Semana de 25 a 31 de maio de 2009
Estarrecido com a dimensão da tragédia, o mundo só tem olhos e ouvidos para as notícias sobre o terrível desastre aéreo que vitimou o avião da Air Fance. Apesar de todo o avanço científico, a realidade sempre apresenta surpresas que as mais sofisticadas teorias não conseguem prever e as conseqüências são trágicas. Desprezada, a crise está ficando em segundo plano, para felicidade dos políticos e governos.
Felizmente, com os fenômenos econômicos as coisas são diferentes. A lentidão com que se desenvolvem contribui para o seu esquecimento e nos dá o tempo necessário para tirar o time de campo e dizer o dito por não dito. Assim, os milhares (não centenas) de mortos de fome, miséria, conflitos, etc., espalham-se ao longo do tempo e não há culpados a procurar. Não há nenhuma caixa preta a ser encontrada e se houvesse os políticos a fariam desaparecer.
Mas, embora esquecida, a crise continua a roer as entranhas econômicas do planeta. Acreditem os leitores, que não temos nenhum prazer em apresentar o relatório das más notícias, mas o dever de fazê-lo. O nosso compromisso é com a verdade e a ciência e é com base nelas que nos atrevemos a fazer previsões. Lembramos que o fenômeno que estamos enfrentando é conhecido como ciclo econômico e, como já vimos em análises anteriores, é composto por quatro fases: crise, depressão, reanimação e auge. Estamos atravessando a fase de crise e provavelmente passando para a fase de depressão. Todos os dados que foram divulgados na presente semana apontam nessa direção.
No processo de transição, acontecimentos como desemprego, falências, concordatas, fusões de empresas, queda na produção e nas vendas, etc., continuarão a ocorrer, embora os ritmos comecem a desacelerar. A curva descendente da economia assemelha-se à parte inferior de um U. Em algum momento chegaremos ao ponto de mínimo, quando a recuperação começará. Esta é a previsão para os acontecimentos futuros embora algumas catastróficas surpresas, apesar de pouco prováveis, não estejam descartadas (como no trágico vôo 447).
Vamos então aos fatos.
Nos EUA, seguindo os passos da Chrysler, que pediu concordata no final de abril, a gigante GM, após 77 anos de reinado, caminha na mesma direção. A Ford, que perdeu US$ 14,7 bilhões, corta custos e já demitiu 46.000 trabalhadores na tentativa de sobreviver. O estouro das grandes empresas arrastou a Visteon e a Metaldyne, dois grandes fornecedores de peças que também pediram concordata. O desemprego nos EUA, que em março atingiu 8,5%, média dos países da União Européia, agora subiu para 8,9%. Na Grã-Bretanha, a produção de automóveis caiu 55,3% em abril, na comparação com o mesmo mês de 2008. A British Airways perdeu 375 milhões de libras no ano fiscal encerrado em março de 2009 e o número de milionários britânicos reduziu-se à metade. Dos 489 mil estimados antes, só restam 242 mil. No Japão, as importações de soja são as menores em 34 anos e o índice de desemprego é o maior desde 2004, atingindo 5%. O Produto Interno Bruto (PIB) da Suécia teve uma queda recorde, no primeiro trimestre, considerada a pior queda desde que o índice é calculado. O ministério das finanças calcula que, no final do ano, a recessão será de 4,2%. O Banco da Itália estima que a taxa anual de decrescimento do PIB do país será de 5% e o desemprego poderá atingir 10%. A África do Sul reduziu os juros após uma declaração oficial de “recessão técnica”, com uma queda de 6,4% do PIB, no primeiro trimestre. Na Rússia, a violenta contração foi de 10,5% em abril, em comparação com o mesmo mês de 2008. Como conseqüência da crise, os investimentos diretos estrangeiros na América Latina caíram 35% em relação a 2009, segundo a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL).
Por aqui, as coisas não estão melhores. Embora o Ministro do Trabalho, Carlos Lupi, no seu costumeiro otimismo, estime em 2% o crescimento do PIB, o mercado projeta uma queda de 0,53%. Para o setor industrial, a queda estimada, também pelo mercado, será de 4,26%. Conforme dados do Banco Central (BC), a inadimplência no país é a maior registrada desde outubro de 2000 e os empréstimos com atraso superior a 90 dias já somam 5,2% da carteira. O consumo de eletricidade caiu 0,4% em abril, em comparação com o mesmo mês do ano anterior, mas a queda no consumo industrial foi de 8,9%. No sudeste, no entanto, a queda deste consumo chegou a 15%. As demissões no setor industrial também continuam, embora a ritmo mais reduzido, e a taxa de desemprego, em abril, já atingiu os 15,3%, em relação a março, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Note-se que este número poderia ser bem maior se os trabalhadores e suas organizações não estivessem se submetendo a todo tipo de acordos lesivos aos seus interesses, diante da ameaça maior de perder o emprego. De janeiro a maio, segundo Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, foram assinados cerca de 30 acordos de redução da jornada e salários envolvendo 20 mil trabalhadores o que representa 8% dos filiados ao sindicato. Além disso, foram feitos outros acordos envolvendo banco de horas, licença remunerada, férias, etc., para evitar demissões.
