sábado, 30 de outubro de 2010

A guerra dos mundos

Semana de 18 a 24 de outubro de 2010

O panorama econômico atual lembra bastante o filme “Guerra dos Mundos”. A diferença é em relação ao invasor. Enquanto na obra de Orson Welles tratavam-se de possíveis marcianos, na atualidade, os invasores são os dólares. Com efeito, o fluxo de recursos direcionados especialmente aos países emergentes tem feito com que a maioria dos governos, inclusive o do Brasil, tente utilizar um poderoso arsenal para controlar a valorização de suas moedas nacionais em relação ao dólar.

Considerada por alguns como “guerra cambial”, de um lado, vê-se o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, desculpando-se e tentando explicar que seu país não persegue uma política deliberada de desvalorização do dólar em busca de conseguir prosperidade. Por outro lado, os bancos centrais de diferentes países reforçam ações para limitar a valorização de suas moedas. De modo geral, as medidas resumem-se à compra de dólares no mercado e ao controle da entrada de capitais. É o que tem feito, por exemplo, a África do Sul, Rússia, China e os países da América do Sul, como Chile, Colômbia e Brasil.

Apesar da atuação incisiva, muitos capítulos ainda virão pela frente. É o que considera o professor da Universidade de Rosário (em Bogotá) Gonzalo Palau. Segundo ele, “O que se fez até agora foi um paliativo para um problema mundial, que é o mar de dólares que vem circulando por aí”.

Interessante foi a constatação de Guido Pennano, ex-ministro peruano, que considera que a valorização da moeda dá a impressão de que esta é saudável. “Mas ela vem deixando doente os setores produtores”, complementa. Se a carapuça servir para o Brasil...

Aliás, no Brasil, a principal medida tomada para conter a situação foi o aumento da alíquota de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 2% para 4%. Além disso, o Tesouro diminuiu a quantidade de títulos públicos postos em leilão na semana passada e não vendeu os de prazos mais longos (o caso NTN-F 2021), que são da preferência dos especuladores estrangeiros. Enquanto isso, a taxa básica de juros permaneceu a mesma do último trimestre, 10,75%, mantendo-se como a mais alta do mundo. Esta variável, que poderia ser mais uma ferramenta para desestimular a entrada de capital estrangeiro, continua no papel de filha de general: intocável.

Para Paulo Sandroni, professor da FGV, o governo ainda não fez o suficiente para conter a valorização do Real. Para ele, a taxação (por meio da elevação do IOF) é um instrumento limitado. “Taxação é como as baionetas, você pode fazer de tudo com elas menos sentar em cima”, diz ele. Sandroni também sugere que o Banco Central – Bacen – aumente os depósitos compulsórios dos bancos, de maneira a conter o crédito e segurar as pressões inflacionárias.

Metáforas militares a parte, a situação na economia real dos países europeus não está nada pacífica. Crescem as manifestações sociais e os protestos de trabalhadores, principalmente na França e Reino Unido, onde o enxugamento orçamentário e as reformas previdenciárias com o alargamento da idade para a aposentadoria, encaminhados pelo executivo, estão sendo discutidos pelo legislativo.

Como uma herança maldita da crise financeira de 2008, os países europeus tentam organizar suas contas públicas, mas, com isso, causam sérias tensões sociais. O Reino Unido divulgou o corte de 490 mil funcionários públicos nos próximos cinco anos. O ministro das Finanças do país, George Osborne, ao anunciar o corte orçamentário, explicou: “Hoje é o dia em que o Reino Unido dá um passo para trás bem adiante do abismo da falência”.

O que as organizações sociais européias criticam é a falta de diálogo com os governos e a pouca atenção dada a temas sociais, apesar dos protestos que têm pouco efeito. Como pontua John Monks, da Confederação Europeia Sindical (Etuc), “Os trabalhadores pagaram a conta para salvar os bancos e agora estão pagando para tirar os países de seus déficits”.

Texto escrito por:
Jornalista, mestre em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).
Share:

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Boca de forno... forno!

