terça-feira, 4 de novembro de 2008

Quem realmente explica a crise?

Semana de 20 a 26 de outubro de 2008


Apesar de todas as desculpas, as repercussões da crise internacional, na economia brasileira, são cada vez mais evidentes. A indústria de ferro-gusa em Minas Gerais desligou grande parte dos seus mais de 140 fornos que estavam em atividade, colocou 11 mil funcionários em férias coletivas e provocou demissões de cerca de 700 trabalhadores no município de Sete Lagoas. As duas principais montadoras instaladas no Paraná – a Volkswagen e a Renault - estão adotando medidas de restrição da produção para enfrentar a redução nas vendas, começando pelas férias coletivas, solução já adotada pela General Motors do Brasil, para ajustar os estoques. Já nos Estados Unidos, a GM resolveu antecipar em dois anos o fim das suas atividades em uma de suas fabricas. Os efeitos da crise afetam toda a cadeia produtiva do setor automobilístico. A Valeo, uma das principais fornecedoras de componentes para a indústria automobilística, que gasta cerca de R$ 700 milhões por ano com compras de materiais produtivos de 350 fornecedores globais, pediu para que todos se preparem para uma fase de menor volume de produção.
No Brasil, a Aurora, produtora de carne de frango, suspendeu investimentos de R$ 490 milhões em virtude das incertezas da crise global. Segundo a empresa, os bancos estão com os financiamentos engessados e as exportações de carne estão praticamente paradas. Por motivos semelhantes, os fabricantes de móveis do Rio Grande do Sul, que atuam fortemente no mercado externo, estão reduzindo o ritmo de produção e o número de empregados para compensar a falta de pedidos das ultimas três semanas.
As mesmas companhias de papel e celulose que, ha três meses, anunciaram investimentos que somava US$ 16 bilhões até 2015, agora voltam atrás e já revêem todas as suas posições. A Aracruz divulgou um prejuízo líquido de R$ 1,6 bilhão no terceiro trimestre deste ano, ante o lucro líquido de R$ 260 milhões no ano passado. A Votorantim Celulose e Papel admitiu perdas de R$ 585 milhões no terceiro trimestre de 2008, ante o lucro de R$ 278 milhões registrado em igual período do ano passado.
Tentando amenizar a situação, o governo brasileiro acena com empréstimos para empresas que perderam dinheiro em apostas com derivativos, depois da maior queda do real já registrada em quase uma década. O governo também promete ampliar a oferta de crédito em R$ 5,5 bilhões, para a agricultura e a construção civil, para compensar a escassez de crédito internacional que afeta estes dois setores. E, através de medida provisória, na tentativa de melhorar a liquidez, autorizou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica a estatizarem empresas, pela compra parcial ou total, de outras instituições financeiras, fundos de pensão e empresas de capitalização e de securitização.
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, apresentou a primeira parte da fatura, já paga pelos brasileiros, para estancar a crise: US$ 22,9 bilhões, na tentativa de segurar a alta do dólar e manter irrigadas as linhas de crédito para o comércio. “Estamos diante de uma crise internacional muito forte, provavelmente a mais forte que nossa geração pôde vivenciar que, do ponto de vista de sua repercussão, de sua intensidade, só pode ser comparada à crise de 1929”, disse Mantega a Câmara dos Deputados. E como de costume, cuidou de amenizar a sua declaração: “Não acredito que essa crise esteja acabando. Estamos diante de uma crise de longa duração, mas a fase aguda foi superada.”
Não confiantes nesta superação, a Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima) e a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), duas das principais entidades de representação das instituições atuantes no mercado financeiro e de capitais brasileiro, por precaução, já anunciaram, na sexta-feira, a possibilidade de fusão de algumas das suas atividades, para melhor atuar diante da crise.
Outro fantasma que assombra a economia brasileira e que, segundo o governo, teria chegado ao fim, é a dívida externa. Utilizado como parâmetro para avaliar a aversão ao risco dos ativos brasileiros no mercado externo, o premio de risco-Brasil, medido pelo Credit Default Swap (CDS), dos papéis da divida externa brasileira de vencimento em cinco anos passou a ser divulgado diariamente. Desde setembro, com o agravamento da crise, o premio do risco-Brasil medido por este indicador apresentou um aumento de 153,81%.
