quarta-feira, 3 de junho de 2009

Sinais de uma nova fase

Semana de 11 a 17 de maio de 2009


Após a crise do início dos anos 2000, a economia mundial viveu um período de crescimento queculminou no boom de 2006 e 2007. Já no fim de 2007, porém, começou a desaceleração nesta trajetória. O Produto Interno Bruto (PIB) das principais nações cresceu menos do que nos períodos anteriores, fato que se agravou em 2008. Do ponto de vista da teoria dos ciclos econômicos, isto caracteriza a entrada na fase de crise, processo que temos acompanhado através de nossas análises. Na presente semana, os indicadores que destacamos continuam a confirmar em todos os continentes o aprofundamento deste processo.
No primeiro trimestre de 2009, em comparação com 2008, as exportações dos EUA recuaram 2,4%, no primeiro quadrimestre, e as importações atingiram o menor patamar desde 2004. Na China, em abril, o recuo das exportações foi de 22,6% e nas Filipinas, 30,9%, em relação ao mesmo mês do ano passado. As exportações de veículos brasileiros diminuíram 50,3%, no 1º trimestre, e a produção de caminhões despencou 32,4%, no primeiro quadrimestre do ano.
Essa desorganização do comércio mundial vem paralisando a frota marítima. No Estreito de Málaca, por exemplo, existem 735 navios de carga ancorados por falta de mercadorias para transportar. Além destes, mais 150 estacionam no Estreito de Gibraltar e 300 em Roterdã.
O número de fusões, aquisições e pedidos de concordata de empresas aumentou. A norte americana Chrysler foi adquirida pela européia Fiat. A General Motors analisa a possibilidade de venda de seu braço europeu (Opel). A seguradora American International Group (AIG) está entre as que se encontram com problemas financeiros. Ela está realizando “operações de captação de recursos” através da venda de alguns de seus ativos. No Japão, a empresa vendeu seus escritórios centrais por US$ 1,2 bilhão para a Nippon Life Insurance, a fim de honrar suas dívidas com o governo americano.
No Brasil não é diferente. A fusão entre as brasileiras Sadia e Perdigão é um exemplo. Daí resultará a Brasil Foods, a maior empresa de alimentos do país, com um faturamento anual em torno dos R$ 22 bilhões. A nova empresa deverá ter como maior acionista a Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), com 10% da participação total (esta já é proprietária de 8,58% da Sadia e de 14,15% da Perdigão). Este anúncio ofuscou a divulgação dos prejuízos apurados nos balanços das duas empresas, a Sadia de R$ 239 milhões e a Perdigão de R$ 226 milhões.
Espera-se que o número de fusões e aquisições este ano atinja o mesmo patamar de 2006, quando houve recorde nas operações. No 1º trimestre de 2009, já foram negociados R$ 132,4 bilhões dos quais 80,7% foi referente ao negócio entre o Itaú e o Unibanco.
Outro elemento presente na crise é a elevação do desemprego. Nos EUA, apenas nos meses de abril e março deste ano, 1,238 milhões de postos de trabalho foram fechados. Os pedidos de seguro desemprego atingiram o patamar de 637 mil na semana encerrada em 9 de maio. Nos últimos seis meses, no Brasil, houve uma redução de 5,8% dos postos de trabalho o que representou mais 350 mil pessoas desempregadas.
As instituições financeiras continuam a passar por dificuldades. O Royal Bank of Scotland Group (RBS), maior banco controlado pelo governo britânico, teve um prejuízo de US$ 7,4 bilhões no primeiro trimestre de 2009.
Por aqui, o lucro do Banco do Brasil, apesar de atingir R$ 1,66 bilhão, teve uma redução de 29,1%
em relação ao 1º trimestre do ano passado. Já a Nossa Caixa ficou no vermelho, com um prejuízo de R$ 349 milhões, quando em 2008 o lucro foi de R$ 115 milhões.
