domingo, 31 de agosto de 2025

O CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO (E SUA INCÔMODA “RESILIÊNCIA”)

Semana de 18 a 24 de agosto de 2025

   

Rosângela Palhano Ramalho[1]

 

Estimado leitor, nossas últimas análises tiveram como foco a guerra tarifária que os Estados Unidos declararam ao Brasil, seus interesses, desdobramentos e possíveis consequências sobre nossa economia. O governo reagiu e lançou o Plano Brasil Soberano. As medidas paliativas que o integram visam proteger o emprego dos trabalhadores nos setores afetados pela elevação tributária, em virtude da recusa do governo americano em dialogar.

Enquanto Lula busca amenizar os problemas internos gerados pelas tarifas trumpianas, a gang bolsonarista e seu líder, alimentam, no Congresso Nacional e nas redes sociais, a ideia de que é possível uma intervenção americana na justiça brasileira. Na dimensão quimérica que habitam, o Judiciário do país cederia à chantagem tarifária dos Estados Unidos e simplesmente sustaria todos os processos contra Jair Bolsonaro. A lorota sustenta a ilusão de cegos seguidores, golpistas e falsos patriotas. Felizmente, o líder da tentativa de golpe de Estado segue em prisão domiciliar e fazendo uso de tornozeleira. Agora, terá que explicar a movimentação de R$ 30,6 milhões, acontecida entre 01/03/2023 e 07/02/2024, conforme apuração da Polícia Federal. O fluxo milionário traz à luz um novo delito para o currículo de Jair: a lavagem de dinheiro, motivo de nova investigação.

Estes assuntos dominaram as manchetes dos noticiários desta semana. No âmbito da economia, levantamentos importantes foram publicados. A atividade econômica recuou 0,1% em junho, quando comparada a maio, conforme resultado apresentado pelo IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central). A composição setorial do indicador foi a seguinte: alta de 0,1% da agropecuária e dos serviços e queda de 0,1% da indústria. Láureas sejam dadas ao Comitê de Política Monetária (Copom), que tem se esforçado para superar a “resiliência” da economia brasileira, dando-lhe o purgante dos juros. A inflação também caiu. O IPCA-15, em prévia do índice mensal de agosto, registrou deflação de 0,14%.

Mesmo com as quedas simultâneas do crescimento e dos preços, o discurso predominante dos economistas, dos analistas oriundos do mercado financeiro e do Banco Central é o de que ainda não é possível abandonar a política monetária restritiva. Todos os especialistas ouvidos pelo jornal Valor Econômico concordam que a economia ainda não arrefeceu o suficiente. E por quê? Economista do BNP Paribas concorda que “o dado ainda revela perda de ritmo da atividade muito lenta, que não dá força à tese de antecipação do afrouxamento monetário.” Já uma economista da FGV indica que o problema está no mercado de trabalho, que insiste em “não dar sinais de desaceleração mais firme, ao passo que questões como o pagamento de precatórios no meio do ano podem dar algum fôlego adicional para o consumo das famílias.”

O que de fato incomoda os analistas econômicos, já que a inflação que está sob controle e não apresenta sinais de aceleração? A queda do desemprego! A taxa média geral de desemprego brasileira caiu de 7% para 5,8% entre o primeiro e o segundo trimestres. É o menor nível da série histórica apurado pela Pnad Contínua. No dogma econômico estabelecido, desemprego baixo significa crescimento econômico, mais renda em circulação, que leva a mais consumo e... à inflação! A queda dos preços em agosto também não impactou o presidente do Banco Central. Em suas últimas declarações, Gabriel Galípolo deixou claro que “a taxa de juros permanecerá alta por um longo tempo, pois a “convergência para a meta inflacionária está acontecendo de forma muito lenta.”

Portanto, ao invés de reestruturar o sistema de metas, tornando-o compatível com o crescimento do país, a autoridade monetária escolhe lançar parte dos trabalhadores brasileiros na fila do desemprego, sob o pretexto de controlar uma inflação que está sob controle. O curioso é que ao acessar a página eletrônica do Banco Central consta que sua missão é: “Garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade.” Entretanto, o texto esconde que a busca pela estabilidade se dará sempre pelo sacrifício do bem-estar econômico dos trabalhadores da sociedade.


[1] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Camylla Martins, Rubens Gabriel, Victória Rodrigues, Nelson Rosas, Júlia Bomfim e Maria Júlia Alencar.

