sexta-feira, 20 de agosto de 2021

República de bananas

Semana de 09 a 16 de agosto de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

            

Quem esperava que a indicação do Ciro Nogueira para a Casa Civil, fortalecendo a aliança com o centrão, levasse a uma moderação do presidente teve uma grande desilusão. Uma vez acomodado o general Luiz Eduardo Ramos na Secretaria geral, Bolsonaro voltou a arremeter contra o Congresso e o STF. Quando a Câmara se preparava para discutir a PEC do voto impresso Bolsonaro determinou que as tropas da marinha, que participariam de uma operação militar de rotina em Goiás, a chamada Operação Formosa, desfilassem pela esplanada com a desculpa de entregar-lhe o convite para assistir as operações. Isto depois do General Braga Netto ter enviado um recado ao Arthur Lira afirmando que sem voto impresso não haveria eleições. O escândalo estava criado. Protestos surgiram por todos os lados pois a ação foi considerada uma tentativa de intimidação do Congresso. Em meio às desculpas e o convite para os presidentes da Câmara e Senado e do STF participarem da cerimônia, convite que não foi aceito, ocorreu o desastrado desfile que serviu de desmoralização para as Forças Armadas dentro e fora do país. A imprensa internacional abriu manchetes com o tamanho ridículo da figura do presidente perfilado com alguns generais e outros ministros, no alto da rampa do planalto, recebendo das mãos de um militar um papel com o simbólico convite e tendo como pano de fundo as filas dos velhos carros de combate. Segundo o britânico The Guardian, foi um ato digno da “república das bananas do Bolsonaro”.

A grotesca exibição provocou descontentamento entre os militares e foi um tiro no pé. A emenda do voto impresso foi derrotada. Não se conseguiu os 2/3 de votos necessários para a aprovação (total de 308 dos 513 deputados), embora o placar tenha sido de 229 a favor e 218 contra. A derrota não foi esmagadora graças a ação do Ciro Nogueira e do Arthur Lira que resolveram mostrar serviço ao presidente. A desmoralização ficou na conta de partidos como o PSDB, DEM, MDB, PSD, PDT e PP, cujos deputados não seguiram a orientação das direções. O número de faltosos foi 64 e causou surpresa a vergonhosa abstenção de Aécio Neves. Ficou claro que não existem condições para um processo de impeachment. Ficou também evidente a desmoralização da “terceira via” com a adesão descarada dos deputados do centrão às teses bolsonaristas.

No entanto o Senado impôs mais uma derrota ao presidente. A Lei de Segurança Nacional, criada em 1983, foi finalmente revogada, depois de 30 anos de tramitação. No novo texto aprovado foi incluído uma cláusula considerando crime a incitação às forças armadas contra os poderes da república e penas de prisão para divulgadores de Fake News e comunicação enganosa em massa.

Apesar das derrotas e do acordo com o Centrão, Bolsonaro não mudou o seu discurso. Continuou a pregação do voto impresso, contra as vacinas e as medidas de restrição, ao mesmo tempo que renovou as ameaças de golpe. Está agora convocando uma grande manifestação para o dia 7 de setembro para pedir o golpe apelando para uma greve de caminhoneiros e bloqueio de Brasília. Ninguém consegue segurar o “doidão”. Os arrependidos choram, mas o bode continua na sala. Eis a postura da classe empresarial e da elite militar reacionárias. Enquanto isto ocorre “a boiada vai passando”. O congresso continua aprovando todo tipo de brutalidade contra os direitos trabalhistas. Com diferentes pretextos de facilitar o primeiro emprego dos jovens e o retorno dos desempregados é aprovada uma mini reforma trabalhista, com a MP 1045 que prevê a criação de vários programas: o Requip, o Priore, o BIP, o BIQ. Em todos desaparecem os vínculos empregatícios e os salários bem como todas as garantias trabalhistas.

Tenta-se passar ainda uma reforma eleitoral e uma reforma do Imposto de Renda que têm provocado grandes protestos. Está em tramitação também o substituto do Bolsa Família com o nome de Auxílio Brasil, base da campanha para a reeleição do presidente, sem estabelecer valores nem as fontes dos recursos. O fantasma do desequilíbrio fiscal já apavora os “investidores” que batem em retirada. O dólar sobe e a Bolsa cai. O “doidão” no poder prejudica a tímida recuperação. Estamos perdendo a maré alta mais uma vez.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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