), que já vinha batendo recordes de financiamento, intensificou a sua ação e, em 2010, deve atingir os R$ 70 bilhões, um montante 50% superior ao de 2009 e 14 vezes superior ao de 2003. Só em setembro, foram feitos, em média, 5340 contratos de financiamento por dia, e espera-se o mesmo ritmo para novembro e dezembro. Segundo o Bradesco, no final de 2010, o volume de financiamentos atingirá 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB), bem acima dos 2,9% de 2009. Como no período do “milagre brasileiro”, nos idos de 70, foi mais uma vez o setor da construção civil que deu o grande tranco para reversão do ciclo no Brasil e, com a ajuda das demais medidas tomadas, permitiu o inicio rápido do período de crescimento que estamos vivendo, ou seja, passamos da crise para a depressão e, em seguida, para a fase de reanimação.
No entanto, as nuvens negras continuam a se acumular no horizonte.
Em primeiro lugar, a situação internacional permanece tensa e os sinais de recuperação são pouco convincentes. Neste momento, os membros do G-20, na reunião de Seul, trocam socos e pontapés na tal guerra das moedas tentando desesperadamente equilibrar os saldos das balanças comerciais. Todos querem aumentar as exportações e reduzir as importações na tentativa de estimular a produção interna e com isto o emprego. Os EUA inundam o mundo de dólares para desvalorizar a moeda, mas os chineses acompanham a desvalorização, mantendo sua ofensiva no comércio mundial. O curioso é que as estatísticas mostram que, por ironia do destino, 55% das exportações chinesas são feitas por empresas estrangeiras que para lá se deslocaram e lá fizeram investimentos e criaram empregos em detrimento de seus países de origem. Ou seja, são as próprias empresas que, a procura de maiores lucros, conspiram contra seus países de origem.
As sugestões para o impasse vão desde o retorno ao padrão ouro, proposta pelo presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, até a do atrevido Mantega, que propôs a substituição do dólar como moeda de referência por uma cesta de moedas onde estariam o nosso Real e o Yuan chinês. (Vejam só!)
Se no exterior as perspectivas não são boas, e já dissemos que sem a colaboração externa o nosso voo será um voo de galinha, por cá as possibilidades estão a se esgotar. O sacrifício das finanças públicas já comprometeu irremediavelmente o tal “superávit primário” tão prometido pelo governo, obrigando-o a molecagens contábeis na tentativa de enganar os credores externos, que já perceberam a manobra. Por outro lado, os recursos do BNDES, que custam ao tesouro o lançamento de títulos com a mais alta taxa de juros do mundo, já se esgotam na medida em que a impagável dívida pública ultrapassa um trilhão de reais.
Aguardemos, portanto o arrocho. Ele vem a caminho.
Texto escrito por:Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira (progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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