O novo acontecimento que passou a aterrorizar o setor industrial foi a queda do dólar, já cotado abaixo dos dois reais. Com isto, os produtos importados passam a ser beneficiados no mercado interno, eas empresas começam a preferir componentes importados em vez dos nacionais. Por outro lado, os exportadores são postos em uma posição desvantajosa no mercado externo. Em um quadro de crise, nada pior que esta situação. Nervoso, o BC tenta intervir no mercado de câmbio e o Presidente Meirelles, outrora defensor intransigente das altas taxas de juros, agora ameaça reluzi-las ainda mais, declarando que a queda da taxa básica é estrutural. Com isto, pensa ele desestimular a entrada de capitais, para reduzir a oferta de divisa.
Outro pilar da política econômica do governo, o superávit primário, também começa a correr riscos. A queda das receitas, conseqüência das desonerações fiscais postas em prática, começou a levar este superávit para uma rota descendente. Em percentagens do PIB, a queda foi de 3,61%, em janeiro, para 3,06%, em abril. No primeiro quadrimestre do ano, em relação ao mesmo período do ano passado, a queda foi de 59,29%, com uma redução de R$ 47,9 bilhões para R$ 19,5 bilhões. Isto aumenta as dificuldades para o pagamento dos juros da dívida e pode abalar a tão falada confiança dos “investidores”.
Neste quadro adverso e com os trabalhadores pagando, de impostos, 40% do que recebem, o governo amplia os seus gastos em publicidade. Em 2008, os gastos chegaram a R$ 1,2 bilhões. Os maiores gastadores foram a Caixa Econômica, a Petrobrás e o banco do Zé, o Banco do Brasil. No primeiro semestre deste ano, os gastos crescerão 5%.
E as dificuldades não prometem melhorar brevemente. A acreditar nas palavras do diretor geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Strauss-Kahn, “a recuperação econômica chegará somente no primeiro semestre de 2010”. Até lá, só nos resta sofrer.
Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
progeb@ccsa.ufpb.br
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Felizmente, com os fenômenos econômicos as coisas são diferentes. A lentidão com que se desenvolvem contribui para o seu esquecimento e nos dá o tempo necessário para tirar o time de campo e dizer o dito por não dito. Assim, os milhares (não centenas) de mortos de fome, miséria, conflitos, etc., espalham-se ao longo do tempo e não há culpados a procurar. Não há nenhuma caixa preta a ser encontrada e se houvesse os políticos a fariam desaparecer.
Mas, embora esquecida, a crise continua a roer as entranhas econômicas do planeta. Acreditem os leitores, que não temos nenhum prazer em apresentar o relatório das más notícias, mas o dever de fazê-lo. O nosso compromisso é com a verdade e a ciência e é com base nelas que nos atrevemos a fazer previsões. Lembramos que o fenômeno que estamos enfrentando é conhecido como ciclo econômico e, como já vimos em análises anteriores, é composto por quatro fases: crise, depressão, reanimação e auge. Estamos atravessando a fase de crise e provavelmente passando para a fase de depressão. Todos os dados que foram divulgados na presente semana apontam nessa direção.
No processo de transição, acontecimentos como desemprego, falências, concordatas, fusões de empresas, queda na produção e nas vendas, etc., continuarão a ocorrer, embora os ritmos comecem a desacelerar. A curva descendente da economia assemelha-se à parte inferior de um U. Em algum momento chegaremos ao ponto de mínimo, quando a recuperação começará. Esta é a previsão para os acontecimentos futuros embora algumas catastróficas surpresas, apesar de pouco prováveis, não estejam descartadas (como no trágico vôo 447).
Vamos então aos fatos.
