sábado, 11 de outubro de 2008

Fundamentalismo de Mercado: naufrágios e fim de festa

Semana de 22 a 28 de setembro de 2007

Acerca de um mês, em uma de nossas análises, divulgamos as falas “proféticas” do ex-economistachefe do FMI, Kenneth Rogoff, afirmando que a crise financeira estaria apenas no meio do caminho, já que o pior ainda estaria por vir. Conforme Rogoff, não apenas bancos de médio porte afundariam, mas também os grandes bancos, especialmente os de investimentos. O que vimos nos últimos dias foi exatamente a concretização de tais previsões, com o naufrágio dos titanics Merrill Linch e Lehman Brothers (dia 15 de setembro, a segunda-feira maldita), a liberação de 200 milhões de dólares para salvar a vida das maiores companhias hipotecárias dos Estados Unidos, os famosos Fannie Mae e Freddie Mac, e o socorro do Fed (banco central norte-americano) à seguradora AIG.
A tábua de salvação, anunciada pelo Tesouro dos Estados Unidos, foi o pacote de ajuda de US$ 700 bilhões às instituições bancárias. Instantaneamente, os agentes financeiros tentaram passar a idéia de que o pior já havia acontecido. No Brasil, o diretor de gestão de recursos do HSBC, Pedro Bastos, por exemplo, afirmou que a recuperação da Bovespa seria “robusta e rápida”. Mas com a negação, pelo Congresso, da aprovação do pacote, na primeira votação, realizada na segunda-feira, 29, a reação em cadeia, das bolsas de valores mundo a fora também foi instantânea. Na bolsa de Nova York, por exemplo, o índice Daw Jones sofreu uma queda histórica de 770.078 pontos, a maior desde o ataque às torres gêmeas em 2001. A recuperação robusta e rápida da Bovespa transformou-se na interrupção das atividades do pregão, após atingir uma variação negativa de 10 pontos percentuais, algo que não ocorria há 10 anos.
Para tentar matar “a sede monetária que parece não ter fim”, foi realizada uma ação conjunta dos bancos centrais, que injetaram 630 bilhões de dólares. Foi a segunda injeção de liquidez em menos de uma semana, já que, em 18 de setembro, os mesmo bancos centrais haviam liberado, juntamente com a Rússia, 380 bilhões de dólares para as instituições bancárias.
Além dos volumes inimagináveis de recursos despendidos, os Bancos Centrais, das economias desenvolvidas, têm recorrido à estatização de instituições bancárias. Foi exatamente o que o Reino Unido fez ao comprar o principal banco do país, o Bradford and Bringley, e Bélgica, Luxembugo e Holanda fizeram, conjuntamente, ao adquirirem (por ironia, quem sabe) o banco Fortis.
Concomitantemente, tentando assegurar a sua sobrevivência, os grandes bancos fundem-se. Só para citar os principais casos, o banco alemão Deutsche Bank vai assumir o controle do seu rival Deutsche Postbank, e o Wachovia (quarto maior banco norte-americano) foi comprado pelo Citigroup. Entre osbancos de investimentos, os sobreviventes Morgan Stanley e Goldman Sachs irão se tornar um holding bancário.
Com o aprofundamento da crise, os economistas, tentando ensinar padre nosso à vigário, isto é, dar normas de comportamento aos capitalistas, em vez de aprender com eles, tentam encontrar as razões e os “culpados” pela situação. O megainvestidor George Soros, não se deixa iludir e afirma que não foi só a bolha imobiliária que estourou, pois o mundo vive com uma “superbolha” há 25 anos. Além de considerar os ciclos econômicos inevitáveis, Soros afirma que esta “superbolha” foi criada durante os governos de Thatcher-Reagan, quando se iniciou o “fundamentalismo de mercado”. Segundo ele, trata-se de um dogma ideológico, o qual prega que os mercados devem ser deixados aos seus próprios cuidados e que quanto menos regulações, melhor. Para Soros, a crise atual demonstra que as premissas deste fundamentalismo não funcionam e devem ser abandonadas. Eis uma sábia lição que os economistas ainda não aprenderam.
Quanto ao plano de socorro do Tesouro para as instituições bancárias falidas, as negociações devem continuar, pelos próximos dias, sob grande tensão. A presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelozi, já declarou, com grande irritação, que: “The party is over!” (A festa acabou). Formadores de opinião como Paul Krugman concordam que o plano de resgate para o sistema financeiro é dar “dinheiro em troca de lixo”. O que se espera é que o plano, mesmo que aprovado, não tenha o mesmo formato original proposto por Henry Paulson, Secretário do Tesouro dos EUA, e que sofra profundas alterações. Preparemo-nos para uma semana de tensão e nervosismo nos mercados financeiros, enquanto a crise se expande.
De fato, as turbulências econômicas internacionais já afetam setores comerciais, como o da aviação comercial, e causam apreensão aos “descolados” países em desenvolvimento. Conforme a Organização Internacional da Aviação Civil (Icao), os prejuízos para as companhias aéreas neste ano giram em torno 5,2 bilhões de dólares e a previsão para 2009 é de que as perdas alcancem 4,1 bilhões de dólares. Para o ex-presidente da Icao, o consultor Assad Kotaite, a situação das empresas é desafiadora, porque haverá restrição de crédito e as pessoas passarão a voar menos. O consultor ainda argumenta que os governos terão de regular a atual desregulamentação existente no setor. Enquanto isso, a terceira e a sexta maiores companhias aéreas norte-americanas, a Delta Air Lines e Northwest Airlines, se preparam para uma fusão até o final do ano.
Na China, a pressão aumenta sobre os bancos. Uma multidão de depositantes do Bank of East Asia, terceiro maior banco do país, formaram filas para sacar o seu dinheiro. Tal fato pode indicar que as dificuldades passadas em Wall Sstreet podem atravessar o oceano Pacífico. O Banco afirmou que rumores maliciosos foram divulgados, via mensagens eletrônicas, e que a polícia de Hong Kong investigará o caso.
No Brasil, já se reconhece que a imunidade da economia brasileira ao turbilhão econômico mundial não é tão absoluta. Henrique Meireles, presidente do Banco Central, comentou que a crise vai desacelerar o crescimento da economia mundial, e a economia brasileira acompanhará esta desaceleração.Provavelmente o pronunciamento de Meireles já é conseqüência do conhecimento dos dados do déficit em conta corrente. Conforme o próprio BC, no acumulado entre janeiro e agosto, o déficit já soma US$ 20,602 bilhões, um recorde em sua série histórica. Entre os motivos causadores deste déficit estão a redução da entrada de recursos e, principalmente, a expansão da remessa de rendas para o exterior. Segundo a Gazeta Mercantil, nos sete primeiros meses de 2008, as montadoras e os bancos enviaram, respectivamente, 240% e 144% a mais de recursos que no mesmo período do ano passado.
E a “solidez dos fundamentos da economia brasileira” parece estar sendo corroída pelos acontecimentos dos últimos dias:
1 - A balança comercial apresentou, no acumulado do ano, até a terceira semana de setembro, um saldo positivo de 19,298 bilhões de dólares, o que corresponde a uma queda de 65,3% em relação ao mesmo período no ano passado. Um dos motivos para explicar tal queda é a redução dos preços das commodities, após do estouro da bolha dos alimentos;
2 - A dívida pública federal apresentou aumento de 1,6%, atingindo, no mês de agosto, o valor de R$ 1,391 trilhão. Já a dívida pública federal externa chegou à marca dos R$ 96,32 bilhões no final de agosto, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. O Tesouro informou que a elevação de 3% no estoque da dívida externa deu-se pela valorização do dólar em relação ao real;
3 - A projeção de crescimento da economia, porém, foi mantida em 3,60%, para 2009, apesar do aumento em 6,1% do PIB nos últimos 12 meses.
Apesar disto, o governo continua a proclamar a solidez da economia do país, orgulhando-se inclusive da redução dos índices de desigualdade. Recentemente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou sua pesquisa Pobreza e Mudança Social que mostra o aumento da população considerada classe média e a redução da extrema pobreza e da desigualdade no Brasil. Conforme esta pesquisa, entre 2001 e 2007, a população que vivia com renda per capita inferior a 87 reais caiu, de 17,3%, para 10,2% da população total, e o índice de Gini (que mede o grau de desigualdade de renda) caiu 7% no mesmo período.
Para o pesquisador do IPEA, Ricardo Paes de Barros, embora, nos últimos tempos, haja uma redução dos níveis de desigualdade de renda no país, seriam necessários, aos ritmos atuais, mais 18 anos para o Brasil se alinhar à média da desigualdade mundial. Conforme Barros, para se reduzir a desigualdade social é preciso elevar a renda obtida pelos mais pobres por meio do trabalho, pois “programas assistenciais como o Bolsa Família, além dos benefícios da Previdência, não são saídas capazes de dar fim ao problema.”


Texto escrito por:
Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda de economia e pesquisadora do Progeb.
progeb@ccsa.ufpb.br

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