quarta-feira, 12 de agosto de 2020

A bola de demolição

 

Semana de 03 a 08 de agosto de 2020

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

 

           

Parece que, finalmente, o governo resolveu ficar calado. Bolsonaro descobriu que seu forte é não abrir a boca ou a cloaca e que foi graças a isso que ganhou as eleições. Não só ele, mas a chamada ala ideológica. Damares deixou de ver entidades na goiabeira, o subministro da Saúde deixou de vender cloroquina e negar os mortos pela covid-19, o anti-ministro do meio ambiente calou-se, apesar da Amazônia e do pantanal arderem em chamas, não se ouve falar de educação e marxismo cultural etc. A bola está nos pés do ministro da justiça enrolado com um dossiê secreto e com o Guedes, sinistro da economia, o posto Ipiranga do governo. Embora continue perdendo colaboradores mais radicais que não estão suportando as concessões no afrouxamento da austeridade fiscal por causa da covid-19 e das eleições, o Guedes, mesmo com fortes dores no fígado, está preferindo continuar. Provavelmente o que entra no bolso compensa o sofrimento ideológico.

O governo continua “passando a boiada” como uma gigantesca “bola de demolição” impedindo ou dificultando o lento processo de recuperação, para usar a expressão do ex-BC Armindo Fraga, ao defender seu “modelo social-democrata com liberalismo na produção e solidariedade na gestão”. Armindo argumenta que a solução, nas atuais condições, terá de vir da política.

Aí está o problema. Tentando encontrar apoio no Centrão, o governo é obrigado a abrir o cofre irritando a equipe econômica. O fracasso da criação do partido Aliança pelo Brasil, obriga o governo a negociar com o congresso onde se digladiam 3 grandes grupos: o do governo, o do Rodrigo Maia e o da oposição. Não causa preocupação se os mortos pela covid-19 ultrapassam os 100.000 levando o país em direção ao pódio mundial.

Mas, enquanto a bola de demolição da ação governamental espalha o caos a economia move-se lentamente. Alguns acontecimentos importantes marcaram a semana.

O primeiro deles foi a redução para 2,0% ao ano da taxa de referência Selic, pelo COPOM, órgão do Banco Central (BC), novo recorde histórico. O COPOM sente-se confortável com a inflação, mas preocupado com a lentidão da recuperação, considerando que a conjuntura exige estímulos elevados.

Outro assunto quente da semana, mas que deve continuar a ocupar espaço nas próximas semanas ou meses, foi a reforma fiscal. Além do IVA e do CBS (Contribuição de Bens e Serviços) que prometem unificar vários impostos entrou na mira as alterações no Imposto de Renda. O sinistro Guedes voltou a ofensiva também com a nova CPMF tentando angariar no congresso defensores para a ideia. Teme-se a ofensiva sobre os 3 pilares que controlam as despesas: a lei da responsabilidade fiscal, a regra de ouro e o teto dos gastos. A proximidade das eleições está obrigando o governo a novo tipo de “pedaladas”. Muitos já defendem o abandono do teto de gastos. Entidades internacionais já alertam para a desordem fiscal que pode ocorrer nos países pós-pandemia, principalmente nos ditos emergentes. Os estímulos monetários e fiscais, o corte de juros, o aumento de despesas, a redução dos investimentos estão elevando a relação dívida/PIB que, nos emergentes, já atinge 230%. Com tudo isto e sem recuperação econômica a situação deve agravar-se.

Os índices de desemprego tiveram um resultado desastroso. A taxa subiu para 13,3%, a segunda pior desde 2012. No entanto ela ainda não reflete a realidade. Aos 12,8 milhões de desempregados é preciso somar 77,78 milhões que estão fora do mercado. Do total dos que estão na idade economicamente ativa, 90,6 milhões não trabalham e apenas 83,3 milhões estão ocupados. Acompanhando o resto do mundo a indústria apresentou sinais de recuperação. Em junho, em relação a maio, a indústria cresceu 8,9% puxada pelas montadoras.  Os bens de capital contribuíram com 13,1%, os bens intermediários com 4,9% e os semi e não duráveis com 6,4%. No entanto esta recuperação não inverte a tendência anual. Em 12 meses temos uma queda de -5,6% e no ano de 2020, -10,9%. Esperamos que a bola de demolição não reduza este pequeno progresso a escombros.



[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik H. Pinto.

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