No cenário internacional, as noticias também não são animadoras. A Northwest Airline divulgou um prejuízo no terceiro trimestre de US$ 317 milhões e está sendo adquirida pela Delta Air Lines. A UAL, controladora da United Airlines, informou prejuízo no terceiro trimestre de US$ 779 milhões. A General Motors, tentando levantar dinheiro, à medida que o colapso das vendas nos Estados Unidos aumenta as perdas, disse que pode vender sua fabrica voltada à substituição de peças, a ACDelco. A montadora japonesa Nissan Motor informou ontem que reduziu a produção em fabricas no Japão, Grã-Bretanha e Espanha em resposta a queda da demanda. A multinacional sueca Electrolux reduziu a força de trabalho nas fabricas de Motala e Mariestad, na Suécia, em virtude do desaquecimento do mercado. A Alpargatas do Uruguai suspendeu 98 funcionários. A decisão foi tomada após empresas argentinas comunicarem o cancelamento das compras da Alpargatas, pelo resto do ano, devido à queda nas vendas. A InBev, a cervejaria belgo-brasileira, cujo maior mercado é a América Latina, teve a maior queda desde 2001, na bolsa de Bruxelas, devido à preocupação de que a crise financeira, na Argentina, e uma moeda mais fraca, no Brasil, possam prejudicar os lucros.
Esse movimento de queda que tomou conta do mercado financeiro derrubou também as cotações
das principais commodities na Bolsa de Chicago (CBOT). Sem entender bem que se trata de especulação, o analista da AgRural, Benedito Oliveira comenta: “Não há motivo para tanta queda. A comida é o ultimo produto que o consumidor corta do orçamento. Essa volatilidade indica que os preços das commodities estão deslocados da questão de oferta e demanda mundial”.
Para piorar ainda mais as previsões, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alertou que a atual crise irá gerar 20 milhões de novos desempregados no mundo até o final de 2009, revertendo anos de avanço na área social e agravando a pobreza e a desigualdade. A OIT prevê demissões em massa diante da desaceleração das principais economias do mundo, como Estado Unidos, Europa e Japão. “Passaremos de 190 milhões de pessoas sem trabalho, no início de 2008, para cerca de 210 milhões. Essa é a primeira vez que a humanidade atinge essa marca”, afirmou um diretor da Organização.
Mas, nem todos perdem com a crise. Enquanto muitos tentam fugir das bolsas, o Megainvestidor
americano Warren Buffet está comprando ações norte-americanas. “Uma regra simples dita minhas compras: seja prudente quando os outros são vorazes e seja voraz quando os outros são prudentes.” Buffet reconheceu que as notícias econômicas são ruins, com o mundo financeiro numa confusão, desemprego em alta e atividade empresarial em queda. “O que é provável, no entanto, é que o mercado irá subir, talvez substancialmente, bem antes que a confiança ou a economia se recuperem.” Principalmente porque é de interesse dele que isso ocorra logo, e como se trata de um mercado onde reina a especulação, o que ele diz vira regra e pode realmente alavancar os preços de algumas ações.
Já outro mega investidor, Kirk Kerkorian, vendeu parte de sua participação na Ford Motor e pode vender suas ações remanescentes, demonstrando a falta de confiança na doente indústria de automóveis americana. Para o pequeno investidor, fica a duvida. Em quem acreditar? Só lhe resta cumprir o seu papel de bobo da corte e financiador de grandes fortunas comprando uma ilusão de grandes ganhos em curto espaço de tempo.
Na busca por respostas para a crise da economia mundial, os livros de Karl Marx voltaram à moda. Nunca se venderam tantas obras, afirma Jorn Schütrumpf, editor alemão especializado em literatura comunista. Em busca das verdadeiras respostas, os livros de Marx voltam a ser comprados. No momento em que o mundo está á beira da recessão, Schütrumpf diz que “uma sociedade que demonstra novamente a necessidade de ler Karl Marx é uma sociedade que se sente mal.” Isso porque a verdade dói.
Enquanto se especula na busca por uma explicação, a elevação da taxa de suicídios, nos Estados Unidos, mostra o agravamento da crise. Segundo um estudo divulgado, pela primeira vez, em 10 anos, a taxa está em alta, e os responsáveis por este aumento são as pessoas brancas de 40 a 64 anos, principalmente mulheres.

Texto escrito por:
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo: Professora do Departamento de Economia da UFPB e Pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. progeb@ccsa.ufpb.br

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