Semana de 06 a 12 de outubro de 2008
O Modo Capitalista de Produção tem como característica principal a divisão da sociedade em duas classes sociais: proprietários dos meios de produção (denominados de capitalistas ou “empresários”) e aqueles que, por não possuírem os meios de produção, são obrigados a vender sua força de trabalho por um salário, para garantir sua sobrevivência (os trabalhadores).
A decisão do que vai ser produzido é tomada por aqueles que detêm os meios de produção. Assim, quem possui dinheiro para aplicar como capital (comprando máquinas, matérias-primas e contratando trabalhadores) decide não só o que se vai produzir, como em que quantidade. Esta é uma das várias contradições do capitalismo, pois, se a decisão de produzir é individual, do empresário, a realização dos lucros necessita do mercado, já que, se não houver compradores para as mercadorias, o objetivo da produção (a obtenção de lucros) não é alcançado.
Em virtude disto, o sistema financeiro afastou-se da função que lhe deu origem, que era a de financiar a produção (fruto da dissociação do capital função x capital propriedade ), e passou a gerar um volume de riqueza fictícia (com as operações no sistema financeiro) que tende a ser muito maior que a soma da riqueza real resultante dos processos produtivos.
Contudo, a questão não é tão simples como parece, tendo em vista que a riqueza fictícia, como não possui valor intrínseco, precisa de algo que lhe confira valor, isto é, a riqueza real, material. Além disso, ela não pode crescer numa proporção muito maior do que a capacidade produtiva do país (já que é valorada por esta), caso contrário provoca o que está ocorrendo agora, uma crise.
Muito mais grave é saber que a decisão de produzir é tomada por agentes que comparam se é mais rentável investir na “produção de arroz”, por exemplo, comprar “ações do Banco Bradesco” ou “comprar títulos de dívida do governo”, ou seja, o surgimento e desenvolvimento dos sistemas financeiros e dos mecanismos de especulação desvincularam a geração do excedente do processo de produção, uma vez que se pode ter “lucro” comprando uma ação, um título ou investindo na produção de arroz, etc. Quando a crise chega, mostra que isto é uma tremenda ilusão, e todos entram em desespero por não entenderem por que os mesmos papéis, que hoje representam a riqueza, amanhã valem tanto quanto as notas de dinheiro do famoso jogo infantil “Banco Imobiliário”.
O economista John Maynard Keynes, em sua análise (que não faz qualquer menção, nem ao conflito das classes sociais existentes, nem ao caráter histórico dos sistemas econômicos), destacou o grau de irracionalidade que norteia as transações nos mercados financeiros. Keynes afirmou, em sua Teoria Geral, que “os especuladores podem não causar dano quando são apenas bolhas num fluxo constante de empreendimento; mas a situação torna-se séria quando o empreendimento se converte em bolhas no turbilhão especulativo. Quando o desenvolvimento do capital em um país se converte em subproduto das atividades de um cassino, o trabalho tende a ser mal feito”.
Na Teoria Geral, são várias as passagens em que Keynes descreve o comportamento dos agentes no mercado financeiro e, o que impressiona, é o grau de irracionalidade que ele confere a estes. Keynes diz que a ilusão de que o mercado financeiro é líquido tende a criar um comportamento especulativo nos agentes. Destaca que, para que o mercado financeiro funcione “normalmente”, é necessário que haja divergência de pensamentos, isto é, é necessário que alguns achem que a taxa de juros irá subir (ou o preço dos títulos cair) e que outros agentes achem que a taxa de juros irá cair (ou o preço dos títulos subir), de modo que os primeiros desejarão vender títulos e os segundos comprar. Quando este comportamento não se concretiza, ocorre o que Keynes denominou de efeito manada ou psicologia das massas (exatamente o que vem ocorrendo nas Bolsas do mundo todo), isto é, como há uma idéia quase unânime de que o preço dos ativos financeiros irá cair, todos querem vender ao mesmo tempo, e aí, neste momento, todos descobrem que a “liquidez” não existe de forma absoluta, mas apenas relativa.