Nos EUA, seguindo os passos da Chrysler, que pediu concordata no final de abril, a gigante GM, após 77 anos de reinado, caminha na mesma direção. A Ford, que perdeu US$ 14,7 bilhões, corta custos e já demitiu 46.000 trabalhadores na tentativa de sobreviver. O estouro das grandes empresas arrastou a Visteon e a Metaldyne, dois grandes fornecedores de peças que também pediram concordata. O desemprego nos EUA, que em março atingiu 8,5%, média dos países da União Européia, agora subiu para 8,9%. Na Grã-Bretanha, a produção de automóveis caiu 55,3% em abril, na comparação com o mesmo mês de 2008. A British Airways perdeu 375 milhões de libras no ano fiscal encerrado em março de 2009 e o número de milionários britânicos reduziu-se à metade. Dos 489 mil estimados antes, só restam 242 mil. No Japão, as importações de soja são as menores em 34 anos e o índice de desemprego é o maior desde 2004, atingindo 5%. O Produto Interno Bruto (PIB) da Suécia teve uma queda recorde, no primeiro trimestre, considerada a pior queda desde que o índice é calculado. O ministério das finanças calcula que, no final do ano, a recessão será de 4,2%. O Banco da Itália estima que a taxa anual de decrescimento do PIB do país será de 5% e o desemprego poderá atingir 10%. A África do Sul reduziu os juros após uma declaração oficial de “recessão técnica”, com uma queda de 6,4% do PIB, no primeiro trimestre. Na Rússia, a violenta contração foi de 10,5% em abril, em comparação com o mesmo mês de 2008. Como conseqüência da crise, os investimentos diretos estrangeiros na América Latina caíram 35% em relação a 2009, segundo a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL).
Por aqui, as coisas não estão melhores. Embora o Ministro do Trabalho, Carlos Lupi, no seu costumeiro otimismo, estime em 2% o crescimento do PIB, o mercado projeta uma queda de 0,53%. Para o setor industrial, a queda estimada, também pelo mercado, será de 4,26%. Conforme dados do Banco Central (BC), a inadimplência no país é a maior registrada desde outubro de 2000 e os empréstimos com atraso superior a 90 dias já somam 5,2% da carteira. O consumo de eletricidade caiu 0,4% em abril, em comparação com o mesmo mês do ano anterior, mas a queda no consumo industrial foi de 8,9%. No sudeste, no entanto, a queda deste consumo chegou a 15%. As demissões no setor industrial também continuam, embora a ritmo mais reduzido, e a taxa de desemprego, em abril, já atingiu os 15,3%, em relação a março, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Note-se que este número poderia ser bem maior se os trabalhadores e suas organizações não estivessem se submetendo a todo tipo de acordos lesivos aos seus interesses, diante da ameaça maior de perder o emprego. De janeiro a maio, segundo Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, foram assinados cerca de 30 acordos de redução da jornada e salários envolvendo 20 mil trabalhadores o que representa 8% dos filiados ao sindicato. Além disso, foram feitos outros acordos envolvendo banco de horas, licença remunerada, férias, etc., para evitar demissões.
O novo acontecimento que passou a aterrorizar o setor industrial foi a queda do dólar, já cotado abaixo dos dois reais. Com isto, os produtos importados passam a ser beneficiados no mercado interno, eas empresas começam a preferir componentes importados em vez dos nacionais. Por outro lado, os exportadores são postos em uma posição desvantajosa no mercado externo. Em um quadro de crise, nada pior que esta situação. Nervoso, o BC tenta intervir no mercado de câmbio e o Presidente Meirelles, outrora defensor intransigente das altas taxas de juros, agora ameaça reluzi-las ainda mais, declarando que a queda da taxa básica é estrutural. Com isto, pensa ele desestimular a entrada de capitais, para reduzir a oferta de divisa.
Outro pilar da política econômica do governo, o superávit primário, também começa a correr riscos. A queda das receitas, conseqüência das desonerações fiscais postas em prática, começou a levar este superávit para uma rota descendente. Em percentagens do PIB, a queda foi de 3,61%, em janeiro, para 3,06%, em abril. No primeiro quadrimestre do ano, em relação ao mesmo período do ano passado, a queda foi de 59,29%, com uma redução de R$ 47,9 bilhões para R$ 19,5 bilhões. Isto aumenta as dificuldades para o pagamento dos juros da dívida e pode abalar a tão falada confiança dos “investidores”.
Neste quadro adverso e com os trabalhadores pagando, de impostos, 40% do que recebem, o governo amplia os seus gastos em publicidade. Em 2008, os gastos chegaram a R$ 1,2 bilhões. Os maiores gastadores foram a Caixa Econômica, a Petrobrás e o banco do Zé, o Banco do Brasil. No primeiro semestre deste ano, os gastos crescerão 5%.
E as dificuldades não prometem melhorar brevemente. A acreditar nas palavras do diretor geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Strauss-Kahn, “a recuperação econômica chegará somente no primeiro semestre de 2010”. Até lá, só nos resta sofrer.
Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
progeb@ccsa.ufpb.br
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