quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Todos no mesmo barco?

Semana de 27 de julho a 02 de agosto de 2020

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Caros leitores, em meio àquela que deve ser a pior crise econômica e social dos últimos 100 anos, foram lançados os relatórios da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e da organização Oxfam sobre as desigualdades agravadas pela pandemia de Covid-19 na América Latina e no Caribe.

Nos dados apresentados pela Oxfam, estima-se que 40 milhões de pessoas devem perder o emprego durante a pandemia e um total de 52 milhões devem cair para a linha da pobreza. O relatório também afirma que o PIB dos países das regiões deve ser 9,4% menor em 2020 do que foi em 2019. Pelos dados da Cepal, as estimativas são de que a pobreza atinja 37,3% da população da região ao fim de 2020, um total de 231 milhões de pessoas. Dessas, 96 milhões terão dificuldades de obter o mínimo de alimentação diária necessária para sobreviver, pois ficarão abaixo da linha da pobreza.

O país mais atingido, até agora, foi o México. Lá, registrou-se queda de 17,3% no PIB do 2º trimestre, em relação ao 1º trimestre de 2020. Para termos uma ideia do tamanho das perdas, comparemos com os números de alguns países “ricos” no mesmo período: EUA, -9,5%; Alemanha, -10,1%; Bélgica, -12,2%; Itália, -12,4%; França, -13,8%; e Portugal, -14,1%. A situação mexicana só não foi pior do que a da Espanha, que teve queda de 18,5%. No Brasil ainda não temos o dado oficial, mas a estimativa é de que tenhamos uma queda em torno de 11% no PIB trimestral, segundo a FGV.

Ainda na comparação dos dados internacionais, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial divulgou uma pesquisa que analisou a produção em 43 países. Comparando a atividade industrial entre janeiro e maio de 2020 com o mesmo período de 2019, alguns dados chamam a atenção. Primeiro, que seis países apresentaram crescimento na produção industrial (Noruega, Malta, Montenegro, Irlanda, Bélgica e Coreia do Sul). Argumenta-se que o saldo positivo deveu-se ao grau de especialização da indústria desses países. O Brasil ficou em 30º lugar, com queda de 10,7% na produção industrial. Países como China (-1,3%), Rússia (-2,7%), Turquia (-7,7%), EUA (-8%), Reino Unido (-11,1%), Alemanha (-14,7%) e África do Sul (-15%) também estiveram no estudo. A expectativa é de que o Brasil caia ainda mais no ranque pela melhora da situação em países europeus (incluindo Portugal, Espanha, Itália e França), dado que eles têm combatido de forma mais efetiva a pandemia do que nós.

Diante desses dados, pensamos: a situação para todos, ricos e pobres, deve estar péssima durante essa pandemia, não é? Ledo engano... Retornando aos relatórios da Cepal e da Oxfam, vejamos o que dizem sobre à vulnerabilidade e à desigualdade na região.

A Cepal argumenta que se encontram em situação de vulnerabilidade ainda maior: “idosos (85 milhões), trabalhadores informais (54% do emprego regional), mulheres (a maioria em atividades informais, com aumento do trabalho não remunerado e maior exposição à violência doméstica), povos indígenas (60 milhões de pessoas e com comunidades que podem desaparecer), pessoas afrodescendentes (130 milhões de pessoas em 2015), pessoas com deficiência (70 milhões de pessoas) e migrantes” (fonte: aqui).

Por sua vez, a Oxfam analisou o que já ocorreu com a concentração de renda nos países da região desde março, quando a pandemia chegou de vez por aqui. Os dados ficaram famosos pela resposta do metroviário Altino Prazeres ao âncora do “Bom dia SP”, Rodrigo Bacardi, quando questionado sobre a greve dos trabalhadores do metrô durante a pandemia. As 72 pessoas mais ricas da região da AL e Caribe aumentaram sua fortuna em mais de 48.000.000.000,00 de dólares desde março de 2020. Só no Brasil, o patrimônio de apenas 42 pessoas aumentou em US$ 34.000.000.000 (multiplicando esse valor pela taxa de câmbio, temos algo em torno de R$ 170 bilhões).

No começo da pandemia alguns diziam que estávamos todos no mesmo barco. Agora, confirma-se o que os mais sensatos disseram: estamos na mesma tempestade, não no mesmo barco. Por essência, quando dá, o capitalismo não dá barcos iguais a todos...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Edson da Paz, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma, Monik H. Pinto e Guilherme de Paula.


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