É a partir deste comportamento irracional que o investimento de uma economia é determinado. Em outra passagem da Teoria Geral, onde Keynes descreve o comportamento dos agentes no mercado financeiro, ele diz: “Tratam-se, por assim dizer, de brincadeiras como o jogo do anel, a cabra-cega, as cadeiras musicais. É preciso passar o anel ao vizinho antes do jogo acabar, agarrar o outro para ser por este substituído, encontrar uma cadeira vaga antes que a música pare. Estes passatempos podem constituir agradáveis distrações e despertar muito entusiasmo, embora todos os participantes saibam que é a cabra-cega que está dando voltas a esmo ou que, quando a música pára, alguém ficará sem assento.”
É impressionante, em um momento como este, como os discursos e as previsões mais otimistas e
tranqüilizadoras viram piada em questão de horas ou dias. Seis dias antes do Lehman Brothers (o quarto maior banco de investimento do mundo) ir à falência e duas semanas antes do Wachovia (quarto maior banco de varejo dos Estados Unidos) ser vendido ao Citi, o presidente deste último, Robert K. Steel, numa palestra na Conferência Lehman Brothers de Finanças Globais, afirmou: “estou tremendamente confiante de que estamos indo na direção certa porque temos a força necessária para seguir progredindo”. Quanta decepção e frustração não sentiram aqueles que saíram confiantes desta conferência por acreditarem nas previsões de todos aqueles que discursaram seguindo as previsões do senhor Robert!
Nos EUA, o pacote de US$ 850 bilhões para a salvação dos bancos já foi aprovado e posto em prática. Os principais Bancos Centrais do mundo continuam a baixar as taxas de juros (inclusive fizeram uma operação conjunta, nesta semana) e a garantir liquidez do sistema financeiro (emprestando sem limites, a custo quase zero, e aceitando como garantia os títulos que não possuem nenhum valor de mercado). Os governos têm estatizado uma série de empresas, e o que se tem visto é só a piora do cenário. O lado real da economia já está claramente contaminado pela crise financeira, basta observar os dados de emprego e produção. As 15 economias, que adotam o euro como moeda, ficaram estagnadas no terceiro trimestre, e a expectativa é de que, nos próximos meses, elas se contraiam. Os empréstimos tomados por empresas norte-americanas caíram 60%, no segundo trimestre do ano, em relação ao mesmo período do ano passado.
As justificativas para o fracasso das intervenções estatais são diversas: alguns acham que não houve tempo suficiente para que elas surtam o devido efeito, outros afirmam que as medidas tomadas ainda não são suficientes, os neoliberais atribuem a catástrofe à própria intervenção (já que, segundo eles, o mercado é eficiente e autoregulável, pois os agentes são racionais e trabalham com expectativas racionais). Em nossa opinião as medidas não surtem o efeito esperado, porque elas não são capazes de salvar o sistema desta crise, isto é, a crise é necessária para restabelecer a dinâmica de acumulação capitalista e o quadro não será revertido antes que ela tenha cumprido o seu papel saneador.
Diferentemente de crises anteriores, o que tem impressionado são a forma como a atual se tem espalhado pelo mundo e a rapidez dos acontecimentos. A Europa é um exemplo. Ela vinha se mantendo razoavelmente à margem dos problemas e, de repente, se viu mergulhada na crise. O banco Dexia, com sede em Bruxelas, recebeu uma injeção de US$ 9 bilhões de dólares de dinheiro público; o maior banco da Bélgica, o Fortis, foi socorrido às pressas, com US$ 16 bilhões, pelos governos da Bélgica, Holanda e Luxemburgo; e, na Alemanha, um consórcio de bancos e o governo salvaram da falência o Hypo Real Estate Group (voltado à concessão de crédito imobiliário).
Segundo o professor de economia da Universidade da Califórnia, Roger Farmer, “a magnitude do
colapso só é comparável ao que se seguiu à crise de 1929”.
