sábado, 10 de maio de 2025

MUITO DINHEIRO

Semana de 28 de abril a 04 de maio de 2025

   

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

 

Já faz um tempo que falamos que a elevação dos juros no Brasil tem imposto um custo elevado ao setor produtivo. Esse impacto, todavia, não é isolado – ele se insere em um quadro mais amplo de fragilidade política e institucional. A alta da Selic, que atingiu 14,75%, vem sendo justificada como uma resposta “ao avanço inflacionário e à deterioração das expectativas”. Seus efeitos colaterais, no entanto, estão se acumulando e seu preço está cada vez mais alto: de um lado, as empresas enfrentam dificuldades crescentes para honrar dívidas e investir; de outro, o setor público vê suas despesas com juros se aproximarem da casa de R$ 1 trilhão anuais.

Do ponto de vista empresarial, os números são alarmantes. Estudo da Alvarez & Marsal, veiculado pelo Valor Econômico na última semana, mostra que as companhias brasileiras terão que desembolsar cerca de R$ 126 bilhões a mais em juros até 2030. Isso significa que uma parte importante do caixa, que poderia ser aplicada em expansão, modernização ou inovação, está sendo “desviada” para sustentar uma estrutura de endividamento cada vez mais pesada. Já em 2025, os gastos adicionais estimados com juros somam R$ 26 bilhões, comprometendo o fôlego de empresas de diversos setores, especialmente aquelas que atuam em indústrias intensivas em capital, como siderurgia, petroquímica e infraestrutura.

Do outro lado da mesma moeda está o setor público: o Brasil gastou, em 12 meses até fevereiro, mais de R$ 923 bilhões apenas com o serviço da dívida — valor que representa quase 8% do PIB e responde por praticamente todo o déficit nominal do país. A conta dos juros, portanto, asfixia tanto o Estado quanto o setor privado, formando uma armadilha econômica que limita o crescimento e agrava a desigualdade.

Há aqui um efeito circular perverso. A Selic alta eleva o custo da dívida pública, que, por sua vez, aumenta o déficit nominal. Esse déficit alimenta as “incertezas do mercado” quanto à “sustentabilidade fiscal do país”, pressionando novamente as taxas de juros longas e “exigindo” uma política monetária ainda mais restritiva para conter as expectativas inflacionárias. Assim, mesmo com sinais de arrefecimento na inflação e com um câmbio relativamente estável, o discurso econômico hegemônico insiste em manter o país preso a um ciclo de juros elevados, crescimento baixo e endividamento crescente, que só beneficia grandes rentistas.

O resultado nós já sabemos e sentimos, caro leitor. Uma economia paralisada entre dois mundos: o privado, endividado e sufocado por custos financeiros crescentes, e o público, comprometido com despesas fixas, as quais o impedem de direcionar recursos para outras áreas econômico-sociais. Nesse cenário, tanto as empresas quanto o governo gastam mais para simplesmente manter-se operando — sem espaço para investir, inovar ou expandir. A política monetária, que deveria ser uma âncora de estabilidade, transforma-se em um obstáculo para o crescimento. A industrialização se mostra cada vez mais distante.

Diante de tudo isso, é preciso reconhecer que a política monetária brasileira não opera num vácuo técnico neutro, mas dentro de um arranjo em que expectativas — muitas vezes moldadas por interesses financeiros — se impõem como verdades incontestáveis, condicionando decisões que impactam diretamente o setor produtivo e a vida das pessoas. A manutenção de juros altos, mesmo em contextos em que a inflação real não justifica tal rigidez, revela uma captura ideológica da política econômica por uma racionalidade de mercado que favorece os detentores de capital financeiro em detrimento do investimento produtivo e do crescimento sustentável.

Romper esse ciclo exige mais do que ajustes técnicos: exige coragem política para questionar a teoria econômica dominante, enfrentar os interesses cristalizados no sistema financeiro e construir uma nova lógica econômica que privilegie o desenvolvimento, a produção e o bem-estar social.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduada em Relações Internacionais (UFPB).(paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Bruno Lins, Ícaro Formiga, Lara Souza, Miguel Oliveira e Ryann Felix.

 

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