sábado, 15 de novembro de 2008

Liquidez para quê ou para quem?

Semana de 27 de outubro a 02 de novembro de 2008

Mostramos, na semana passada, que a crise internacional passou a causar estragos na economia brasileira. Foram notícias sobre prejuízos financeiros das empresas, restrições ao crédito e diminuição dos investimentos para o próximo ano.
O governo brasileiro, através de alguns ministros, admitiu o contágio da crise externa, mas não abandonou o eufemismo em seus discursos, tentando amenizar a situação presente. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, por exemplo, uma parte do impacto da crise econômica no Brasil é “psicológica”. Para Paulo Bernardo, da pasta do Planejamento, “a crise deve ser cozinhada em forno brando, a intenção é ir juntando água quente para amolecer e, depois, fazer um almoço”.
Contrariando estas declarações, a queda nos preços das ações nas últimas semanas ocasionou turbulência no mercado financeiro nacional. Na Bovespa, um terço das ações foi negociado abaixo de seu valor patrimonial. Isso significa que, na Bolsa, a empresa vale menos que a soma de todos os seus ativos reais. As ações da Eletrobrás, com valor patrimonial de R$ 72,25, por exemplo, no dia 31 de outubro, foram cotadas por R$ 26, 25.
No terceiro trimestre deste ano, várias empresas apresentaram prejuízos em seus balanços. A Sadia registrou prejuízo líquido de R$ 777,4 milhões. A Perdigão, principal concorrente da Sadia, teve prejuízo de R$ 25,4 milhões. Já a NET, a Suzano Papel e a Aracruz amargaram prejuízos de R$ 63,9 milhões, R$ 293,1 milhões e R$ 1.657,7 milhões, respectivamente. Para os especialistas, as razões para as perdas financeiras no último trimestre foram a forte alta do dólar e as “operações exóticas com derivativos cambiais”. Conforme a Economática, os ganhos ou as perdas com a alta do dólar consumiram 48% do lucro trimestral das companhias.
O Banco Central do Brasil (Bacen), embora procurando esconder a gravidade da situação, desde setembro, tem utilizado um arsenal de ferramentas para conter a disparada do dólar e oferecer liquidez aos mercados. Foram feitos vários leilões de dólares, diminuiram-se os empréstimos compulsórios realizados pelos bancos e, no último 30 de outubro, o Banco Central anunciou que receberá 30 bilhões de dólares do Fed (Banco Central dos Estados Unidos) por meio da operação de troca (swap) de dólares por reais. O que ainda não se modificou foi a taxa Selic, mantida em 13,75% na reunião do Copom no final de outubro.
Apesar das injeções de liquidez do Bacen, pesquisas afirmam que os empresários brasileiros estão sofrendo com as restrições ao crédito. A situação é bastante preocupante para os produtores de grãos, por exemplo, pois, além das dificuldades para conseguir crédito, com o estouro da bolha das commodities, sofrem com a queda dos preços e da perspectiva de ganho. A tonelada do trigo, cotada a R$ 750 antes da crise, agora não consegue ser vendida acima de R$ 430. A Cooppermota, cooperativa agrícola do interior paulista, conta que a grande maioria dos agricultores que renegociaram as suas dívidas não teve créditoliberado pelas agências do Banco do Brasil.
Os bancos de médio e pequeno porte do país diminuíram as operações de crédito e, por conseguinte, estão reduzindo o quadro de pessoal. Já anunciaram demissões os bancos Daycoval, Pine e Indusval. O Banco Sofisa não realizou demissões, porém decidiu paralizar a concessão de crédito. A instituição pretende encerrar o ano com o volume de crédito semelhante ao mês de setembro. Conforme o seu vice-presidente, Gilberto Meiches, “não temos produzido nada para o varejo e estamos bastante seletivos nas operações com empresas.”
Os grandes bancos, Bradesco, Santander, Itaú e Unibanco, anteciparam a divulgação dos seus balanços trimestrais para mostrar que andam muito bem das pernas, apesar do alastramento da crise financeira. Entre julho e setembro, o Itaú obteve o lucro não-auditado de R$ 1,8 bilhão, e o Bradesco de R$ 1,91 bilhão. Contudo, os analistas indicam que os demonstrativos que foram anunciados são referentes até setembro, quando a crise ainda dava os primeiros passos no país.
