quarta-feira, 6 de setembro de 2023

A economia muda, a política também

Semana de 28 de agosto a 03 de setembro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Desde a década de 1970, a literatura econômica discute um fenômeno que ficou conhecido pelo termo “desindustrialização”. Basicamente, o conceito se refere à perda do poder da indústria na dinamização da atividade econômica de um país ou região. É uma situação na qual o setor reduz sua capacidade de gerar emprego, renda, produção, etc. Assim, reduz também a demanda por insumos, máquinas, equipamentos, etc. A consequência disso é a fragilização da estrutura produtiva.

Por sua vez, com a retração do setor industrial, abre-se espaço para a expansão relativa de outras atividades econômicas: agricultura, extrativismo, comércio, bancos, serviços, etc. Em outras palavras, novos setores passam a liderar o desenvolvimento econômico no lugar onde antes predominava a indústria. Longe de ser uma compensação, a depender da localidade, essas atividades normalmente representam um retrocesso em várias dimensões: econômica, política, ambiental, trabalhista, urbana, social, etc.

No Brasil, os estudos apontam a década de 1990 como marco zero da desindustrialização. Não por acaso, foi nesta década que o país se adaptou à nova ordem mundial que emergiu da “Crise do Petróleo” dos anos 1970: a ordem econômica neoliberal. Como uma de suas características e um dos pilares da globalização, surgiu uma nova divisão internacional do trabalho. Nesta, países periféricos passaram a dividir com os países centrais o protagonismo nas exportações mundiais de produtos manufaturados, através do que ficou conhecido como cadeias globais de valor (CGV). A questão é que esse sol não brilhou para todos.

Sem entrar em detalhes sobre a “qualidade” dessa inserção, alguns países da Ásia, do Leste Europeu e o México se integraram intensamente às CGV como exportadores de bens industrializados. O Brasil, não. No nosso caso, houve um reforço da nossa tradicional e originária posição de exportador de produtos primários. Assim, passamos por um retrocesso na pauta comercial, com uma reprimarização das exportações e um aumento da importação de bens industrializados de maior intensidade tecnológica. Com isso, nessas duas primeiras décadas do século XXI, a economia brasileira foi perdendo sua diversificação industrial e foi se ampliando o papel das atividades voltadas à produção agrícola, pecuária e extrativista.

Como era de se esperar, essa mudança na estrutura econômica se refletiu no jogo político, tanto regional quanto nacional. Já no final da década de 2000, vimos emergir uma série de discussões legislativas ligadas às atividades primárias, com destaque para o código florestal (aprovado em 2012) e o código mineral (que não virou lei, mas serviu de base para Medidas Provisórias e outros instrumentos legais).

Por sua vez, as eleições de 2012 (prefeituras e câmaras de vereadores) e as eleições de 2014 (presidência e Congresso) vieram como uma verdadeira onda que formou o tripé do conservadorismo no Brasil: as bancadas do boi, da bala e da bíblia. Este movimento teve seu clímax com o Golpe de 2016 e assumiu seu tom reacionário ao fim das eleições de 2018. Se no governo Temer o Brasil já viu uma série de medidas que buscaram facilitar a exploração mineral no país, com Bolsonaro os ataques foram piorados e se estenderam às atividades agropecuárias e florestais (incluindo os povos originários).

Apesar da eleição de Lula, a situação não mudou e, se nada for feito, tende a piorar. Por exemplo, enquanto a indústria de transformação anda a passos de tartaruga, a indústria extrativa já programa investimentos na ordem de R$ 250 bilhões entre 2023 e 2027. Para alguns especialistas no setor, esse valor pode chegar a R$ 500 bilhões. O motivo é a expansão da “economia verde”, que demandará mais minérios brasileiros para a fabricação de baterias, chips, painéis solares, etc. O problema é que, como sempre na história econômica do Brasil, o capital nacional (privado ou estatal) não desenvolve essas novas tecnologia em nosso território. Isto vai se traduzir em um fortalecimento das atividades primário-exportadoras.

Para não aumentar o predomínio do poder reacionário no Brasil, não basta dialogar. É preciso ir à causa do problema. Como a estrutura política reflete a estrutura econômica, enquanto o agro e o minério forem os setores produtivos mais dinâmicos, minúsculo será o espaço para um verdadeiro progresso civilizacional no Brasil. Por isso, cada vez mais, uma “neoindustrialização” é preciso.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha e Raquel Lima.

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