Semana de 11 a 17 de outubro de 2010

O diapasão para a procura do tom que moveas taxas de câmbio em qualquer parte do Planeta continua localizado no Federal Reserve Bank (Fed), que,nesse momento, preocupado em enfrentar a ameaça de deflaçãoque ronda os Estados Unidos há cerca de pelo menos um ano, optou pelo “afrouxamento quantitativo” através da compra de títulos. As dificuldades econômicas levaram a diretoria do banco a despejar centenas de bilhões de dólares nos T-bonds (títulos da dívida americana).

A repercursão na economia global, inicialmente na área financeira, não se fez esperar e, com certeza, alastrar-se-á por todas as outras. É de relembrar o fato de que o Capital Financeiro Internacional tem o comando, quase de forma absoluta, da economia mundial, as vezes sendo atropelado pela implacável imponderabilidade dos agentes econômicos. É relevante destacar aopinião do Diretor Gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, de cujo conteúdo não se pode discordar.Para ele, a coordenação de políticas econômicas dos governos perdeu ímpeto, e a busca de soluções domésticas para um problema que é globalapenas criará dificuldades ao retorno da economia mundial a um equilíbrio, ou seja,a saída da crise ou recuperação.

A batuta do FMI ordena que as famílias americanas e da Europa gastem menos, enquanto as famílias dos emergentes, particularmente da China, devem ampliar o seu consumo. Essas mudanças sãoum dos fatores relevantes para a materializaçãodo objetivo: a alteração relativa dos valores das moedas. Chegamos ao ponto central do problema que se quer aqui abordar:a manipulação da taxa de câmbio.

Como no jogo Boca de Forno, o trabalho de casa vem sendo feito direitinho pelo conjunto dos emergentes. O caso do Brasil tem sido exemplar e o daChina rebelde vem furando o esquema do jogo e, porisso mesmo, tem criado uma situação muito desfavorável àquele país na chamada guerra cambial.Há quem prognostique que o colosso chinês vai ficar em breve com “a corda no pescoço”.

Voltando ao Brasil, sendo a taxa de juro superior ao resto do mundo, apesar da fraca taxa de conversibilidade, o real internacionaliza-se evaloriza-se,observando-se uma maior rentabilidade nas operações de “bid-ask”, diferença existente no mercado entre o ask (melhor oferta) e o bid (melhor compra),através da prática do “carry trade”(compra de moeda com juros baixos e troca por moedas com juros altos).As únicas incertezas decorrem das possíveis mudanças da taxa de câmbio.

A taxa de câmbio torna-se assim a variável econômica mais estratégica para o crescimento econômico. Com isso, o Presidente do Banco Central (BACEN), esquecendo que “câmbio flutuante é para flutuar”,muda a tônicae passa a uma política mais agressiva, ao verificar que os ajustamentos no mercado cambial não se dão de forma imediata.A valorização do realestá a causar danos irreparáveis ao setor exportador da economia, ampliando os deficits em conta corrente e preparando a eclosão de uma crise cambial aguda. Paulo Francini, Diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), acredita que a forte valorização do câmbio vai provocar uma “ressaca” na indústria, através de muitos canais, liderados pelo canal da importação.

Na realidade, a desvalorização da moeda americana é boa para os americanos, para o capital financeiro internacional, para os importadores, para os grandes especuladores, mas não parece assim tão boa para a saúde da “economia tupiniquim”. O que fazer sem romper com os cânones da cartilha do FMI? Meirelles mantém a coerência e o respeitoàs regras do jogo, através da expansão fiscal e do acúmulo de reservas, ambos alvos de criticas na última reunião do FMI.

Deduz-se que continuamos no jogode onde nunca saimos, desde os tempos idos e sofridos, do qual o Governo Colorpode ser considerado um marco,e,juntamente com o resto do mundo, obedientes, repetimos:“faremos tudo que o mestre mandar”. Será que não poderemos tentar sair da brincadeira e aspirarpor moderninhos jogos, sem mestres, onde todos os parceiros interagem com relativa independência?


Texto escrito por:
Elivan Gonçalves Rosas Ribeiro: Professora do Departamento de Economia da UFPB e Pesquisadora do PROGEB - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. Email: progeb@ccsa.ufpb.br.
Share:

sábado, 16 de outubro de 2010

As Peripécias do Saci Macroeconômico

Semana de 04 a 10 de outubro de 2010

Na semana passada, ao analisarmos a política econômica do governo atual, conhecida como Tripé Macroeconômico (obtenção de elevados superávits primários, regime de câmbio flutuante e regime de metas para inflação), descobrimos que a economia do nosso país sustenta-se em apenas um desses pilares: o regime de metas para inflação. Após tal descoberta, julgamos mais apropriado denominar tal política econômica de Saci Macroeconômico Brasileiro. Entretanto, não chegamos a avaliar as conseqüências da utilização desta.

