Em recente estudo divulgado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, IEDI, observa-se um aprofundamento no déficit da balança comercial relacionada aos bens da indústria de transformação. O déficit chegou ao nível de US$ 14,3 bilhões no primeiro semestre de 2010, o maior valor registrado na série histórica, que teve início em 1989. Este estudo analisou os segmentos de alta, média-alta, média-baixa e baixa intensidade tecnológica, seguindo a divisão adotada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE.
O único segmento a apresentar superávit foi o de baixa intensidade tecnológica, com saldo positivo de US$22,2 bilhões. Os segmentos de alta, média-alta e média-baixa intensidade tecnológica apresentaram os seguintes déficits: US$ 12,4 bilhões, US$ 16,1 bilhões e US$ 3,4 bilhões, respectivamente. A divulgação destes dados fez ressurgir o debate sobre o fenômeno da desindustrialização.
A desindustrialização poderia ser sucintamente definida como o declínio da participação do valor adicionado da indústria no Produto Interno Bruto, PIB. Em outras palavras, seria a diminuição da contribuição da indústria para a formação do PIB. De acordo com os dados das Contas Nacionais, elaborados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, tal fenômeno pode ser constatado. Em 1985, a indústria tinha uma participação de 36% no PIB, caindo para 16% nos dias atuais.
Entretanto, esta diminuição da participação da indústria no PIB é superestimada devido a mudanças metodológicas nas Contas Nacionais, que provocam descontinuidades nas séries. A revisão feita pelo IBGE em 1995 não corrigiu os valores a preços correntes para os anos anteriores, provocando assim a superestimação. A correção é bastante simples: a indústria e o PIB são medidos a custo de fatores até 1994 e a preços básicos no restante da série. Uma vez corrigida a série, temos que a parcela da indústria no PIB atinge 23% ao invés dos 16%.
Vários fatores são apontados como causa dessa perda de participação da indústria no PIB, entre os quais estão: 1) a valorização cambial verificada no período de 1994-1998 e, mais recentemente, 2008-2010; 2) uma reorientação estratégica das grandes empresas, que têm importado componentes para atender seu mercado interno. A conjugação destes fatores, aliada à ausência de uma política industrial horizontal, isto é, que abarque todos os setores da economia, resultou no aumento da importância relativa de setores tradicionais, intensivos em recursos naturais e trabalho. Nesse sentido, setores intensivos em tecnologia e capital perderam espaço na pauta comercial brasileira. Segundo André de Melo Modenesi, professor do Instituo de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “a atual forma de inserção comercial do país está intimamente relacionada com a especialização regressiva da indústria brasileira”. Ainda de acordo com ele, a especialização regressiva seria a queda da participação dos produtos industriais nas exportações do país.
O que mais chama a atenção é o descompasso entre as pautas de exportação e de importação quanto ao grau de intensidade tecnológica. Por um lado, os produtos importados estão concentrados em itens de alta complexidade tecnológica. Com base nos dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, MDIC, a participação dos produtos de alta e de média-alta intensidade tecnológica nas importações está em torno de 60% para os anos de 1996-2008. Mas, por outro lado, nossos produtos exportáveis estão concentrados em itens de baixa intensidade tecnológica. As exportações de produtos industriais de alta e média-alta intensidade tecnológica respondem por apenas 30% entre 1996 e 2008.
A maneira como a economia brasileira se inseriu no mercado mundial, com uma abertura comercial e financeira feita de maneira atabalhoada, tornou-se desfavorável ao desenvolvimento de uma indústria nacional competitiva. A dependência tecnológica impede que se desenvolvam, autonomamente, as forças produtivas nacionais. Na aparência, a nova hierarquização da economia capitalista parece favorecer os países que utilizam suas vantagens comparativas e/ou competitivas, mas, em essência, ela determina uma subordinação crescente dos países periféricos aos países centrais. Este é o resultado das políticas econômicas dos governos dos últimos 12 anos.
Kaio Glauber Vital da Costa: Economista, pesquisador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
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