 

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sexta-feira, 15 de agosto de 2025

É POSSÍVEL GANHAR ALGO COM O TARIFAÇO?

Semana de 04 a 10 de agosto de 2025

   

Lucas Milanez de Lima Almeida [1]

 

Certamente, o caro leitor já deve ter visto inúmeras análises sobre o tarifaço (ou tarifinho, a depender do analista) imposto por Trump ao Brasil. Apesar de ter se aproveitado dos sabujos que são a família Bolsonaro e a extrema direita do país, a real motivação para ele foi a tentativa ianque de reconfigurar o comércio internacional a seu favor. Dentre as análises mais divulgadas, destaco aquela que, apesar dos pesares, vê o tarifaço como uma oportunidade para o Brasil.

Seria quase uma versão minimizada dos choques externos que vivemos no início do século passado, com a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais e com a Grande Depressão da década de 1930. À época, o Brasil tinha uma economia fundamentalmente agrária, que dependia das exportações de bens primários (principalmente o café) para ser dinamizada. Com as Guerras e a crise iniciada em 1929, a economia internacional reduziu suas compras de produtos brasileiros e o país teve que se virar para manter sua economia funcionando. Nos primeiros momentos, o óbvio aconteceu: nossa economia refletiu o movimento da economia mundial e desacelerou.

Porém, como havia espaço para o desenvolvimento doméstico, isto rapidamente se transformou em oportunidade. Indústrias logo começaram a produzir os bens que estavam faltando no mercado mundial e a produção local foi substituindo a entrada desses produtos que se exauriam. O resultado foi um intenso, mas limitado, início de industrialização por substituição de importações (que foi um processo histórico muito mais complexo do que apenas isto).

Por outro lado, os produtos que o país exportava ficaram pouco rentáveis, porque a demanda mundial também arrefeceu para os produtos nacionais. Algumas atividades, como a cafeicultura, se beneficiaram de políticas estatais de manutenção de produção, emprego e renda. Contudo, para manter a lucratividade, outros exportadores foram obrigados a diversificar seus investimentos. A médio e longo prazos, isto colaborou com criação de novos setores produtivos e, consequentemente, novas dinâmicas econômicas.

Logicamente, há diferenças cavalares entre o Brasil de hoje e o da primeira metade do século passado. Contudo, há elementos que permanecem iguais. Por exemplo, a economia brasileira ainda tem nas exportações de produtos primários sua principal fonte de dólares. Além disso, apesar da mudança de paradigma tecnológico, temos fontes abundantes dos principais insumos consumidos pelas tecnologias mais avançadas, como as terras raras.

É neste contexto que muitos analistas consideram que esta poderia ser uma janela de oportunidade para o país. Porém, diferentemente do que ocorreu no século passado, agora não seria apenas voltar nossas atenções para simplesmente atender o mercado doméstico. Dessa vez poderíamos fomentar uma dinâmica interna, por um lado, a partir do beneficiamento e transformação daquilo que exportamos com baixo valor agregado e, por outro, buscando novos parceiros ao redor do planeta. Por exemplo, ao invés de exportar o silício para Taiwan, produzir o chip e vender à Europa; ao invés de só vender o európio, desenvolver TVs e monitores de alta resolução.

Bem, no pacote das coisas que não mudaram entre o Brasil de ontem e o de hoje, infelizmente, temos o fato de o país não deter infraestrutura técnico-científica necessária para o desenvolvimento de novas forças produtivas. Nossos parques industrial e de P&D continuam consideravelmente atrasados em relação aos países que estão na ponta de lança do desenvolvimento tecnológico. Ainda é gritante esse hiato e isto, paradoxalmente, seria nossa janela de oportunidade. Como diriam os mais esperançosos: capacidades produtiva e tecnológica se constroem.

Quem sabe, com muita atuação estatal e esforço social talvez seja possível dar o salto adiante no desenvolvimento. Contudo, o país precisa de classes dominantes interessadas nisto. E é aí que vem a questão: quem disse que as frações dessa classe dominante de hoje estão dispostas a bancar este projeto? No passado, ao que parece, o desenvolvimentismo nacionalista era propagado e apoiado pelas “elites”, em especial, a industrial. Mas, o caro leito realmente acha que a elite atual, dentre os quais banqueiros, agroexportadores e grande mídia, está disposta a encampar um projeto desses?