O Saci Macroeconômico é um personagem bastante travesso e já “aprontou” inúmeras peripécias com a economia nacional. O grande problema é que, mesmo sabendo da sua existência, os “policy-makers” do governo (elaboradores de política econômica) parecem não suspeitar que esta figura inusitada não só é a causadora de uma série de problemas, como poderá gerar danos ainda maiores à economia.

Recentemente, a valorização do real frente ao dólar tem dado “dores de cabeça” à industria nacional exportadora. Tal fenômeno, ao tornar nossos produtos mais caros em relação aos demais produtos do mercado internacional, faz com que os exportadores percam competitividade, o que conseqüentemente reduz suas receitas. Este novo panorama cambial fez com que empresas como a Tupy (indústria de fundição fabricante de peças e componentes para veículos pesados) e a Weg (fabricante de motores, geradores, transformadores e tintas) passassem a importar insumos como forma de “dolarizar” os custos. Como se não bastasse a pressão negativa na balança comercial, a nova situação também torna preferível para os exportadores produzir fora do país, que é o caso da Motorola e mais uma vez da Weg. Existem até fábricas que optam pelo fechamento, como é o caso da fábrica de móveis da Irani (negócio dimensionado para exportação), em Santa Catarina, que empregava 120 funcionários e teve que fechar as portas nesta última sexta-feira. Não é de se admirar que a participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) tenha caído, de 19,2%, para 15,5%, em cinco anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. Este é o menor patamar desde 1947, quando o Brasil ainda era um país agrário.

Diante disto, os “policy-makers” decidiram agir: o ministro da fazenda, Guido Mantega, aumentou a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), de 2%, para 4%, e o presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, intensificou as operações de swap cambial reverso, batendo recordes de compras de dólares. Para eles, se o que causa a valorização do real frente ao dólar é o aumento da oferta deste último no país, a neutralização deste aumento resolveria o problema. Assim, Meirelles retiraria do mercado os dólares excedentes e Mantega certificar-se-ia de que ela não aumentaria no futuro. A questão é que eles parecem esquecer que a taxa de juros do Brasil é uma das mais altas do mundo. Portanto, utilizar o IOF para fazer com que o rendimento de títulos como a NTN-F, de juros pré-fixados, por exemplo, passe, de 11,61%, para 11,376%, não afetará em nada o fluxo de capitais estrangeiros. Com isto, prossegue o ingresso de dólares no Brasil, e o BC permanece pagando altas taxas de juros para retirar os dólares do mercado. Assim, a manutenção da taxa básica de juros em patamares elevados para combater a tão falada inflação de demanda não só tem como conseqüência a sabotagem da indústria nacional, como também origina uma dívida desnecessária. Vendo por este ângulo, até parece que esta é realmente a intenção da equipe econômica do governo.

Outra peripécia do nosso Saci que pode custar caro à economia brasileira é fazer surgir receitas misteriosas nas contas do governo para o cumprimento da meta do superávit primário. Em uma conjuntura econômica onde todos temem a deflagração de uma nova crise, o governo deveria saber que a utilização de manobras contábeis para fazer a situação parecer diferente do que realmente é, como fez a Grécia recentemente, traz sérios riscos à nossa economia, podendo gerar uma crise na dívida do país.

Sem saber com quem estão lidando, ou negligenciando o fato, Mantega e Meireles, com o aval do presidente Lula, seguem pulando em uma perna só, de mãos dadas com o nosso Saci Macroeconômico. Os prognósticos acerca do destino ao qual nos levará esta caminhada saltitante, entretanto, não são nada bons. Preparemo-nos para o pior!


Texto escrito por:
Antonio Carneiro de Almeida Júnior: Economista, Mestrando do Programa de Pós - Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR, PPGDE/UFPR, e pesquisador do PROGEB - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
(progeb@ccsa.ufpb.br)

Share:

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog