quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O chamado “capital fictício”


Semana de 24 a 30 de setembro de 2012


Lucas Milanez de Lima Almeida[i]




            Para entender melhor a crise, vamos recorrer a um conceito criado por um autor que, até 2007, foi considerado ultrapassado, mas, com a crise econômica, se tornou atual. Segundo Karl Marx, capital é “o valor em progressão”, aquele que tem como “objetivo de vida” a sua auto expansão. Isto é possível graças ao trabalhador, que, numa jornada de trabalho, produz mais riqueza do que aquela que foi gasta com ele, como salário. Esta é a mais-valia, que é extraída dos trabalhadores no processo de produção. Porém, para crescer, o capital, além da forma produtiva, tem que assumir as formas dinheiro, para a compra da fábrica e a contratação dos trabalhadores, e a forma mercadoria, que é resultado da produção e deve ser vendida para a obtenção de lucro. Esta é a base da valorização do capital.
            O problema é que, junto com esta forma de crescer, surgiram outras que pouco, ou nada, têm a ver com a criação de riqueza. Em 1894, numa nota de página no Livro 3 de O Capital, Engels já alertara para as “sociedades financeiras” que operavam na Bolsa de Londres, ao afirmar que o capital das empresas havia se multiplicado duas ou três vezes, apenas com a especulação de títulos.
            Segundo o dicionário financeiro, títulos “são papéis vendidos pelos governos ou empresas ao mercado financeiro para obter recursos financeiros. Um título é como se fosse um contrato de empréstimo no qual o tomador do recurso faz uma promessa de pagamento, à ordem da importância emprestada, acrescida de juros convencionais (estipulados no contrato), caso este título seja prefixado, e dos juros mais correção monetária, caso seja pós-fixado”. As empresas emitem vários tipos de títulos (com as mais diferentes nomenclaturas) para arrecadar recursos que serão destinados à ampliação da produção. Neste caso, o título representa capital. Porém, nada obriga o portador a permanecer com ele. Pelo contrário, existem vários tipos de mercados secundários, onde os papéis são negociados com terceiros, quartos, quintos, etc. antes do pagamento dos juros combinados, e por um valor diferente do inicial. Nestes casos, por pura especulação, quando o valor recebido pelo título é superior ao valor pago inicialmente, ou seja, quando o valor se expande na compra e venda de papéis, e não pelo recebimento de parte da mais-valia (juros), surge o capital fictício.
            Se, com o título de uma empresa, há motivos para desconfiar desta valorização fictícia, o que pensar dos papéis emitidos pelos Estados? Os títulos públicos, em sua maioria, não são emitidos para captação de recursos para produção de excedente. Estes, a partida, são capitais fictícios, que pagam juros aos seus proprietários, com os tributos da nação.
            Mas, o que faria os agentes econômicos cometerem tais loucuras? Por incrível que pareça, esta é uma resposta gastronômica: o “apetite por risco” do mercado. Quando o mercado perde o apetite, há aversão ao risco, diminui a especulação e há uma corrida para os ativos mais seguros, como ocorreu com as commodities em 2010, quando os EUA fizeram o segundo afrouxamento monetário. Quando o apetite cresce, aumenta a especulação. Um grupo de investidores está com água na boca, à espera do rebaixamento dos títulos espanhóis ao status de “junk”, que tem alto risco de calote, mas, alto rendimento.
            Que delícia!
            O dinheiro destinado a esta atividade vem de várias fontes: das reservas das empresas, do setor bancário, das pessoas físicas, dos fundos de investimento, dos fundos de pensão, etc. Por exemplo, a Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) tem um patrimônio de R$ 153,5 bi, sendo sua carteira de ações de R$ 90 bi. As políticas monetárias expansionistas também têm contribuído com trilhões de dólares para alimentar esta especulação.
            Aqui no Brasil, o “mercado” anda reclamando, pois o governo não está dando sinais claros sobre a condução das políticas econômicas, e isto pode se tornar um problema. Referindo-se às medidas de estímulo econômico, Nogueira Batista, do IBGC, disse que “O governo e as agências reguladoras precisam aprender a se comportar”, pois, “Tudo o que o governo fala tem poder direto sobre as ações, gerando ou destruindo valor”. Veja-se, por exemplo, as perdas superiores a 40% no Ibovespa, de algumas empresas energéticas, após declarações do governo. É aquela história, “a notícia é tão ruim que perdi até a fome”.
            Se os “investidores” soubessem tudo o que o governo irá fazer no futuro, eles não teriam surpresa e poderiam aplicar seu dinheiro onde fosse mais vantajoso para eles: títulos públicos ou especulação.
            Coitados dos “investidores”! Apesar de destinar 43% do orçamento ao pagamento de juros e amortização da dívida pública, o governo é muito mau com eles.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.)
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