Semana de 31 de março a 06 de abril de 2025
Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]
No último domingo (7), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou ao centro do debate político e das redes sociais ao discursar na Avenida Paulista, em São Paulo, durante um ato em defesa do projeto de lei que busca “anistiar” os condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. A fala de Bolsonaro, feita em parte em um inglês vacilante — “Popcorn and ice cream sellers sentenced for coup d’État in Brazil” — viralizou justamente por sua pronúncia e pela tentativa de reduzir os atos de violência à atuação de personagens inofensivos. A frase, que em português significa “vendedores de pipoca e sorvete condenados por tentativa de golpe de Estado no Brasil”, foi recebida com escárnio por muitos e indignação por outros, pois escancara o esforço de minimizar a gravidade dos ataques à democracia brasileira.
Mas vale a pena refletir: manifestantes pacíficos, senhorinhas com
Bíblia na mão e vendedores de pipoca foram responsáveis pelo 8 de janeiro? Antes de qualquer resposta, convém
lembrar o que, de fato, aconteceu naquele dia. Os atos golpistas de 8 de
janeiro de 2023 marcaram um dos episódios mais graves da democracia brasileira
nas últimas décadas. Milhares de pessoas, desrespeitando o resultado das eleições presidenciais de 2022, invadiram e
depredaram as sedes dos Três Poderes: Congresso Nacional, Supremo Tribunal
Federal (STF) e Palácio do Planalto. Os prejuízos somaram cerca de R$ 24
milhões aos cofres públicos, com a destruição de obras de arte, móveis
históricos e objetos raros, além de causar um profundo abalo na estabilidade
institucional do país. O vandalismo e a violência não foram atos de
espontaneidade pacífica, mas sim de uma tentativa organizada de subverter a
ordem democrática: é o que se tem provado a partir das investigações.
Apesar do inglês cômico e da retórica que tenta pintar uma narrativa de perseguição política contra "cidadãos de bem", Bolsonaro ignora (ou finge ignorar) a realidade dos fatos. Um exemplo é Wesley da Silva Ferreira Taveira. Preso pelos atos golpistas de janeiro, ele perdeu o direito de responder em liberdade após se envolver em um atentado contra uma empresa de internet no Pará, a mando da facção criminosa Comando Vermelho. Em dezembro de 2024, foi condenado a 26 anos e 8 meses de prisão por integrar essa organização criminosa e cometer incêndio em seu favor. Apesar disso, Wesley tenta emplacar a versão de que foi a Brasília, exatamente no dia 8 de janeiro, para comemorar o aniversário de uma amiga de infância, e que estava simplesmente “na hora errada, no lugar errado”, quando tudo aconteceu. Assim como todos os outros condenados, Wesley vende a narrativa de ser vítima de perseguição política, tentando apagar o rastro de crimes concretos, com um discurso forçado de inocência.
Nesse contexto, seria possível desestimular o extremismo político
que floresce nesse ambiente de desinformação e impunidade? O cientista
político Christian Lynch defende que sim, desde que haja ação coordenada em
quatro frentes. Primeiro, com a punição exemplar dos responsáveis por instigar
e liderar as ações golpistas, como o próprio Bolsonaro, para evitar que o
exemplo se repita. Em segundo lugar, com a regulamentação de redes sociais e
inteligência artificial, combatendo o anonimato e responsabilizando plataformas
e usuários por conteúdos nocivos à democracia. Terceiro, retomando pautas de
unidade nacional, hoje capturadas pela extrema direita, para reconstruir uma
agenda que una o país sem abrir mão da justiça social e dos direitos das
minorias. E por fim, promovendo uma profunda modernização do Estado brasileiro,
cuja estrutura ainda responde de forma lenta e ineficaz às demandas da era
digital — um Estado obsoleto frente à realidade do século XXI.
Minimizar os crimes de 8 de janeiro com
piadas em inglês ruim não apenas desrespeita a História e as instituições
brasileiras, como também tenta blindar responsáveis por crimes graves com o
verniz da perseguição política. O desafio que se impõe é claro: proteger a
democracia exige coragem para punir, sabedoria para reformar e responsabilidade
para unir o país em torno de valores republicanos — e não da distorção
populista de quem tenta apagar seus próprios rastros.
[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduada
em Relações Internacionais (UFPB)(paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Júlia
Bonfim, Lara Souza, Mateus Eufrasio, Gustavo Figueiredo e Júlia Dayane
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