Semana de 02 a 08 de agosto de 2021
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Não é
de hoje que vemos todo um estigma social em torno do funcionalismo público e
das empresas estatais. Os rótulos vão desde a ineficiência ao mero cabide de
empregos, passando, claro, pelo princípio de que na coisa pública há corrupção,
até que se prove o contrário. É nessa pororoca que Paulo Guedes e sua turma
querem surfar. Na semana que passou, ganharam destaque dois casos: a Reforma
Administrativa e a privatização dos Correios.
Sem
abordar nenhuma proposta em específico, decidi tratar aqui dos argumentos do
passado, mas que não se repetem e não servem de sustentação dessas medidas de
hoje.
O
princípio das reformas que “racionalizaram” a administração pública e
privatizaram as empresas estatais está assentado no que ficou conhecido como
Consenso de Washington. Esse “Consenso” foi, na verdade, um conjunto de
orientações surgidas já na década de 1980 e organizadas nos anos de 1990 por
países ricos para que os países pobres pudessem alcançar o “desenvolvimento”. É
isso mesmo, ninguém melhor do que EUA, Inglaterra e Alemanha para dizer o que é
melhor para Brasil, Argentina e México...
As
“recomendações”, na prática, foram imposições. Ao longo dos anos 1980, a
economia brasileira estava fortemente endividada, dentro e fora do país. Ou
seja, estávamos devendo muito em moeda local e em dólares. Na época era
recorrente o governo brasileiro imprimir dinheiro para pagar suas contas dentro
do país. Mas, quando o negócio era pagar as contas externas, claro que o Brasil
não podia imprimir dólares. A única forma de obter divisas era realizar
transações externas. A mais comum são as exportações, onde brasileiros vendem
para estrangeiros e recebem em dólares. Temos também a entrada de investimento
estrangeiro em negócios no país e ainda a tomada de empréstimos diretamente de instituições
financeiras. E foi aqui que surgiu a pressão externa pelas “Reformas” que ainda
atormentam o Brasil.
Qualquer
pessoa que já foi a um banco pedir empréstimo sabe o tanto de garantias que são
exigidas no contrato, que vão de bens até um corajoso fiador que assumiria as
dívidas, caso o banco leve o calote. Pois bem, com os países e os credores
internacionais não é diferente. Para ceder recursos, instituições como FMI e
Banco Mundial fazem uma lista de exigências aos países que precisam do dinheiro.
Caso as obrigações não sejam cumpridas, nada de verba. Isso aconteceu com
bastante frequência no Brasil nos anos de 1980 e se aprofundou nos anos de
1990. No começo, o Brasil não conseguiu dar conta das exigências, tanto que
nenhum acordo com o FMI foi feito até o final nos anos 80. Nos anos 1990 foi
diferente. Para conseguir os recursos, nos governos de FHC cumpriu-se (quase)
tudo à risca, continuando e aprofundando as reformas iniciadas por Fernando
Collor. Em especial, as privatizações e a entrada maciça de capital estrangeiro
no país.
Internamente,
o argumento era de que as estatais eram ineficientes. De fato, não tinha como
defender boa parte das empresas à época, pois dois elementos foram fundamentais
para seu sucateamento. Primeiro, as estatais quase sempre foram usadas para
subsidiar grandes empresas. Como? Por meio da cobrança de preços tão baixos que
mal cobriam os seus custos. Em épocas de alta inflação, como nos anos 80 e 90,
isso foi ainda mais intenso. Segundo, no fim dos anos 1970 as estatais passaram
a se financiar, principalmente, através de dívidas adquiridas no exterior. Por
quê? O motivo é que havia muito dinheiro no sistema financeiro internacional,
os juros estavam baratos e o Brasil precisava trazer dólares de alguma forma. O
problema é que o cenário favorável virou, as dívidas estouraram e, cobrando
preços artificialmente baixos, as estatais não conseguiram se manter.
Resultado: muitas foram vendidas a preço de banana.
E hoje, o cenário é o mesmo? Muito longe disso. Mas existe uma característica daquela época que perdura até hoje: o capital privado ainda tem olhos grandes para as estatais. Claro, bem administradas elas são muito lucrativas. A Petrobrás, que já não detém o monopólio legal do setor, que o diga.
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella
Alves.
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