segunda-feira, 24 de novembro de 2008

No Brasil a crise começou

Semana de 03 a 09 de novembro de 2008


“O horizonte econômico se obscureceu significativamente. A União Européia (UE) foi atingida pela crise financeira e isso está afetando a confiança das empresas e dos consumidores”. Estas são afirmações de Joaquín Almunia, Comissário para Assuntos Econômicos da UE. A Comissão Européia, órgão executivo da EU, divulgou dados mostrando que o PIB da Eurozona (15 países), no segundo trimestre de 2008, caiu 0,2% e cairá 0,1% no terceiro e no quarto trimestre. A crise financeira mundial está levando toda a UE para uma recessão. Na China, as coisas não são melhores. No mês passado, a atividade industrial sofreu a maior contração já registrada. Os 400 maiores milionários chineses perderam quase 40% de sua riqueza devido à queda de 50% a 60% nas bolsas do continente chinês e de Hong Kong. Nos EUA, que já acumulam uma dívida pública em torno dos US$ 10 trilhões e onde a confiança do consumidor atingiu o mais baixo nível desde 1978, os pedidos de falência chegaram a 108,5 mil em outubro, com um aumento de 13% em relação a setembro. As encomendas à indústria, que já haviam caído 4,3%, em setembro, em relação a agosto, voltaram a cair 2,5%, em outubro, em relação à setembro. O índice da atividade industrial americana atingiu o mais baixo nível em 26 anos. Entre as montadoras, as vendas da Ford caíram 30% só em outubro, depois de ter caído em 23 dos últimos 24 meses. A Daimler informou que as vendas da divisão Mercedes Benz Car, nos EUA, caíram 24%, também em outubro. A General Motors e a Chrysler, que esperam uma ajuda do governo para efetuarem a fusão, caminham para a maior queda da produção nos últimos 15 anos. O braço financeiro da General Motors, a GMAC, apresentou um prejuízo de US$ 2,52 bilhões no terceiro trimestre e sua unidade hipotecária Residential Capital (ResCap) pode entrar em colapso.
Por todo o mundo as grandes multinacionais sofrem com o avanço da crise. A Nissan anunciou a demissão de 3.500 empregados, em suas fábricas na Espanha, Japão e Estados Unidos, até dezembro. A Tenneco, maior fabricante de sistemas de exaustão, perdeu US$ 136 bilhões no terceiro trimestre, devido à queda nas vendas de automóveis. Segundo seu principal executivo, Greg Sherril, “a crise econômica global está tendo um severo impacto na indústria automotiva”. As gigantes da indústria de papel tiveram quedas nos lucros no terceiro trimestre, comparado com o mesmo período do ano passado. A chilena Arauco teve uma redução de 25,7% nos lucros, a americana MeadWest-vaco Corporation (MWV), de 55.3% e a Internacional Paper (IP) perdeu 31,3%. A Tata Motors, indiana que adquiriu os modelos Jaguar e Land Rover, está em dificuldade para cumprir os compromissos assumidos, vai rever seus planos de investimentos e, este ano, suas ações caíram 76%. A ArcelorMittal, maior fabricante de aço no mundo, anunciou uma redução de 30% na sua produção. Até as empresas de cartões de crédito apresentam prejuízos. A Mastercard anunciou que, entre janeiro e setembro deste ano, teve um prejuízo de US$ 493,3 milhões. No terceiro trimestre do ano, a empresa perdeu US$ 193,5 milhões.
A situação se agrava em toda a União Européia, e o presidente do Banco Central Europeu, Jean-
Calude Trichet, depois de reduzir as suas taxas básicas de juros para 3,25% com um corte de 0,5%, declarou:”A intensificação e ampliação da crise financeira deverá reduzir a demanda mundial e na zona do euro por um período bastante dilatado.”
“A retração da atividade econômica global produz efeitos negativos em todas as cadeias produtivas, atingindo com forte intensidade as matérias-primas da produção industrial, como minérios e metais.” Agora quem está com a palavra é a Vale em uma nota de esclarecimento divulgada nos maiores jornais do país, onde se auto-intitula a segunda maior mineradora e a maior produtora de minério de ferro do mundo. Na mesma nota, a Vale informou que dará férias coletivas aos seus trabalhadores, fará paradas de manutenção nos equipamentos e ajustes na produção para adequá-la às encomendas de seus clientes. Com efeito, o Índice Reuters/Jefferies CRB, que envolve 19 matérias primas, caiu 24% em outubro, a maior retração de pelo menos meio século. O preço do petróleo teve uma queda mensal recorde e o cobre teve o maior declínio dos últimos 20 anos. Em outubro, as commodities tiveram o pior mês desde 1956.