Os dados globais sobre a economia também são desfavoráveis. A União Européia, abalada pelaqueda recorde no PIB da economia alemã (2,4%), teve o 4º trimestre consecutivo de retração da produção, com uma queda de 2,5% em relação ao último trimestre de 2008. Este indicador foi influenciado também pelo crescimento negativo da França (1,2%), da Espanha (1,8%), do Reino Unido (1,9%), da Itália (2,4%), da Eslováquia e da Letônia (ambas 11,2%). Na Rússia, a situação é ainda mais grave. A economia russa contraiu-se 23,3%. Nos EUA a queda foi de 1,6%.
Apesar do atual quadro, alguns influentes economistas prevêem que o pior da crise ainda está por vir. Segundo o atual Prêmio Nobel de economia, Paul Krugman, a economia mundial deverá entrar numa estagnação semelhante à ocorrida no Japão na década de 90. Em suas palavras “estou muito otimista com relação à conjuntura mundial de, digamos, 2030; o que me preocupa é o período de dez anos, mais ou menos”. James Wolfensohn, ex-presidente do Banco Mundial, hoje no Citigroup, também prevê uma desaceleração prolongada da economia.
Três outros contemplados também com o Prêmio Nobel, durante o Exame Fórum, em São Paulo, não pouparam elogios à política econômica do governo brasileiro. Joseph Stiglitz (Nobel de 2001), Edward Prescott (Nobel de 2004) e Robert Mundell (Nobel de 1999). Eles afirmaram que o Brasil está em melhores condições do que muitas economias desenvolvidas. Segundo Stiglitz, “A política monetária do governo deixou espaço para manobra”. Como explicou o ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, “a política monetária errada do governo nos deu uma vantagem para agora podermos baixar os juros”. Em números: a taxa Selic anual, que atualmente está em 10,25%, girou em torno de uma média nominal de 16,75% no governo Lula.
Os três economistas partilham outro pensamento: a economia ainda não chegou ao fundo do poço. Segundo Mundell: “Não sabemos exatamente em que ponto estamos, mas ainda não chegamos na metade da crise”. Já Stiglitz descreve a trajetória de crescimento como “uma mistura de ‘V’ com ‘L’, que daria uma ‘raiz quadrada’”, em alternativa às famosas trajetórias em “V” ou “U”. Segundo ele “é difícil ter certeza quando se atingirá o auge da crise, mas a recuperação será em um ritmo bem lento”. Já Prescott foi mais comedido e apenas disse que “Definitivamente não estamos caminhando para uma nova depressão”, referindo-se aos acontecimentos de 1929.
Contrariando estas previsões, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,Miguel Jorge, garante que o pior da crise já passou. Essa é a mesma concepção do diretor-presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, quando afirmou que “A crise já começa a ser vista um pouco pelo retrovisor”.
Vejamos os dados que influenciam estas opiniões.
Em abril, a produção de carros e caminhões cresceu 3% e 8%, respectivamente, quando comparada ao mês anterior. Já a venda de eletrodomésticos cresceu em torno de 25% só na primeira quinzena desse mês. Por sua vez, a atividade industrial em São Paulo teve um saldo positivo de 19 mil postos de trabalho no mês de abril. E no Brasil, a produtividade da indústria cresceu 1,6% e o custo do trabalho caiu 3,2% no mesmo mês.
Seriam dados representativos, caso não existissem estatísticas que apontam em outra direção.
Por exemplo, o motivo pelo qual a produção de carros e o comércio de alguns eletrodomésticosaumentaram reside no fato de o governo ter reduzido, ou até isentado, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para estes produtos.
O comércio varejista no Brasil teve em março seu ritmo de crescimento reduzido. Com o ajustesazonal, as vendas aumentaram apenas 0,3% e a receita nominal 0,5%, quando em março o crescimento das vendas havia sido de 1,8%.
A produção industrial, apesar de ter subido 0,7% entre fevereiro e março, registrou queda de 14,7% no primeiro trimestre de 2009, em comparação com o mesmo período de 2008.