No Brasil, a tese de descolamento não tem sido mais mencionada, e o presidente Lula, que vinha insistindo que a crise era dos Estados Unidos, agora admite que ela é séria e torna o amanhã totalmente imprevisto. A crise de liquidez já chegou ao país: o teto de prazo para a compra de carros caiu de 84 para 72 meses e se espera que chegará a 60 meses; as empresas que financiam a safra (denominadas tradings) devem reduzir sua participação no financiamento, de 30% para 20%, na safra que começa a ser plantada agora; as linhas de antecipação de contrato de câmbio de 90 dias, que financiam as exportações, subiram de 3,5% ao ano, no começo de setembro, para 9% no começo de outubro, além de terem se tornado raras no mercado; os mercados de capitais se fecharam nas últimas semanas e as companhias que ainda desejam investir estão buscando outras fontes de financiamento (agências de crédito à exportação e os organismos multilaterais); e, por fim, as taxas de juros para capital de giro subiram, de 20%, para 25%.
A Bovespa, que já chegou a operar próxima dos 70.000 mil pontos, está derretendo e tendo que interromper as atividades no meio dos pregões para não quebrar de uma vez, tendo chegado próximo dos 35.000 pontos. A Embraer, produtora de aviões, já adiou a entrega de jatos, com receio de que o negócio não se concretize (o que geraria uma perda de US$ 160 milhões), tendo em vista que as companhias devedoras, americanas, européias e australianas, não encontraram liquidez no mercado para honrar o pagamento.
O dólar tem disparado em função do grande aumento da procura para enviar capitais ao exterior
como remessa de lucros e dividendos ou como repatriamento. Até agosto, as multinacionais instaladas no país já haviam enviado US$ 24,7 bilhões para suas matrizes, conforme dados do Banco Central. Este valor já supera o valor enviado durante todo o ano de 2007. Os investidores estrangeiros, responsáveis por 35% da movimentação da Bovespa, sacaram US$ 9,1 bilhões de dólares do mercado acionário até o final de setembro.
Esta disparada do dólar levou empresas, que especulam com o câmbio, a registrarem prejuízos milionários. A valorização do dólar gerou um prejuízo de US$ 760 milhões à Sadia (mais do que o seu lucro líquido de todo o ano passado) e de US$ 300 milhões à Aracruz. Sobrou para os diretores financeiros, que foram afastados, e para as ações, que despencaram.
O governo está fazendo o que pode para manter a liquidez da economia, pois não se pode esquecer que o presidente Lula tem pretensões de eleger um sucessor em 2010, e sabe ele que, se o país estiver em crise, se tornará muito mais difícil alcançar esta meta. Várias medidas têm sido tomadas neste sentido. Foi retomada a venda de dólares, por meio de leilões, fato que não ocorria desde 2003. No final de setembro passado, o montante leiloado já tinha alcançado US$ 1 bilhão. Foi reduzido o nível de depósito compulsório dos bancos no BC, o que representou mais R$ 5,2 bilhões em circulação na economia até o final de setembro. Até o final do ano, o ministro Guido Mantega promete disponibilizar, para as empresas exportadoras, R$ 15 bilhões, por meio do BNDES, para atender a demanda de financiamento. Apenas nos últimos 12 meses, o volume de empréstimos para estas empresas caiu 19,6% e as taxas médias subiram, de 11,1%, para 17,4%. No caso de um agravamento da crise internacional, já está em debate a utilização de uma parte das reservas cambiais para criar fundos de emergência de financiamento às empresas.
Diante do exposto, o que se pode concluir é que uma crise muito maior do que a temida Grande Depressão de 1929 está em cena e que a duração e os danos que ela pode provocar ainda não são dimensionáveis. Se o capitalismo foi capaz de produzir crises terríveis, com grandes dimensões e longos períodos de duração, sem que a irracional dinâmica do sistema financeiro existisse (ou existisse em pequena escala), que dirá agora, numa situação onde as operações financeiras deram origem a um volume de riqueza fictícia tão grande que nem o Estado indo à falência conseguiria absorver.
Depois desta crise, o capitalismo nunca mais será o mesmo! Viva e confira!
Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br
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O Modo Capitalista de Produção tem como característica principal a divisão da sociedade em duas classes sociais: proprietários dos meios de produção (denominados de capitalistas ou “empresários”) e aqueles que, por não possuírem os meios de produção, são obrigados a vender sua força de trabalho por um salário, para garantir sua sobrevivência (os trabalhadores).
A decisão do que vai ser produzido é tomada por aqueles que detêm os meios de produção. Assim, quem possui dinheiro para aplicar como capital (comprando máquinas, matérias-primas e contratando trabalhadores) decide não só o que se vai produzir, como em que quantidade. Esta é uma das várias contradições do capitalismo, pois, se a decisão de produzir é individual, do empresário, a realização dos lucros necessita do mercado, já que, se não houver compradores para as mercadorias, o objetivo da produção (a obtenção de lucros) não é alcançado.
O desenvolvimento do capitalismo aprofundou ainda mais esta contradição com o surgimento dos
sistemas financeiros, cuja função primordial era gerar meios para financiar os investimentos, libertando-os das limitações da acumulação dos lucros obtidos por cada empresa. As instituições financeiras, porém, adquiriram o poder de criar meios de pagamento, independentemente das decisões dos Bancos Centrais. Surgiu com elas uma nova camada social, denominada de capitalistas financeiros.
A questão é que o surgimento de sistemas financeiros gerou uma ilusão nos agentes, já que o processo no sistema financeiro figura aparentemente como compra e venda de papéis que “tem o poder de aumentarem de valor” sem que nenhum esforço tenha sido feito para tanto (parece mágico!). Este mecanismo leva muitos a acreditarem que, para acumular, não é mais necessário comprar máquinas, contratar trabalhadores, administrar um complexo processo de produção e depois ir ao mercado vender os produtos. É mais simples: basta apenas aplicar em mercados financeiros, que inclusive são “líquidos”, ou seja, no momento em que se desejar ter o dinheiro de volta, vende-se os papéis, o que é diferente de uma fábrica.Em virtude disto, o sistema financeiro afastou-se da função que lhe deu origem, que era a de financiar a produção (fruto da dissociação do capital função x capital propriedade ), e passou a gerar um volume de riqueza fictícia (com as operações no sistema financeiro) que tende a ser muito maior que a soma da riqueza real resultante dos processos produtivos.
Contudo, a questão não é tão simples como parece, tendo em vista que a riqueza fictícia, como não possui valor intrínseco, precisa de algo que lhe confira valor, isto é, a riqueza real, material. Além disso, ela não pode crescer numa proporção muito maior do que a capacidade produtiva do país (já que é valorada por esta), caso contrário provoca o que está ocorrendo agora, uma crise.
Muito mais grave é saber que a decisão de produzir é tomada por agentes que comparam se é mais rentável investir na “produção de arroz”, por exemplo, comprar “ações do Banco Bradesco” ou “comprar títulos de dívida do governo”, ou seja, o surgimento e desenvolvimento dos sistemas financeiros e dos mecanismos de especulação desvincularam a geração do excedente do processo de produção, uma vez que se pode ter “lucro” comprando uma ação, um título ou investindo na produção de arroz, etc. Quando a crise chega, mostra que isto é uma tremenda ilusão, e todos entram em desespero por não entenderem por que os mesmos papéis, que hoje representam a riqueza, amanhã valem tanto quanto as notas de dinheiro do famoso jogo infantil “Banco Imobiliário”.
O economista John Maynard Keynes, em sua análise (que não faz qualquer menção, nem ao conflito das classes sociais existentes, nem ao caráter histórico dos sistemas econômicos), destacou o grau de irracionalidade que norteia as transações nos mercados financeiros. Keynes afirmou, em sua Teoria Geral, que “os especuladores podem não causar dano quando são apenas bolhas num fluxo constante de empreendimento; mas a situação torna-se séria quando o empreendimento se converte em bolhas no turbilhão especulativo. Quando o desenvolvimento do capital em um país se converte em subproduto das atividades de um cassino, o trabalho tende a ser mal feito”.
Na Teoria Geral, são várias as passagens em que Keynes descreve o comportamento dos agentes no mercado financeiro e, o que impressiona, é o grau de irracionalidade que ele confere a estes. Keynes diz que a ilusão de que o mercado financeiro é líquido tende a criar um comportamento especulativo nos agentes. Destaca que, para que o mercado financeiro funcione “normalmente”, é necessário que haja divergência de pensamentos, isto é, é necessário que alguns achem que a taxa de juros irá subir (ou o preço dos títulos cair) e que outros agentes achem que a taxa de juros irá cair (ou o preço dos títulos subir), de modo que os primeiros desejarão vender títulos e os segundos comprar. Quando este comportamento não se concretiza, ocorre o que Keynes denominou de efeito manada ou psicologia das massas (exatamente o que vem ocorrendo nas Bolsas do mundo todo), isto é, como há uma idéia quase unânime de que o preço dos ativos financeiros irá cair, todos querem vender ao mesmo tempo, e aí, neste momento, todos descobrem que a “liquidez” não existe de forma absoluta, mas apenas relativa.
É a partir deste comportamento irracional que o investimento de uma economia é determinado. Em outra passagem da Teoria Geral, onde Keynes descreve o comportamento dos agentes no mercado financeiro, ele diz: “Tratam-se, por assim dizer, de brincadeiras como o jogo do anel, a cabra-cega, as cadeiras musicais. É preciso passar o anel ao vizinho antes do jogo acabar, agarrar o outro para ser por este substituído, encontrar uma cadeira vaga antes que a música pare. Estes passatempos podem constituir agradáveis distrações e despertar muito entusiasmo, embora todos os participantes saibam que é a cabra-cega que está dando voltas a esmo ou que, quando a música pára, alguém ficará sem assento.”
É impressionante, em um momento como este, como os discursos e as previsões mais otimistas e
tranqüilizadoras viram piada em questão de horas ou dias. Seis dias antes do Lehman Brothers (o quarto maior banco de investimento do mundo) ir à falência e duas semanas antes do Wachovia (quarto maior banco de varejo dos Estados Unidos) ser vendido ao Citi, o presidente deste último, Robert K. Steel, numa palestra na Conferência Lehman Brothers de Finanças Globais, afirmou: “estou tremendamente confiante de que estamos indo na direção certa porque temos a força necessária para seguir progredindo”. Quanta decepção e frustração não sentiram aqueles que saíram confiantes desta conferência por acreditarem nas previsões de todos aqueles que discursaram seguindo as previsões do senhor Robert!
Nos EUA, o pacote de US$ 850 bilhões para a salvação dos bancos já foi aprovado e posto em prática. Os principais Bancos Centrais do mundo continuam a baixar as taxas de juros (inclusive fizeram uma operação conjunta, nesta semana) e a garantir liquidez do sistema financeiro (emprestando sem limites, a custo quase zero, e aceitando como garantia os títulos que não possuem nenhum valor de mercado). Os governos têm estatizado uma série de empresas, e o que se tem visto é só a piora do cenário. O lado real da economia já está claramente contaminado pela crise financeira, basta observar os dados de emprego e produção. As 15 economias, que adotam o euro como moeda, ficaram estagnadas no terceiro trimestre, e a expectativa é de que, nos próximos meses, elas se contraiam. Os empréstimos tomados por empresas norte-americanas caíram 60%, no segundo trimestre do ano, em relação ao mesmo período do ano passado.
As justificativas para o fracasso das intervenções estatais são diversas: alguns acham que não houve tempo suficiente para que elas surtam o devido efeito, outros afirmam que as medidas tomadas ainda não são suficientes, os neoliberais atribuem a catástrofe à própria intervenção (já que, segundo eles, o mercado é eficiente e autoregulável, pois os agentes são racionais e trabalham com expectativas racionais). Em nossa opinião as medidas não surtem o efeito esperado, porque elas não são capazes de salvar o sistema desta crise, isto é, a crise é necessária para restabelecer a dinâmica de acumulação capitalista e o quadro não será revertido antes que ela tenha cumprido o seu papel saneador.
Diferentemente de crises anteriores, o que tem impressionado são a forma como a atual se tem espalhado pelo mundo e a rapidez dos acontecimentos. A Europa é um exemplo. Ela vinha se mantendo razoavelmente à margem dos problemas e, de repente, se viu mergulhada na crise. O banco Dexia, com sede em Bruxelas, recebeu uma injeção de US$ 9 bilhões de dólares de dinheiro público; o maior banco da Bélgica, o Fortis, foi socorrido às pressas, com US$ 16 bilhões, pelos governos da Bélgica, Holanda e Luxemburgo; e, na Alemanha, um consórcio de bancos e o governo salvaram da falência o Hypo Real Estate Group (voltado à concessão de crédito imobiliário).
Segundo o professor de economia da Universidade da Califórnia, Roger Farmer, “a magnitude do
colapso só é comparável ao que se seguiu à crise de 1929”.
No Brasil, a tese de descolamento não tem sido mais mencionada, e o presidente Lula, que vinha insistindo que a crise era dos Estados Unidos, agora admite que ela é séria e torna o amanhã totalmente imprevisto. A crise de liquidez já chegou ao país: o teto de prazo para a compra de carros caiu de 84 para 72 meses e se espera que chegará a 60 meses; as empresas que financiam a safra (denominadas tradings) devem reduzir sua participação no financiamento, de 30% para 20%, na safra que começa a ser plantada agora; as linhas de antecipação de contrato de câmbio de 90 dias, que financiam as exportações, subiram de 3,5% ao ano, no começo de setembro, para 9% no começo de outubro, além de terem se tornado raras no mercado; os mercados de capitais se fecharam nas últimas semanas e as companhias que ainda desejam investir estão buscando outras fontes de financiamento (agências de crédito à exportação e os organismos multilaterais); e, por fim, as taxas de juros para capital de giro subiram, de 20%, para 25%.
A Bovespa, que já chegou a operar próxima dos 70.000 mil pontos, está derretendo e tendo que interromper as atividades no meio dos pregões para não quebrar de uma vez, tendo chegado próximo dos 35.000 pontos. A Embraer, produtora de aviões, já adiou a entrega de jatos, com receio de que o negócio não se concretize (o que geraria uma perda de US$ 160 milhões), tendo em vista que as companhias devedoras, americanas, européias e australianas, não encontraram liquidez no mercado para honrar o pagamento.
O dólar tem disparado em função do grande aumento da procura para enviar capitais ao exterior
como remessa de lucros e dividendos ou como repatriamento. Até agosto, as multinacionais instaladas no país já haviam enviado US$ 24,7 bilhões para suas matrizes, conforme dados do Banco Central. Este valor já supera o valor enviado durante todo o ano de 2007. Os investidores estrangeiros, responsáveis por 35% da movimentação da Bovespa, sacaram US$ 9,1 bilhões de dólares do mercado acionário até o final de setembro.
Esta disparada do dólar levou empresas, que especulam com o câmbio, a registrarem prejuízos milionários. A valorização do dólar gerou um prejuízo de US$ 760 milhões à Sadia (mais do que o seu lucro líquido de todo o ano passado) e de US$ 300 milhões à Aracruz. Sobrou para os diretores financeiros, que foram afastados, e para as ações, que despencaram.
O governo está fazendo o que pode para manter a liquidez da economia, pois não se pode esquecer que o presidente Lula tem pretensões de eleger um sucessor em 2010, e sabe ele que, se o país estiver em crise, se tornará muito mais difícil alcançar esta meta. Várias medidas têm sido tomadas neste sentido. Foi retomada a venda de dólares, por meio de leilões, fato que não ocorria desde 2003. No final de setembro passado, o montante leiloado já tinha alcançado US$ 1 bilhão. Foi reduzido o nível de depósito compulsório dos bancos no BC, o que representou mais R$ 5,2 bilhões em circulação na economia até o final de setembro. Até o final do ano, o ministro Guido Mantega promete disponibilizar, para as empresas exportadoras, R$ 15 bilhões, por meio do BNDES, para atender a demanda de financiamento. Apenas nos últimos 12 meses, o volume de empréstimos para estas empresas caiu 19,6% e as taxas médias subiram, de 11,1%, para 17,4%. No caso de um agravamento da crise internacional, já está em debate a utilização de uma parte das reservas cambiais para criar fundos de emergência de financiamento às empresas.
Diante do exposto, o que se pode concluir é que uma crise muito maior do que a temida Grande Depressão de 1929 está em cena e que a duração e os danos que ela pode provocar ainda não são dimensionáveis. Se o capitalismo foi capaz de produzir crises terríveis, com grandes dimensões e longos períodos de duração, sem que a irracional dinâmica do sistema financeiro existisse (ou existisse em pequena escala), que dirá agora, numa situação onde as operações financeiras deram origem a um volume de riqueza fictícia tão grande que nem o Estado indo à falência conseguiria absorver.
Depois desta crise, o capitalismo nunca mais será o mesmo! Viva e confira!
Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
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