Como havíamos previsto, a crise cíclica de superprodução se agrava a nível internacional. A economia brasileira, por seu lado, acelera o passo para recuperar o tempo perdido e alcançar o resto do batalhão na marcha para a crise, apesar de todo o palavrório do presidente Lula e dos discursos encomendados de seus ministros.
O Grupo Gerdau, do setor de aços especiais, já anunciou o reajuste da sua produção para adequá-la ao novo nível da demanda. Na petroquímica, a Brasken divulgou um prejuízo contábil de R$ 849 milhões no terceiro trimestre, contra um lucro de R$ 132 milhões no mesmo período do ano anterior. Entre as montadoras, a Scania anunciou 30 dias de férias coletivas a seus trabalhadores, para adequar a produção à demanda, diante da suspensão das exportações para a África, Ásia, Oriente Médio e Europa. A Ford antecipou as férias coletivas da fábrica de caminhões de São Bernardo do Campo, da unidade de automóveis de Camaçarí (BA) e de motores e transmissões de Taubaté (SP). A GM também anunciou férias coletivas para as unidades de Gravataí (RS), São Caetano do Sul (SP), Mogi das Cruses e São José dos Campos, o que está gerando conflitos com os sindicatos. A Aracruz, do setor de papel e papelão, assumiu um prejuízo de US$ 2,1 bilhões, o que a coloca em uma difícil situação. A Empresa Brasileira de Aeronáutica – Embraer – apresentou prejuízo de R$ 48,4 milhões no terceiro trimestre deste ano. A média diária das exportações de produtos manufaturados, em outubro, caiu 14.1%, em relação à media do mês anterior. A Comgás, apesar de continuar lucrativa, registrou a queda 3,7% no consumo de gás industrial no último trimestre. Em todo o ano de 2008, o consumo foi 0,9% menor que no ano passado. Segundo dados da Associação Brasileira de Bancos (Anbid), R$ 11,38 bilhões, correspondentes às dívidas da indústria brasileira que vencerão nos próximos seis meses, no mercado interno, não encontram novos financiamentos diante da restrição do crédito.
Neste quadro adverso, a saída de capitais do país em outubro foi a pior desde 1999, o que, somado à queda do saldo da balança comercial, tem provocado a valorização do dólar e obrigado o BC a sucessivas intervenções no mercado. Desde setembro até agora, o BC já injetou US$ 40 bilhões no mercado, apenas para conter a valorização do dólar.
Parece que a “marola” virou um tsunami e, ninguém se iluda, nenhuma política econômica será capaz de impedir o agravamento da crise no Brasil.
Apesar disso, o presidente Lula, acreditando que o pior da crise já passou e que o impacto sofrido
pelo país não foi tão forte, afirmou: “Quem está apostando em crescimento muito baixo em 2009 pode quebrar a cara, os analistas que tomem cuidado.” Mas, por via das dúvidas, anunciou a criação de uma espécie de gabinete de crise e, embora negue a existência do “pacotão”, a cada dia são tomadas novas medidas para conter a crise. Anuncia-se agora mais uma liberação de R$ 19 bilhões para o Banco do Brasil e R$ 10 bilhões para que o BNDES apóie a oferta de crédito, em retração. O BC, por seu lado, disponibilizará mais US$ 2 bilhões para financiar as exportações. A proposta de orçamento para o próximo ano sofrerá uma revisão, prevendo uma redução da taxa de crescimento do PIB, de 4,5% para 3,7% ou 3,8%, segundo o ministro do planejamento, o que acarretará uma perda de R$ 15 bilhões na arrecadação. Até o orçamento do PAC está sofrendo um processo de revisão, segundo a ministra Dilma Roussef.
O processo continua e, como afirmou a Professora Maria da Conceição Tavares, “a solução da crise está muito remota”. (...) “Já foram destruídos dezenas de trilhões de dólares, de capital fictício”, mas (...) “o fenômeno especulativo desvairado obviamente não terminou”. “O caos ainda não produziu os efeitos devastadores definitivos, e o ano que vem vai ser muito ruim ainda.”
As palavras da Professora são precisamente as nossas, como os leitores já conhecem.
Só o privilegiado setor bancário continua a se dar bem. Depois da aplaudida fusão entre o Itaú e o
Unibanco, a Caixa, que tinha a obrigação de financiar atividades ligadas à população de baixa renda, como a aquisição da casa própria, comemorou a elevação dos seus lucros em 1.156% no terceiro trimestre do ano. Em contrapartida, o BNDES, que financia as empresas e os grandes grupos econômicos, teve uma queda de quase 30% nos seus lucros, graças às baixas taxas de juros praticadas. Dinheiro caro para os pobres e dinheiro barato para os ricos. Isto é que é governo popular!

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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