A pergunta é retórica...


[1] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Bruno Lins, Camylla Martins, Julia Bomfim, Mateus Eufrásio, Maria Julia Alencar e Nelson Rosas.


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sábado, 9 de agosto de 2025

ENTRE TARIFAS E ALGEMAS, BRASIL RESPONDE

Semana de 28 de julho a 03 de agosto de 2025

  

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

 

Em mais uma demonstração de instabilidade política e econômica, Donald Trump decidiu amenizar o chamado “tarifaço” contra o Brasil, retirando da lista de produtos taxados cerca de 700 itens – aproximadamente 40% do total exportado pelo país aos Estados Unidos. Entre os beneficiados estão tecnologias da Embraer, minerais estratégicos e alguns produtos alimentícios, como o suco de laranja, que havia se tornado um símbolo nas discussões sobre a medida. Vale lembrar que Trump prometeu iniciar a cobrança em 1º de agosto, mas também recuou nesse aspecto e adiou seu início para o dia 6 de agosto, num típico movimento “morde e assopra”. O recado, caro leitor, é claro: Trump não mantém posições estáveis, e essa volatilidade mina previsibilidade nas relações comerciais.

Mais grave que o vaivém é o discurso usado para justificar a sobretaxa. Os Estados Unidos decidiram colocar o Brasil como uma “ameaça incomum e extraordinária” à segurança, política externa e economia nacionais. Fica a pergunta: que ameaça real representa o Brasil para os EUA? O Brasil, tão subestimado pelos Estados Unidos ao longo das décadas, “agora” é motivo de terror?

A verdade, caro leitor, é que essa retórica revela uma contradição gritante. O mesmo país que, por décadas, pregou e impôs o livre comércio mundo afora agora parece convenientemente esquecê-lo. Quando os ventos não sopram a seu favor, os EUA abandonam os princípios que diziam defender e recorrem a um protecionismo disfarçado de medida de segurança. No fim, essa é apenas mais uma mostra de que não são valores econômicos universais que movem a decisão norte-americana, mas sim interesses domésticos e conjunturais.

No campo interno, a tarifa de 50% que se manteve sobre produtos-chave como café, carne bovina, têxteis e calçados certamente vai afetar a rentabilidade dos produtores brasileiros. No entanto, para o consumidor, pode haver um efeito imediato de queda de preços, já que parte da produção que iria para os EUA ficará no mercado interno. Estimativas indicam um impacto pontual de até -0,24 ponto porcentual no IPCA, puxado pela maior oferta de carnes, café e etanol. Ainda assim, há riscos de desestímulo à produção, o que pode afetar o emprego e a renda no país.

Ciente dos desafios, o governo brasileiro preparou um plano de contingência para minimizar o impacto econômico. A estratégia inclui crédito subsidiado, medidas de manutenção de empregos e foco especial em micro, pequenas e médias empresas, que representam uma fatia relevante das exportações para os EUA. Não é a primeira vez que o país adota uma reação rápida: em 2024, diante das enchentes no Rio Grande do Sul, um pacote emergencial de apoio às empresas e reconstrução de infraestrutura evitou um impacto maior sobre o PIB e o emprego, sendo reconhecido como uma ação bem-sucedida. A expectativa agora é que a nova rodada de medidas consiga amortecer os danos do tarifaço, especialmente em setores estratégicos.

Enquanto o Brasil enfrenta turbulências externas, no front interno um acontecimento histórico marca a política nacional: a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes. A medida foi tomada após Bolsonaro descumprir reiteradamente determinações judiciais, reforçando a ideia de que ninguém, por mais popular ou poderoso que seja, está acima da lei. Alvo também de ataques dos EUA, Moraes resiste e reafirma o compromisso do país com o Estado de Direito.

Entre a instabilidade comercial vinda de fora e a reafirmação democrática dentro de casa, o Brasil se encontra num ponto decisivo. A reação ao protecionismo de Trump exigirá habilidade diplomática e diversificação de mercados; a prisão de Bolsonaro, por sua vez, reforça que a democracia brasileira, apesar de todos os desafios, permanece viva e combativa. O que vem pela frente será um teste de resistência — tanto para nossa economia quanto para nossas instituições.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduada em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram:  Ícaro Formiga, Icaro Moisés, Jéssica Brito, Lara Souza, Nelson Rosas e Raquel Lima .

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