Segundo a agência de rating norte-americana Moody´s, a tendência para os países da América Latina é de prolongamento da escassez nas linhas de crédito. A agência projeta um crescimento, para o PIB do Brasil, inferior a 3% em 2009, e ainda considera baixa a probabilidade de conceder o grau de investimento ao país. Para a Moody´s, a queda na avaliação do Brasil deve-se à piora no perfil da dívida, com aumento de papéis atrelados à Selic, além de outros problemas sistêmicos.
A Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação, pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas em outubro, mostra que 33% das empresas pesquisadas consideram alto o grau de exigência dos bancos para a concessão de crédito.
Com a redução dos planos de investimentos, para o próximo ano, a previsão é de queda no nível do emprego. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP – mostrou que, em um universo de 658 indústrias, 42% delas planejam cortes no quadro de trabalhadores. Irritado com a situação, Paulo Skaf,presidente da Fiesp, declarou que é necessário que o Banco Central pressione os grandes bancos públicos e privados a “parar de dormir em cima do dinheiro”. Skaf disse, em várias reuniões com o Bacen, que não adiantava tomar medidas se os recursos não fossem repassados às empresas. “Só que a paciência se esgotou diante do agravamento da situação. Neste momento, eu diria que os grandes bancos só estão ganhando com a crise”.
Assim, a liquidez na economia brasileira está sendo aumentada para quê ou para quem?
O governo mostra-se preocupado com o problema. A Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória (MP) 442, que dá poderes ao Banco Central para socorrer o mercado interno. Além disso, gerou-se uma polêmica no Congresso Nacional acerca da edição de outra MP, a 443, que permite a compra direta de outros bancos pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil sem licitação. Considerada pela oposição como “MP da madrugada”, já que os parlamentares só tomaram conhecimento da mesma depois de publicada no Diário Oficial, a oposição espera editá-la após a discussão sobre os prazos e os montantes das compras.
Nos Estados Unidos, nos países europeus e na Ásia a política monetária adotada para gerar liquidez é a redução da taxa de juros. O banco central norte-americano, Fed, decidiu cortar a taxa de juros em 0,5 ponto percentual, deixando-a em 1%, o menor patamar desde junho de 2004. Além disso, anunciou um corte de meio por cento na taxa de redesconto, baixando-a para 1,25% a.a. O governo da China, preocupado com o impacto da crise global sobre a economia, anunciou que a sua autoridade monetária vai realizar a terceira redução das taxas de juros em seis semanas.
O movimento de cortes foi repetido pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelos bancos do Japão, Inglaterra e da Noruega. A única exceção veio do BC da Islândia, que elevou em seis pontos percentuais a taxa de juros referencial, fixando-a em 18%. O sistema financeiro islandês entrou em colapso nas últimas semanas, forçando o governo a tomar o controle dos maiores bancos. A iniciativa de alta da taxa de juros tem o intuito de sustentar a moeda e, principalmente, oferecer aos investidores altos retornos por aplicarem seus recursos no sistema financeiro da ilha.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), diante da situação, foi acionado para dar assistência financeira à Islândia, como também aos países Belarus, Ucrânia e Hungria. Só a Hungria receberá do FMI, do Banco Mundial (Bird) e da União Européia 25 bilhões de dólares. Os próximos candidatos a receber algum tipo de ajuda financeira são Romênia, Letônia, Bulgária e Eslováquia.
O que se verifica é que a crise apresenta-se como uma onda que vai atingindo outras nações a cada semana. Conforme a Reuters, governos ao redor do mundo já se comprometeram em injetar nas instituições financeiras quatro trilhões de dólares, para amenizar os efeitos da (já considerada) pior crise financeira dos últimos 80 anos.

Texto escrito por:
Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. progeb@ccsa.ufpb.br

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