A Petrobras obteve um lucro de R$ 5,8 bilhões, no 1º trimestre de 2009, o que representa umaredução de 20% em relação ao mesmo período de 2008. Em relação ao trimestre anterior, a queda foi de 6%. A Marfrig registrou no balanço trimestral uma redução de 46% em seu lucro bruto quando comparado ao 4º trimestre de 2008, atingindo uma cifra de R$ 313 milhões.
Em Camaçari (BA), a fabricante de nylon Braskem anunciou a suspensão das operações no pólopetroquímico por tempo indeterminado. Os motivos seriam as “dificuldades conjunturais que os mercados brasileiro e internacional (...) atravessam”, anunciou a empresa por meio de nota. Segundo ela, o mercado nacional será abastecido a partir da utilização dos estoques existentes.
O próprio ministro de Fazenda, Guido Mantega, sempre tão otimista, parece ter desistido da queda de braço com a realidade e admitiu que o Brasil está em recessão e que irá crescer, na melhor das hipóteses, 2% neste ano. Segundo ele, o país terá um forte crescimento no 4º trimestre de 2009 que compensará os outros três primeiros trimestres.
Já a equipe econômica que revisa os números do Orçamento da União trabalha com uma projeção oficial de crescimento entre 0,5% e 1% este ano. O boletim Focus, do Banco Central do Brasil, prevê que a retração no PIB irá atingir 0,44%. A Cepal, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, espera uma redução de 1% no PIB, enquanto o Fundo Monetário Internacional prevê que a retração por aqui seja de 1,3%.
O setor industrial, por sua vez, estima um crescimento do PIB em torno de zero. De acordo com o Sensor mensal do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os empresários afastaram a hipótese de aumentar os investimentos este ano, além de esperar que a utilização da capacidade instalada deva ficar entre 70% e 81% no fim deste ano.
Na cidade de Paulínea, em São Paulo, o presidente Lula, em mais uma demonstração de seusconhecimentos econômicos, criticou os empresários e montadoras que pararam a produção e preferiram escoar os estoques devido à crise. Contra as fabricantes que se beneficiaram do IPI reduzido para eliminar o excesso de mercadoria, o presidente disparou: “tem gente que na hora que aparece uma crise também pensa em tirar proveito da crise”.
O que diria ele, então, se ouvisse as palavras de Manoel Carnaúba, executivo da Braskem: “Osbenefícios obtidos com a paralisação serão muito superiores ao de continuar com a produção”.
Será que nosso presidente não sabe qual é a verdadeira razão da produção capitalista? Será que ele não sabe que a essência da criação de mercadorias é a obtenção de lucro? Que, quando um produto deixa de ser rentável, é preciso parar sua produção?
Os próprios mecanismos da acumulação do capital estão impedindo as mercadorias produzidas em grandes quantidades de serem adquiridas pelos consumidores. Os investimentos feitos no período de ascensão econômica, quando entram em funcionamento, trazem consigo um forte aumento na produtividade, o que acarreta um crescimento da oferta de bens e serviços no mercado. A demanda existente, por mais que seja estimulada, não é capaz de acompanhar os ritmos da produção. Como conseqüência, aumentam os estoques e a capacidade ociosa das fábricas, o que provoca a queda dos preços. As dificuldades de realização provocam as falências, levando à destruição de mercadorias e de capitais. É nesta fase de “saneamento” que a economia mundial se encontra no presente momento. Dentro de algum tempo, esta fase caminhará para o seu fim e outra, igualmente necessária ao ciclo econômico, terá início. Isto só ocorrerá quando a destruição completar os ajustes do mercado e os investimentos forem retomados. A produção então retornará à sua trajetória de crescimento.
Vamos esperar. O fundo do poço ainda está por vir. Já se ouvem os seus sinais.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
Lucas Milanez de Lima Almeida: Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB, Mestrando em Economia pelo CME-UFPB e membro do Progeb.
progeb@ccsa.ufpb.br

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