Antonio Carneiro de Almeida Júnior [i]
Os defensores da Reforma da Previdência continuam utilizando todo tipo de ameaça para garantir sua aprovação. Na segunda-feira passada, em entrevista coletiva após a fala de abertura do seminário “Os Caminhos da Reforma da Previdência”, promovido pelo Valor Econômico, o ministro da fazenda, Henrique Meirelles, fez questão de deixar claro que “Se o país não fizer a reforma no devido tempo, em primeiro lugar, as taxas de juros brasileiras, em vez de cair como agora, vão voltar a subir fortemente”, numa tentativa clara de pressionar o setor produtivo da economia. Fazendo coro com o governo, o FMI, no seu “Panorama da Economia Mundial” divulgado na terça-feira passada em Washington, intimida afirmando que os míseros 0,2% de crescimento do PIB brasileiro que prevê para 2017 apenas se concretizarão caso as reformas propostas sejam aprovadas.
O lado contrário à agenda de reformas, contudo, contra-ataca. Agora foi a vez do Papa Francisco juntar-se a essa frente. Em carta enviada ao presidente Michel Temer, na qual recusa o convite de visita ao Brasil feito por este, o pontífice afirma que “os mais pobres” estão pagando o “preço mais amargo” por “soluções fáceis e superficiais para crises”. A Conferência Nacional de Bispos do Brasil, CNBB, por sua vez, já havia criticado abertamente a Reforma da Previdência no mês de março, afirmando, em nota enviada a parlamentares, que “Os direitos sociais no Brasil foram conquistados com intensa participação democrática; qualquer ameaça a eles merece imediato repúdio”.
Até o argumento da equipe técnica do governo de que a reforma é um mal necessário tem recebido duros golpes. Importantes instituições como a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, Anfip, têm demonstrado através de uma série de análises que não existe déficit estrutural na Previdência Social. A demonstração baseia-se no texto da constituição de 1988, que estabelece que os recursos da Seguridade Social (composta pelo Sistema de Saúde, de Assistência Social e Previdência), que partem da contribuição sobre a folha de salários dos trabalhadores (com uma contribuição de 20% do empregador e de 11% do próprio trabalhador), do Cofins, da CSLL, entre outros tributos, contemplariam, além dos gastos com a Saúde e a Assistência Social, os benefícios previdenciários de todos os trabalhadores, exceto servidores públicos civis e militares, cuja fonte de receita, estabelecida por legislação específica, são os servidores ativos. Quando se considera estritamente o que está posto na constituição, o déficit estrutural da Seguridade Social desaparece, restando apenas um déficit conjuntural, pequeno, em comparação aos cálculos do governo, que surge como consequência da queda na arrecadação e de desonerações de planos como o Brasil Maior, que tinham o objetivo de fazer política anticíclica. Assim, não havendo déficit na Seguridade Social, não há déficit na Previdência.
Chama-se atenção ainda para o fato de que o mecanismo de Desvinculação das Receitas da União, DRU, o qual autoriza a realocação de até 30% dos tributos federais para setores que estão no vermelho, tem permitido ao governo desviar recursos da Seguridade Social para outras áreas. É nesse sentido que Vilson Antonio Romero, presidente da Anfip, indaga: “Se o governo tira recursos da Seguridade, como dizer que a previdência é deficitária?”.
Como consequência dessa pressão, o recuo em relação à proposta original já compromete 23% do valor total dos benefícios que se esperava usurpar dos contribuintes. Entre tais recuos, podemos destacar a manutenção de uma diferença entre a idade mínima de aposentadoria de homens e mulheres (o texto original previa 65 anos para ambos, e passou-se a 65 anos para os homens e 62, para mulheres); a redução do desconto no benefício recebido para os que estão no RGPS (o texto original previa recebimento de 51% do salário médio pelos 25 anos mínimos de contribuição, com acréscimo de 1% para cada ano adicional, totalizando 49 anos para o recebimento do benefício integral, ao passo que o novo texto prevê um recebimento de 70% do salário médio pelos 25 anos mínimos de contribuição, com acréscimo de 1,5% para cada ano superior aos 25, 2% para cada ano superior aos 30 e 2,5% para cada ano superior aos 35 anos, totalizando 40 anos para o recebimento do benefício total) e, finalmente, a redução da idade mínima para a aposentadoria rural de 65 para 60 anos e do tempo mínimo de contribuição nessa atividade de 25 para 20 anos.
Ao que parece, portanto, a oposição à agenda de reformas do governo Temer tem surtido efeito. Assim, a pergunta que fica ao final dessa análise é: iremos parar por aqui?
[i] Professor Substituto do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).
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