quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Pátria Amada (dos super-ricos) Brasil

Semana de 10 a 16 de agosto de 2020 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]


Caro leitor, novamente, vamos falar de reforma tributária... Aos que estão aqui pela primeira vez, preciso fazer menção a duas análises já de datas passadas (12/02/2020 e 22/07/2020). O objetivo aqui é reforçar a necessidade de avaliar a regressividade da tributação sobre a renda no Brasil antes de qualquer outra fase da reforma tributária.

Fazendo de uma forma diferente, vamos começar apresentando uma tabela informativa. Ela traz dados acerca das mais de 30 milhões de declarações de Imposto de Renda realizadas no Brasil no ano passado, referentes à renda ganha em 2018:

 Tabela 1 - Quantidade de declarantes e rendimento médio individual por faixa de salário mínimo mensal recebido pelo contribuinte: IRPF Ano-Calendário 2018


Fonte: elaboração própria, a partir da Receita Federal do Brasil (fonte). * Rendimento Tributável Líquido

Podemos ver que um total de 8,33 milhões de pessoas tiveram renda que as colocaram na faixa de até 3 salários mínimos recebidos por mês em 2018 (o mínimo era de R$ 954 à época). Na média, cada uma delas teve, em todo o ano de 2018: Rendimento Tributável (dentro da regra geral) de R$ 18,0 mil; Rendimento Tributável Exclusivo (regras diferenciadas, devido à fonte da renda) de R$ 800; e Rendimentos Isentos de R$ 1,9 mil.

Contudo, diante das regras atuais do sistema tributário brasileiro, o valor que conta para a Receita Federal recolher o Imposto de Renda é chamado de Base de Cálculo (ou Renda Tributável Líquida, pois inclui as deduções legais). Para a primeira faixa dos contribuintes, até 3 salários mínimos mensais, esse valor foi de R$ 14,2 mil ganhos em todo o ano de 2018. Para o total da economia brasileira, esse valor foi de R$ 47,5 mil.

O elemento central da tabela é a informação contida em sua última coluna. Nela, vemos qual é a proporção entre a Base de Cálculo (renda que efetivamente é levada em conta pela Receita Federal no cálculo do Imposto de Renda) e o total de renda anual (tributável ou não) recebida por cada faixa de salário. Veja que a Base de Cálculo dos contribuintes na faixa de até 3 salários mínimos corresponde a 68,7% da renda total anual. Ou seja, de cada R$ 100 ganhos pelos mais pobres, a receita leva em consideração R$ 68,7 para recolher o Imposto de Renda. No total dos brasileiros, esse valor é de 46,4% (a Receita considera R$ 46,4 a cada R$ 100 de renda auferida pelos contribuintes).

Com o aumento da faixa de salários recebidos, o percentual considerado pela Receita para o cálculo do Imposto cai gradativamente. Por exemplo, os que estão na faixa entre 30 e 80 salários mínimos mensais (renda entre R$ 28,6 mil a R$ 76,3 mil por mês em 2018), a Receita Federal considerou apenas 40,7% do rendimento anual para incidir o Imposto de Renda. Isto significa que a cada R$ 100 ganhos, R$ 40,7 foram levados em conta para tributação. A situação se torna escandalosa quando vamos para a faixa dos que ganharam mais de 320 salários mínimos por mês em 2018 (ou R$ 305,3 mil por mês). Para essa parcela da população, a Receita levou em conta apenas 7,4% do rendimento total anual para cobrar Imposto de Renda. Ou seja, para cada R$ 100 ganhos, o Estado brasileiro considerou apenas R$ 7,4 para a Base de Cálculo do Imposto de Renda.

O caro leitor deve estar matutando sobre como nossa “Pátria Amada Brasil” dá aos ricos de verdade esse inestimável benefício (aos ricos de verdade, não àqueles que ganham 30 salários mínimos por mês, mas aos que jamais veremos, ao vivo, um dia).

Como vimos na tabela acima, temos uma coluna com o Rendimento Tributável Exclusivo (que tem regras diferenciadas). Nela, vemos que quem mais recebeu esse tipo de renda foram aqueles acima de 320 salários mínimos. O total desse tipo de renda auferida no Brasil, em 2018, foi de R$ 302,7 bilhões, dos quais 55,5% veio de renda de propriedade (juros, dividendos, aplicações financeiras etc.).

Mas esse não é o maior problema da regressividade na tributação da renda brasileira. Vejamos na tabela a coluna onde está a Tributação Isenta média por faixa de salário. Note que, a partir da faixa dos que ganharam mais de 80 salários mínimos por mês, a renda isenta é maior do que a soma das rendas tributáveis. O rendimento médio isento dos que ganharam mais de 320 salários mínimos foi de R$ 8,6 milhões. No total, o Rendimento Isento no Brasil foi de R$ 957 bilhões. O problema, de fato, foi que um rendimento de R$ 327,9 bilhões deixou de ser tributado por ser auferido como Lucros e Dividendos. Outros R$ 95,7 bilhões deixaram de ser tributados por serem Transferências patrimoniais - doações e heranças.

Agora, pergunto ao caro leitor: a partir do pouco que foi elaborado aqui, você acha que nossos representantes estão começando a reforma tributária do jeito certo?


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Raissa Tôca, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma, Monik H. Pinto e Guilherme de Paula.

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